Solange Utuari
BNCC e ensino de Arte - Parte I
Estamos na vida e, em meio a nossa trajetória, buscamos encontros e realizações significativas, que permitam ver e sentir a nossa presença no mundo. Enquanto professores, buscamos, por meio de nossa força criadora, transformar-nos e transformar o outro. Somos seres singulares e múltiplos; no ato de transformar o mundo, expressamos a nossa presença, nosso saber técnico e poético, um modo particular em ser professor/professora e ensinar. Ao ter notícias de um documento oficial que apresenta premissas para contribuir com nossa prática educativa, como seguimos sem perder a presença em nosso próprio caminhar? Será utopia conciliar nossas histórias, valores e sonhos pedagógicos com propostas curriculares como as da Base Nacional Comum Curricular? Questões que podem nos desafiar, bem como nos causar certo incômodo.
No ensino de Arte, a construção curricular é algo relativamente recente, ainda em construção e debate. Muito do que se trabalha nesse componente está ligado ao repertório do professor, principalmente a sua história, vivência cultural e percurso de formação. Os cursos de Licenciatura para formação de professores em Arte em geral oferecem formação especializada em uma linguagem artística. Pautados na superação da formação polivalente, esses cursos resultaram em avanços na valorização e estruturação da disciplina de Arte na escola. No entanto, o educador, ao ingressar na profissão, pode sentir-se provocado a trabalhar com várias linguagens. Este é mais um desafio que se coloca ao professor, uma vez que os encaminhamentos curriculares divulgados em documentos oficiais defendem o direito legítimo dado ao estudante de conhecer e experienciar, no contexto escolar, as várias linguagens artísticas.
Outro desafio dado ao professor é entender estes documentos e aproximá-los da sua prática docente. Trazendo para os últimos acontecimentos, o professor atualmente se vê imerso neste desafio: compreender o documento apresentado na Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Ao tratar do ensino de Arte, a BNCC apresenta cinco unidades temáticas em que estão citadas as quatro linguagens artísticas: teatro, dança, artes visuais e música, ampliando também para as Artes Integradas. Os encaminhamentos sugeridos no documento propõem que as linguagens artísticas sejam trabalhadas em suas particularidades ou na relação umas com as outras, estabelecendo caminhos interdisciplinares entre as várias expressões artísticas. Apresenta, assim, uma diretriz organizada para nortear a composição curricular em diferentes realidades brasileiras e pautar a prática docente dos professores. Estabelece objetos de conhecimento que podemos comparar a campos conceituais no estudo da Arte, expressos como: contextos e práticas, elementos da linguagem, materialidades, processos de criação, sistemas da linguagem (citados em todas as linguagens); notação e registro musical (citado em especial em música); matrizes estéticas e culturais, patrimônio cultural, arte e tecnologia (citados em especial em artes integradas).
O convite que fazemos a você é olhar para o documento da BNCC no campo da disciplina de Arte como se olhasse um caleidoscópio: ideias criam ideias, se multiplicam, refletem nossas experiências e apontam desafios infinitos na aprendizagem e ensino da Arte. Assim, por meio da nossa conversa, propomos estudar aspectos que podem abrir novas paisagens, novas possibilidades e potencialidades no trabalho ao criar projetos e ações, investigando linguagens, campos conceituais e caminhos para desenvolver habilidades com os estudantes. Usamos aqui a metáfora de um caleidoscópio para falar sobre as infinitas possibilidades de aprender e ensinar arte e cultura, seja ao consultar um documento oficial, livro didático ou outro material de apoio a prática docente.
A construção de currículo em Arte na contemporaneidade não se limita a espaços rígidos e ações pontuais, mas abre infinitos caminhos e escolhas. Para se fazer presente na sua própria prática docente, sendo agente e ator do seu trabalho, o professor pode estudar cada linguagem da Arte em seus objetos de conhecimento percebendo quais conceitos e metodologias podem desenvolver as habilidades básicas, citadas na BNCC em Arte.
Em Artes visuais, por exemplo, propõe-se o estudo dos “contextos e práticas” que visam a desenvolver as habilidades ao “analisar situações nas quais as linguagens das artes visuais se integram às linguagens audiovisuais (cinema, animações, vídeos etc.), gráficas (capas de livros, ilustrações de textos diversos etc.), cenográficas, coreográficas, musicais etc.” (BRASIL, 2017, p. 207). O que o professor conhece sobre esses aspectos? Que projetos podem desencadear boas experiências artísticas com os estudantes? O que é interessante ressaltar dentro do contexto cultural e da faixa de idade dos estudantes? Como planejar os percursos, gerenciar os momentos de aprendizagem, estabelecer combinados, critérios de avaliação do processo de aprendizagem e do produto do trabalho, entre outras providências pedagógicas?
