Luis Henrique Martins Vasquinho
BNCC e ensino de Educação Física - Parte I
Muitas mudanças acompanham esta nova fase da Educação, que chega com o estabelecimento da Base Nacional Comum Curricular. Para a Educação Física, as mudanças foram bastante importantes, pois foram definidos conteúdos e objetivos de modo mais específico para os segmentos e para os anos. Foi proposta uma sistematização dos conteúdos, foram indicadas as competências específicas da disciplina e sugeridas dimensões do conhecimento que antes eram pouco valorizadas.
Essas mudanças sinalizam importante e bem-vinda mudança de paradigma sobre a Educação Física na escola, porém essa mudança só ocorrerá se nós, professores, nos empenharmos em promovê-la. Este é o momento! Um momento em que o desafio e a oportunidade caminham em paralelo.
Este texto apresenta as principais mudanças no ensino da Educação Física que a Base Nacional Comum Curricular propõe. Poderíamos discorrer sobre os aspectos técnicos apontados no documento, como a estruturação dos conteúdos e objetivos em unidades temáticas, objetos de conhecimento e habilidades, sobre as competências gerais e específicas propostas para a disciplina, sobre a divisão por áreas de conhecimento, que insere a Educação Física na área de linguagens, ou sobre a distribuição dos conteúdos em biênios e triênios. Porém, como todas essas informações constam no documento de modo claro, acreditamos que dialogar um pouco sobre as mudanças na Educação e mais especificamente da Educação Física que a BNCC propõe possibilitariam reflexões sobre a atuação dos professores que julgamos importantes nesse momento.
Desde os anos 1980, acadêmicos têm se envolvido em discussões que possibilitaram reflexões importantes sobre o papel da Educação Física na escola. Dessas discussões surgiram diferentes abordagens desse componente, cada uma com um enfoque próprio. Tais discussões, por um lado, provocaram mudanças em modelos anteriormente praticados que não atendiam mais às necessidades da educação escolar, mas, por outro, não promoveram consenso sobre pontos importantes, como, por exemplo, qual seria o objeto de estudo da Educação Física na escola ou quais conhecimentos devem ser sistematizados.
Um dos papéis importantes que a BNCC cumpre é a possibilidade de integração das abordagens. Para isso é necessária uma compreensão atenta sobre o que o documento apresenta em termos gerais e, mais especificamente, sobre a Educação Física.
Iniciaremos com uma reflexão sobre as recentes mudanças na Educação, que vêm acontecendo há tempos no mundo e em casos pontuais no Brasil. A BNCC propõe que essas mudanças sejam feitas em larga escala, atingindo todas as escolas brasileiras.
Primeiramente, pensemos sobre a evolução da função social da escola. Inicialmente a escola se definia como instituição responsável pela transmissão dos conhecimentos necessários para que os estudantes, ao final do percurso escolar, pudessem atuar na sociedade. Nessa lógica, cada componente curricular procurava ensinar o máximo de conteúdos possível, visto que essa seria a única oportunidade de se transmitir conhecimentos considerados fundamentais para que os alunos atuassem na sociedade em sua vida adulta. O resultado, como todos sabem, foi a proposição de currículos extensos e superficiais. Aprendia-se muito, mas com pouca profundidade.
Hoje a informação está facilmente acessível e circula intensamente. Conceitos mudam da noite para o dia, surgem novas profissões que exigem conhecimentos novos num ritmo que a escola não consegue acompanhar. Nessa perspectiva, não faz mais sentido a escola se apoiar apenas na transmissão de uma grande quantidade de conteúdos. A escola deve ensinar os alunos a buscar, selecionar, produzir e utilizar conhecimentos reconhecendo que isso lhes dá a oportunidade de modificar a sua realidade e a realidade dos outros de forma ética e socialmente responsável.
