Wolney C. Melo
BNCC e ensino de Ciências da Natureza - Parte I
As inovações tecnológicas podem e devem ser disseminadas e apropriadas por todos os cidadãos. O ensino de Ciências e sobre as Ciências pode ajudar nesse processo. Ter conhecimento de Ciências pode ser entendido como ter conhecimento do mundo natural, compreender os fenômenos e aplicar os conceitos tratados nos diferentes componentes curriculares; e o conhecimento sobre as Ciências corresponde ao que é construído por meio das pesquisas e da investigação humana.
Nesse sentido, percebe-se cada vez mais a importância do letramento em Ciências, “letramento” entendido como a capacidade dos estudantes de aplicar conhecimentos em áreas essenciais e de analisar, argumentar e comunicar de maneira eficaz, à medida que apresentam, resolvem e interpretam problemas em diversas situações, como indicado nos princípios que orientam as avaliações do Pisa (OCDE, 2008).
O letramento científico é favorecido quando são desenvolvidos procedimentos para a compreensão e organização da informação (conteúdo procedimental) e, quando o conhecimento permite, propõe-se a integração de informações diversas para explicação d e uma dada situação.
Os estudos e discussões devem ser pautados por situações e fenômenos comuns na vida cotidiana, tornando-se, assim, um instrumento de reflexão e construção do pensamento científico e contribuindo para o letramento em Ciências, na concepção apresentada pelo Pisa e que também está presente no documento da BNCC.
A proposta de progressão conceitual para o ensino de Ciências, explícito na BNCC, prevê que as habilidades sejam desenvolvidas ano a ano, em grau crescente de complexidade. Elas são descritas a partir da operação mental a ser desenvolvida em determinado contexto, apresentado aos estudantes por meio dos saberes e da exposição a processos, práticas e procedimentos da investigação científica. As habilidades previstas para serem desenvolvidas no Ensino Fundamental estão voltadas à formação de sujeitos capazes de intervir na sociedade de forma crítica, significativa e ética.
Para que isso seja possível, deve-se observar e cuidar do mecanismo cognitivo no qual está fundamentada a evolução do pensamento científico – o Método Científico. A partir da observação de fenômenos e da definição do problema de pesquisa busca-se a coleta de dados e informações para análise e levantamento de hipóteses que deverão ser verificadas e testadas para possibilitar a tomada de decisões e de eventual intervenção. Tudo isso sem deixar de valorizar as formas de comunicação do processo vivenciado.
Esse procedimento pode ser aplicado a diversas situações da vida cotidiana e contribuir para a formação de um cidadão que analisa as situações que se apresentam em sua vida, elabora hipóteses e, por meio de raciocínio lógico, fundamenta suas decisões e ações.
Também importa atentar ao método. A Base propõe um ensino provocativo e instigador, que leve o estudante a levantar hipóteses e relacionar diferentes informações. Esse modo de viver as aulas certamente contribui para a formação de cidadãos críticos e reflexivos, que possibilitarão a construção de uma sociedade mais equânime, sustentável e ética. Vale ressaltar que isso só ocorrerá se a aprendizagem for significativa sendo, portanto, imprescindível que as vivências e os interesses dos estudantes sobre o mundo natural e tecnológico sejam valorizados e integrem o processo de ensino-aprendizagem.
Portanto, o ensino deve considerar a formação de jovens instrumentalizados para compreender as causas e razões das coisas, para exercer seus direitos, para cuidar de sua saúde, para participar de discussões em que estão envolvidos seus destinos, para atuar e transformar o mundo à sua volta, objetivos expressos nas competências gerais da BNCC.
O conhecimento das ciências pode reconstruir a relação do ser humano com a natureza, contribuindo para a formação de opiniões fundamentadas em argumentos consistentes sobre temas muitas vezes polêmicos, como desmatamento, agrotóxicos, manipulação genética, utilização de energia nuclear, etc.
Na escolha dos objetos de conhecimento que irão compor o currículo, é fundamental privilegiar o desenvolvimento de competências e habilidades que permitam ao estudante a articulação entre conceitos diversos, visando à compreensão de um determinado problema ou fenômeno natural de forma mais ampla. É bom lembrar que o desenvolvimento de competências e habilidades só ocorre em torno de assuntos e problemas concretos que, para serem enfrentados, exigem que o aluno relacione leis, conceitos e princípios. Essas escolhas devem ser feitas a partir de critérios que levem em conta os processos e fenômenos científicos de maior relevância no mundo contemporâneo.