É possível que o professor já tenha se deparado com esses desafios, mas agora eles se mostram organizados dentro um campo de estudo, associado a um objeto de conhecimento e a uma linguagem da arte. Nesse sentido, a organização de um currículo se torna positiva, pois deixa mais transparente o que ensinar, para quem, porque e como. Vejamos outro exemplo: na linguagem da Música, propõe-se o estudo da “notação e registro musical”, entendido no documento como um objeto de conhecimento, para desenvolver as habilidades de:
(EF69AR22) Explorar e identificar diferentes formas de registro musical (notação musical tradicional, partituras criativas e procedimentos da música contemporânea), bem como procedimentos e técnicas de registro em áudio e audiovisual. (BRASIL, 2017, p. 209)
Ao propor esse estudo, o professor pode oferecer aos estudantes momentos de escuta sensível e atenta de músicas de diversos gêneros e estilos. Num primeiro momento, a partir dessa nutrição estética (apreciação) e exercício de percepção, poderá propor que os alunos concebam partituras diferenciadas, criativas, usando, por exemplo, formas livres ou geométricas, linhas, pontos, cores, etc. Dessa maneira, a percepção e análise de movimentos sonoros, a direção de melodias, os momentos de maior ou menor densidade, etc. poderão se refletir nos registros feitos. Além disso, poderão ser contemplados também na representação gráfica dos sons a escuta e discernimento dos parâmetros sonoros: a nível da duração (sons longos e curtos), da intensidade (sons fortes e fracos), da altura (sons graves e agudos), bem como o nível dos timbres resultantes de diferentes fontes sonoras. Essas experiências devem ser valorizadas como introdução ao estudo da música e são auxiliares importantes para o desenvolvimento da criatividade em sentido amplo (escuta, composição, notação e interpretação). Em Teatro, no estudo do objeto de conhecimento “elementos da linguagem”, o professor poderá desenvolver planejamento e ação pedagógica para que os estudantes possam:
(EF69AR26) Explorar diferentes elementos envolvidos na composição dos acontecimentos cênicos (figurinos, adereços, cenário, iluminação e sonoplastia)” e reconhecer seus vocabulários. (BRASIL, 2017, p. 209)
Nesse estudo, os estudantes podem se debruçar sobre a pesquisa da história do figurino teatral (dentro de um contexto histórico, cultural ou regional), ou a criação de ideias para figurinos ou cenários (esboços, projetos, maquetes, textos descritivos e outros). Uma possibilidade é escolher trechos de obras literárias que podem ser adaptadas para a linguagem teatral, explorando a leitura e criação de textos dramáticos (dramaturgia teatral), estabelecendo aqui, inclusive, uma relação interdisciplinar com Língua Portuguesa, uma vez que, na BNCC, algumas habilidades de Arte se relacionam com outras desse componente como, por exemplo:
(EF67LP29) Identificar, em texto dramático, personagem, ato, cena, fala e indicações cênicas e a organização do texto: enredo, conflitos, ideias principais, pontos de vista, universos de referência. (BRASIL, 2017, p. 169)
Nesse sentido, há potências de ações pedagógicas no estudo da BNCC que permitem que professores de diferentes disciplinas criem juntos projetos integrando saberes e desenvolvendo habilidades. Na linguagem da Dança, assim como em outras, encontramos a preocupação em estudar o processo de criação. Na dança há várias maneiras de investigação e propostas para desenvolver habilidades na ação criadora. Entre essas podemos citar a importância em o estudante saber analisar sua história e identidade corpórea e, assim, saber:
(EF69AR15) Discutir as experiências pessoais e coletivas em dança vivenciadas na escola e em outros contextos, problematizando estereótipos e preconceitos. (BRASIL, 2017, p. 207)
O objeto de conhecimento Elementos de linguagem, na parte do documento relativa a Dança, estabelece momentos de investigação para conhecer o corpo, a materialidade expressiva na linguagem corporal, propondo:
(EF69AR11) Experimentar e analisar os fatores de movimento (tempo, peso, fluência e espaço) como elementos que, combinados, geram as ações corporais e o movimento dançado. (BRASIL, 2017, p.207)
Com base nisso, o professor poderá desenvolver projetos de estudos e criação artística em que o estudante aprenda a conhecer a fisiologia do próprio corpo, refletindo sobre suas experiências, e a perceber a dinâmica e a expressividade de movimentos dançados, conhecendo e se expressando nessa linguagem na escola e na sua vida sociocultural.