Esse é o princípio do modelo por competências proposto pela BNCC. Nela são sugeridas as aprendizagens essenciais, traduzidas nas habilidades, que atuariam em conjunto para o desenvolvimento das competências. Esse ponto é central: as competências propõem uma mudança estrutural no foco da aprendizagem. A Base também propõe uma mudança nas dimensões intelectuais, físicas, afetivas, sociais e culturais, promovendo a equidade, o respeito às diferenças, sustentando que todos têm capacidade de aprender.
Os conteúdos são importantes ferramentas de desenvolvimento de competências, mas deve-se ter claro que aprender conteúdos não significa desenvolver competências. Vamos dar um exemplo: algumas habilidades da Educação Física propõem que os alunos experimentem as práticas corporais respeitando as diferenças de desempenho. Um aluno pode considerar que diferenças pessoais de desempenho durante a realização de uma atividade podem “atrapalhar” a atividade. Desenvolver a empatia por outro aluno que tenha um desempenho inferior ao dele, incluí-lo e apoiá-lo na prática integram as preocupações da Base que considera esses valores fundamentais para a construção de uma sociedade mais equânime. É preciso, então, propor momentos de compartilhamento de sensações, diálogos, reflexões e práticas que levem os alunos a desenvolver a empatia.
Mas, na prática, como isso funciona? Uma das propostas importantes na BNCC é a definição das aprendizagens essenciais, que nela aparecem como habilidades. Uma habilidade é dividida em três componentes:
• Processo cognitivo: verbos (um ou mais) explicitam os processos cognitivos envolvidos na habilidade.
(EF67EF03) Experimentar e fruir esportes de marca, precisão, invasão e técnico-combinatórios, valorizando o trabalho coletivo e o protagonismo. (BRASIL, 2017, p. 233)
• Objeto de conhecimento: são complementos (um ou mais) dos verbos, que explicitam os objetos de conhecimento mobilizados na habilidade.
(EF67EF03) Experimentar e fruir esportes de marca, precisão, invasão e técnico-combinatórios, valorizando o trabalho coletivo e o protagonismo. (BRASIL, 2017, p. 233)
• Modificadores: explicitam o contexto e/ou uma maior especificação da aprendizagem esperada.
(EF67EF03) Experimentar e fruir esportes de marca, precisão, invasão e técnico-combinatórios, valorizando o trabalho coletivo e o protagonismo. (BRASIL, 2017, p. 233)
As habilidades propostas devem servir de base para a elaboração do currículo das escolas. Os professores podem e devem desenvolver habilidades a partir das que estão propostas na BNCC em três lógicas: aprofundamento, complementação e contextualização. Vamos dar um exemplo do trabalho com as habilidades a ser desenvolvido pelo professor. Primeiro, deve-se ter claro o que a habilidade propõe. Para isso, utilizaremos como modelo uma habilidade do 6º ano:
(EF67EF01) Experimentar e fruir, na escola e fora dela, jogos eletrônicos diversos, valorizando e respeitando os sentidos e significados atribuídos a eles por diferentes grupos sociais e etários. (BRASIL, 2017, p. 233)
Agora vamos analisar essa habilidade verificando o seu significado, ou seja, as aprendizagens que ela propõe.
Experimentar jogos eletrônicos significa se apropriar de aprendizagens que só podem ser acessadas pela experiência corporal, ou seja, devem ser efetivamente vivenciadas. O fruir alude ao aluno poder desfrutar da realização de uma determinada prática corporal ou apreciá-la quando realizada por outros. Jogos eletrônicos são os que se utilizam de tecnologia e podem ser jogados em celulares, tablets, computadores pessoais ou em equipamentos criados para esse uso, chamados de consoles. Valorizar e respeitar sentidos e significados atribuídos a eles por diferentes grupos sociais e etários significa compreender que os jogos eletrônicos são potencialmente aderentes em termos comportamentais e que as pessoas se utilizam dessas práticas para fim educacional, profissional ou de divertimento.
Após a compreensão do significado da habilidade, deve-se propor a criação de novas habilidades numa lógica de contextualização, aprofundamento e complementação. O aprofundamento e contextualização podem considerar cinco dimensões, presentes nas descrições de diversas habilidades da BNCC.