Ao escolher os objetivos formativos é imprescindível que os conhecimentos se apresentem como desafios cuja solução envolva a mobilização de recursos cognitivos. Assim, as atividades devem mobilizar várias habilidades; entre elas, o estabelecimento de conexões entre conceitos e conhecimentos tecnológicos, além do desenvolvimento do espírito de cooperação, de solidariedade e de responsabilidade. Essa escolha deve conciliar diferentes aspectos ligados à cultura escolar, tais como o contexto específico, as características e projetos pedagógicos da escola, bem como projetos e propostas do corpo docente e dos estudantes.
A programação tradicional no ensino de Ciências enfatizava os estudos dos conceitos ligados à Biologia, restando, para o estudo dos fenômenos e processos físicos e químicos, quase que exclusivamente o 9º ano, com raras situações de integração entre os componentes curriculares da área.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) traziam a indicação de agrupamento dos conteúdos nos blocos temáticos: Ambiente, Ser Humano e Saúde e Recursos Tecnológicos. Para os anos finais (Fundamental II), havia ainda o acréscimo de um quarto bloco temático: Terra e Universo. Na prática, as escolas se organizavam, na maior parte dos casos, trabalhando Terra e Universo no 6º ano, Seres Vivos no 7º ano, Corpo Humano no 8º ano e Matéria e Energia no 9º ano. Essa opção evidencia uma fragmentação conceitual que impossibilita o desenvolvimento do pensamento científico sob uma perspectiva mais integradora dos fenômenos e processos presentes no mundo natural e tecnológico em que vivemos.
Diferentemente daquela visão tradicional e fragmentada, o componente de Ciências na BNCC é organizado de forma a se buscar um ensino integrado, articulado em torno de três unidades temáticas que se repetem ano a ano: Matéria e energia, Vida e evolução, Terra e Universo.
Essa opção resultou em uma distribuição mais equilibrada dos conteúdos tradicionais do componente curricular, que passam a ser trabalhados em todos os anos do Ensino Fundamental. Muda assim a concepção de ensino, que o documento propõe em espiral, com os eixos se repetindo em todos os anos, em uma progressão das habilidades propostas e do tratamento de cada eixo. Os conceitos são gradativamente construídos, tornam-se mais complexos, as inter- relações conceituais são mais e mais favorecidas, o que resulta em maior integração entre as unidades temáticas. Isso fica claro quando determinados temas aparecem nos três eixos, como, por exemplo, no 7º ano. Nesse ano, em Matéria e energia, podemos destacar a seguinte habilidade:
(EF07CI05) Discutir o uso de diferentes tipos de combustível e máquinas térmicas ao longo do tempo, para avaliar avanços, questões econômicas e problemas socioambientais causados pela produção e uso desses materiais e máquinas. (BRASIL, 2017, p. 347)
Por outro lado, em Vida e evolução, temos:
(EF07CI08) Avaliar como os impactos provocados por catástrofes naturais ou mudanças nos componentes físicos, biológicos ou sociais de um ecossistema afetam suas populações, podendo ameaçar ou provocar a extinção de espécies, alteração de hábitos, migração, etc. (BRASIL, 2017, p. 347)
Enquanto isso, em Terra e Universo, encontramos:
(EF07CI13) Descrever o mecanismo natural do efeito estufa, seu papel fundamental para o desenvolvimento da vida na Terra, discutir as ações humanas responsáveis pelo seu aumento artificial (queima dos combustíveis fósseis, desmatamento, queimadas etc.) e selecionar e implementar propostas para a reversão ou controle desse quadro. (BRASIL, 2017, p. 347)
Pode-se perceber que essas três habilidades, integrantes de eixos temáticos diferentes, conversam entre si e devem ser objeto de construção de atividades e ou planos de aulas que busquem estabelecer relações conceituais, tendo como ponto central a reflexão e análise crítica sobre a utilização de determinados tipos de combustíveis e formas de exploração ambiental.
Um exemplo de atividade que pode ser desenvolvida é o estudo e a análise crítica do rompimento da barragem de rejeitos de Brumadinho, ocorrida em janeiro de 2019, que abriu a discussão sobre prós e contras do tipo de barragem utilizada. É possível propor também uma pesquisa sobre quais os tipos de rejeitos estão sendo depositados na barragem e, por fim, analisar os impactos (ambiental, social, econômico, psicológico, etc.) desse rompimento na região devastada e em seus moradores.
Ao desenvolver esse tipo de abordagem, saímos da pura valorização do conteúdo pelo conteúdo, passando a promover um estudo reflexivo, em que o conteúdo ganha importância em função de sua relevância para o entendimento das relações estabelecidas entre as diversas variáveis que constituem o fenômeno em questão; esse tipo de abordagem promove a análise crítica da situação e a projeção de eventuais ações para compreender e intervir no ambiente, como indicado na BNCC.