Não perca a continuação de BNCC e ensino de Arte no próximo artigo.
No ensino de Arte, a construção curricular é algo relativamente recente, ainda em construção e debate. Muito do que se trabalha nesse componente está ligado ao repertório do professor, principalmente a sua história, vivência cultural e percurso de formação. Os cursos de Licenciatura para formação de professores em Arte em geral oferecem formação especializada em uma linguagem artística. Pautados na superação da formação polivalente, esses cursos resultaram em avanços na valorização e estruturação da disciplina de Arte na escola. No entanto, o educador, ao ingressar na profissão, pode sentir-se provocado a trabalhar com várias linguagens. Este é mais um desafio que se coloca ao professor, uma vez que os encaminhamentos curriculares divulgados em documentos oficiais defendem o direito legítimo dado ao estudante de conhecer e experienciar, no contexto escolar, as várias linguagens artísticas.
Outro desafio dado ao professor é entender estes documentos e aproximá-los da sua prática docente. Trazendo para os últimos acontecimentos, o professor atualmente se vê imerso neste desafio: compreender o documento apresentado na Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Ao tratar do ensino de Arte, a BNCC apresenta cinco unidades temáticas em que estão citadas as quatro linguagens artísticas: teatro, dança, artes visuais e música, ampliando também para as Artes Integradas. Os encaminhamentos sugeridos no documento propõem que as linguagens artísticas sejam trabalhadas em suas particularidades ou na relação umas com as outras, estabelecendo caminhos interdisciplinares entre as várias expressões artísticas. Apresenta, assim, uma diretriz organizada para nortear a composição curricular em diferentes realidades brasileiras e pautar a prática docente dos professores. Estabelece objetos de conhecimento que podemos comparar a campos conceituais no estudo da Arte, expressos como: contextos e práticas, elementos da linguagem, materialidades, processos de criação, sistemas da linguagem (citados em todas as linguagens); notação e registro musical (citado em especial em música); matrizes estéticas e culturais, patrimônio cultural, arte e tecnologia (citados em especial em artes integradas).
O convite que fazemos a você é olhar para o documento da BNCC no campo da disciplina de Arte como se olhasse um caleidoscópio: ideias criam ideias, se multiplicam, refletem nossas experiências e apontam desafios infinitos na aprendizagem e ensino da Arte. Assim, por meio da nossa conversa, propomos estudar aspectos que podem abrir novas paisagens, novas possibilidades e potencialidades no trabalho ao criar projetos e ações, investigando linguagens, campos conceituais e caminhos para desenvolver habilidades com os estudantes. Usamos aqui a metáfora de um caleidoscópio para falar sobre as infinitas possibilidades de aprender e ensinar arte e cultura, seja ao consultar um documento oficial, livro didático ou outro material de apoio a prática docente.
A construção de currículo em Arte na contemporaneidade não se limita a espaços rígidos e ações pontuais, mas abre infinitos caminhos e escolhas. Para se fazer presente na sua própria prática docente, sendo agente e ator do seu trabalho, o professor pode estudar cada linguagem da Arte em seus objetos de conhecimento percebendo quais conceitos e metodologias podem desenvolver as habilidades básicas, citadas na BNCC em Arte.
Em Artes visuais, por exemplo, propõe-se o estudo dos “contextos e práticas” que visam a desenvolver as habilidades ao “analisar situações nas quais as linguagens das artes visuais se integram às linguagens audiovisuais (cinema, animações, vídeos etc.), gráficas (capas de livros, ilustrações de textos diversos etc.), cenográficas, coreográficas, musicais etc.” (BRASIL, 2017, p. 207). O que o professor conhece sobre esses aspectos? Que projetos podem desencadear boas experiências artísticas com os estudantes? O que é interessante ressaltar dentro do contexto cultural e da faixa de idade dos estudantes? Como planejar os percursos, gerenciar os momentos de aprendizagem, estabelecer combinados, critérios de avaliação do processo de aprendizagem e do produto do trabalho, entre outras providências pedagógicas?