Para melhor compreensão do documento, vale a pena fazer uma análise longitudinal dos objetos de conhecimento indicados no documento oficial. Vale, porém, lembrar que a Base não é currículo, o que significa que as redes escolares têm autonomia para acrescentar objetos de conhecimento e habilidades que julgarem necessários, adequando à cultura local.
Não deixe de conferir o restante do artigo em nossa próxima publicação.
Nesse sentido, percebe-se cada vez mais a importância do letramento em Ciências, “letramento” entendido como a capacidade dos estudantes de aplicar conhecimentos em áreas essenciais e de analisar, argumentar e comunicar de maneira eficaz, à medida que apresentam, resolvem e interpretam problemas em diversas situações, como indicado nos princípios que orientam as avaliações do Pisa (OCDE, 2008).
O letramento científico é favorecido quando são desenvolvidos procedimentos para a compreensão e organização da informação (conteúdo procedimental) e, quando o conhecimento permite, propõe-se a integração de informações diversas para explicação d e uma dada situação.
Os estudos e discussões devem ser pautados por situações e fenômenos comuns na vida cotidiana, tornando-se, assim, um instrumento de reflexão e construção do pensamento científico e contribuindo para o letramento em Ciências, na concepção apresentada pelo Pisa e que também está presente no documento da BNCC.
A proposta de progressão conceitual para o ensino de Ciências, explícito na BNCC, prevê que as habilidades sejam desenvolvidas ano a ano, em grau crescente de complexidade. Elas são descritas a partir da operação mental a ser desenvolvida em determinado contexto, apresentado aos estudantes por meio dos saberes e da exposição a processos, práticas e procedimentos da investigação científica. As habilidades previstas para serem desenvolvidas no Ensino Fundamental estão voltadas à formação de sujeitos capazes de intervir na sociedade de forma crítica, significativa e ética.
Para que isso seja possível, deve-se observar e cuidar do mecanismo cognitivo no qual está fundamentada a evolução do pensamento científico – o Método Científico. A partir da observação de fenômenos e da definição do problema de pesquisa busca-se a coleta de dados e informações para análise e levantamento de hipóteses que deverão ser verificadas e testadas para possibilitar a tomada de decisões e de eventual intervenção. Tudo isso sem deixar de valorizar as formas de comunicação do processo vivenciado.
Esse procedimento pode ser aplicado a diversas situações da vida cotidiana e contribuir para a formação de um cidadão que analisa as situações que se apresentam em sua vida, elabora hipóteses e, por meio de raciocínio lógico, fundamenta suas decisões e ações.
Também importa atentar ao método. A Base propõe um ensino provocativo e instigador, que leve o estudante a levantar hipóteses e relacionar diferentes informações. Esse modo de viver as aulas certamente contribui para a formação de cidadãos críticos e reflexivos, que possibilitarão a construção de uma sociedade mais equânime, sustentável e ética. Vale ressaltar que isso só ocorrerá se a aprendizagem for significativa sendo, portanto, imprescindível que as vivências e os interesses dos estudantes sobre o mundo natural e tecnológico sejam valorizados e integrem o processo de ensino-aprendizagem.
Portanto, o ensino deve considerar a formação de jovens instrumentalizados para compreender as causas e razões das coisas, para exercer seus direitos, para cuidar de sua saúde, para participar de discussões em que estão envolvidos seus destinos, para atuar e transformar o mundo à sua volta, objetivos expressos nas competências gerais da BNCC.
O conhecimento das ciências pode reconstruir a relação do ser humano com a natureza, contribuindo para a formação de opiniões fundamentadas em argumentos consistentes sobre temas muitas vezes polêmicos, como desmatamento, agrotóxicos, manipulação genética, utilização de energia nuclear, etc.
Na escolha dos objetos de conhecimento que irão compor o currículo, é fundamental privilegiar o desenvolvimento de competências e habilidades que permitam ao estudante a articulação entre conceitos diversos, visando à compreensão de um determinado problema ou fenômeno natural de forma mais ampla. É bom lembrar que o desenvolvimento de competências e habilidades só ocorre em torno de assuntos e problemas concretos que, para serem enfrentados, exigem que o aluno relacione leis, conceitos e princípios. Essas escolhas devem ser feitas a partir de critérios que levem em conta os processos e fenômenos científicos de maior relevância no mundo contemporâneo.
Ao escolher os objetivos formativos é imprescindível que os conhecimentos se apresentem como desafios cuja solução envolva a mobilização de recursos cognitivos. Assim, as atividades devem mobilizar várias habilidades; entre elas, o estabelecimento de conexões entre conceitos e conhecimentos tecnológicos, além do desenvolvimento do espírito de cooperação, de solidariedade e de responsabilidade. Essa escolha deve conciliar diferentes aspectos ligados à cultura escolar, tais como o contexto específico, as características e projetos pedagógicos da escola, bem como projetos e propostas do corpo docente e dos estudantes.
A programação tradicional no ensino de Ciências enfatizava os estudos dos conceitos ligados à Biologia, restando, para o estudo dos fenômenos e processos físicos e químicos, quase que exclusivamente o 9º ano, com raras situações de integração entre os componentes curriculares da área.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) traziam a indicação de agrupamento dos conteúdos nos blocos temáticos: Ambiente, Ser Humano e Saúde e Recursos Tecnológicos. Para os anos finais (Fundamental II), havia ainda o acréscimo de um quarto bloco temático: Terra e Universo. Na prática, as escolas se organizavam, na maior parte dos casos, trabalhando Terra e Universo no 6º ano, Seres Vivos no 7º ano, Corpo Humano no 8º ano e Matéria e Energia no 9º ano. Essa opção evidencia uma fragmentação conceitual que impossibilita o desenvolvimento do pensamento científico sob uma perspectiva mais integradora dos fenômenos e processos presentes no mundo natural e tecnológico em que vivemos.
Diferentemente daquela visão tradicional e fragmentada, o componente de Ciências na BNCC é organizado de forma a se buscar um ensino integrado, articulado em torno de três unidades temáticas que se repetem ano a ano: Matéria e energia, Vida e evolução, Terra e Universo.
Essa opção resultou em uma distribuição mais equilibrada dos conteúdos tradicionais do componente curricular, que passam a ser trabalhados em todos os anos do Ensino Fundamental. Muda assim a concepção de ensino, que o documento propõe em espiral, com os eixos se repetindo em todos os anos, em uma progressão das habilidades propostas e do tratamento de cada eixo. Os conceitos são gradativamente construídos, tornam-se mais complexos, as inter- relações conceituais são mais e mais favorecidas, o que resulta em maior integração entre as unidades temáticas. Isso fica claro quando determinados temas aparecem nos três eixos, como, por exemplo, no 7º ano. Nesse ano, em Matéria e energia, podemos destacar a seguinte habilidade:
(EF07CI05) Discutir o uso de diferentes tipos de combustível e máquinas térmicas ao longo do tempo, para avaliar avanços, questões econômicas e problemas socioambientais causados pela produção e uso desses materiais e máquinas. (BRASIL, 2017, p. 347)
Por outro lado, em Vida e evolução, temos:
(EF07CI08) Avaliar como os impactos provocados por catástrofes naturais ou mudanças nos componentes físicos, biológicos ou sociais de um ecossistema afetam suas populações, podendo ameaçar ou provocar a extinção de espécies, alteração de hábitos, migração, etc. (BRASIL, 2017, p. 347)
Enquanto isso, em Terra e Universo, encontramos:
(EF07CI13) Descrever o mecanismo natural do efeito estufa, seu papel fundamental para o desenvolvimento da vida na Terra, discutir as ações humanas responsáveis pelo seu aumento artificial (queima dos combustíveis fósseis, desmatamento, queimadas etc.) e selecionar e implementar propostas para a reversão ou controle desse quadro. (BRASIL, 2017, p. 347)
Pode-se perceber que essas três habilidades, integrantes de eixos temáticos diferentes, conversam entre si e devem ser objeto de construção de atividades e ou planos de aulas que busquem estabelecer relações conceituais, tendo como ponto central a reflexão e análise crítica sobre a utilização de determinados tipos de combustíveis e formas de exploração ambiental.
Um exemplo de atividade que pode ser desenvolvida é o estudo e a análise crítica do rompimento da barragem de rejeitos de Brumadinho, ocorrida em janeiro de 2019, que abriu a discussão sobre prós e contras do tipo de barragem utilizada. É possível propor também uma pesquisa sobre quais os tipos de rejeitos estão sendo depositados na barragem e, por fim, analisar os impactos (ambiental, social, econômico, psicológico, etc.) desse rompimento na região devastada e em seus moradores.
Ao desenvolver esse tipo de abordagem, saímos da pura valorização do conteúdo pelo conteúdo, passando a promover um estudo reflexivo, em que o conteúdo ganha importância em função de sua relevância para o entendimento das relações estabelecidas entre as diversas variáveis que constituem o fenômeno em questão; esse tipo de abordagem promove a análise crítica da situação e a projeção de eventuais ações para compreender e intervir no ambiente, como indicado na BNCC.
Para melhor compreensão do documento, vale a pena fazer uma análise longitudinal dos objetos de conhecimento indicados no documento oficial. Vale, porém, lembrar que a Base não é currículo, o que significa que as redes escolares têm autonomia para acrescentar objetos de conhecimento e habilidades que julgarem necessários, adequando à cultura local.
Não deixe de conferir o restante do artigo em nossa próxima publicação.
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