É possível que o professor já tenha se deparado com esses desafios, mas agora eles se mostram organizados dentro um campo de estudo, associado a um objeto de conhecimento e a uma linguagem da arte. Nesse sentido, a organização de um currículo se torna positiva, pois deixa mais transparente o que ensinar, para quem, porque e como. Vejamos outro exemplo: na linguagem da Música, propõe-se o estudo da “notação e registro musical”, entendido no documento como um objeto de conhecimento, para desenvolver as habilidades de:
(EF69AR22) Explorar e identificar diferentes formas de registro musical (notação musical tradicional, partituras criativas e procedimentos da música contemporânea), bem como procedimentos e técnicas de registro em áudio e audiovisual. (BRASIL, 2017, p. 209)
Ao propor esse estudo, o professor pode oferecer aos estudantes momentos de escuta sensível e atenta de músicas de diversos gêneros e estilos. Num primeiro momento, a partir dessa nutrição estética (apreciação) e exercício de percepção, poderá propor que os alunos concebam partituras diferenciadas, criativas, usando, por exemplo, formas livres ou geométricas, linhas, pontos, cores, etc. Dessa maneira, a percepção e análise de movimentos sonoros, a direção de melodias, os momentos de maior ou menor densidade, etc. poderão se refletir nos registros feitos. Além disso, poderão ser contemplados também na representação gráfica dos sons a escuta e discernimento dos parâmetros sonoros: a nível da duração (sons longos e curtos), da intensidade (sons fortes e fracos), da altura (sons graves e agudos), bem como o nível dos timbres resultantes de diferentes fontes sonoras. Essas experiências devem ser valorizadas como introdução ao estudo da música e são auxiliares importantes para o desenvolvimento da criatividade em sentido amplo (escuta, composição, notação e interpretação). Em Teatro, no estudo do objeto de conhecimento “elementos da linguagem”, o professor poderá desenvolver planejamento e ação pedagógica para que os estudantes possam:
(EF69AR26) Explorar diferentes elementos envolvidos na composição dos acontecimentos cênicos (figurinos, adereços, cenário, iluminação e sonoplastia)” e reconhecer seus vocabulários. (BRASIL, 2017, p. 209)
Nesse estudo, os estudantes podem se debruçar sobre a pesquisa da história do figurino teatral (dentro de um contexto histórico, cultural ou regional), ou a criação de ideias para figurinos ou cenários (esboços, projetos, maquetes, textos descritivos e outros). Uma possibilidade é escolher trechos de obras literárias que podem ser adaptadas para a linguagem teatral, explorando a leitura e criação de textos dramáticos (dramaturgia teatral), estabelecendo aqui, inclusive, uma relação interdisciplinar com Língua Portuguesa, uma vez que, na BNCC, algumas habilidades de Arte se relacionam com outras desse componente como, por exemplo:
(EF67LP29) Identificar, em texto dramático, personagem, ato, cena, fala e indicações cênicas e a organização do texto: enredo, conflitos, ideias principais, pontos de vista, universos de referência. (BRASIL, 2017, p. 169)
Nesse sentido, há potências de ações pedagógicas no estudo da BNCC que permitem que professores de diferentes disciplinas criem juntos projetos integrando saberes e desenvolvendo habilidades. Na linguagem da Dança, assim como em outras, encontramos a preocupação em estudar o processo de criação. Na dança há várias maneiras de investigação e propostas para desenvolver habilidades na ação criadora. Entre essas podemos citar a importância em o estudante saber analisar sua história e identidade corpórea e, assim, saber:
(EF69AR15) Discutir as experiências pessoais e coletivas em dança vivenciadas na escola e em outros contextos, problematizando estereótipos e preconceitos. (BRASIL, 2017, p. 207)
O objeto de conhecimento Elementos de linguagem, na parte do documento relativa a Dança, estabelece momentos de investigação para conhecer o corpo, a materialidade expressiva na linguagem corporal, propondo:
(EF69AR11) Experimentar e analisar os fatores de movimento (tempo, peso, fluência e espaço) como elementos que, combinados, geram as ações corporais e o movimento dançado. (BRASIL, 2017, p.207)
Com base nisso, o professor poderá desenvolver projetos de estudos e criação artística em que o estudante aprenda a conhecer a fisiologia do próprio corpo, refletindo sobre suas experiências, e a perceber a dinâmica e a expressividade de movimentos dançados, conhecendo e se expressando nessa linguagem na escola e na sua vida sociocultural.
Não perca a continuação de BNCC e ensino de Arte no próximo artigo.
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