Estruturas do corpo
Propõe aprendizagens que permitam ao aluno reconhecer que o corpo humano é estruturado para realizar movimentos, bem como as alterações que ocorrem nas estruturas durante as práticas corporais e outros movimentos que realizamos em nosso dia a dia. Aborda aspectos musculoesqueléticos, fisiológicos, biomecânicos e neuromusculares do movimento humano.
Habilidades motoras
Propõem aprendizagens sobre as habilidades motoras, que são movimentos que aprendemos, incorporamos ao nosso acervo motor e que podem ser aprimorados com a prática.
Capacidades físicas
Capacidades físicas são características que nossos movimentos apresentam e que podem ser aprimoradas tanto para saúde como para desempenho esportivo, como, por exemplo, força muscular, flexibilidade, equilíbrio, ritmo, tempo de reação, coordenação motora, entre outras.
Relação com o ambiente físico
Aprendizagens sobre os movimentos que se realizam em diversos ambientes físicos, o que inclui relacionar os movimentos realizados nos espaços como areia, grama, terra, espaços amplos, espaços restritos, espaços naturais, espaços urbanos, dias quentes, dias frios, numa relação de adaptação, interação e transformação.
Relação com o ambiente social e a cultura
Essa dimensão propõe aprendizagens acerca das práticas corporais em aspectos culturais, sociológicos e antropológicos. A proposição de novas habilidades possibilitará dar sentido ao currículo de acordo com a realidade local. Uma vez desenvolvidas essas habilidades, os professores devem relacioná-las às competências gerais: mais uma vez, não basta aprender algo, é preciso desenvolver as competências.
No próximo artigo, discutiremos sobre como a Educação Física foi estruturada na BNCC.
Essas mudanças sinalizam importante e bem-vinda mudança de paradigma sobre a Educação Física na escola, porém essa mudança só ocorrerá se nós, professores, nos empenharmos em promovê-la. Este é o momento! Um momento em que o desafio e a oportunidade caminham em paralelo.
Este texto apresenta as principais mudanças no ensino da Educação Física que a Base Nacional Comum Curricular propõe. Poderíamos discorrer sobre os aspectos técnicos apontados no documento, como a estruturação dos conteúdos e objetivos em unidades temáticas, objetos de conhecimento e habilidades, sobre as competências gerais e específicas propostas para a disciplina, sobre a divisão por áreas de conhecimento, que insere a Educação Física na área de linguagens, ou sobre a distribuição dos conteúdos em biênios e triênios. Porém, como todas essas informações constam no documento de modo claro, acreditamos que dialogar um pouco sobre as mudanças na Educação e mais especificamente da Educação Física que a BNCC propõe possibilitariam reflexões sobre a atuação dos professores que julgamos importantes nesse momento.
Desde os anos 1980, acadêmicos têm se envolvido em discussões que possibilitaram reflexões importantes sobre o papel da Educação Física na escola. Dessas discussões surgiram diferentes abordagens desse componente, cada uma com um enfoque próprio. Tais discussões, por um lado, provocaram mudanças em modelos anteriormente praticados que não atendiam mais às necessidades da educação escolar, mas, por outro, não promoveram consenso sobre pontos importantes, como, por exemplo, qual seria o objeto de estudo da Educação Física na escola ou quais conhecimentos devem ser sistematizados.
Um dos papéis importantes que a BNCC cumpre é a possibilidade de integração das abordagens. Para isso é necessária uma compreensão atenta sobre o que o documento apresenta em termos gerais e, mais especificamente, sobre a Educação Física.
Iniciaremos com uma reflexão sobre as recentes mudanças na Educação, que vêm acontecendo há tempos no mundo e em casos pontuais no Brasil. A BNCC propõe que essas mudanças sejam feitas em larga escala, atingindo todas as escolas brasileiras.
Primeiramente, pensemos sobre a evolução da função social da escola. Inicialmente a escola se definia como instituição responsável pela transmissão dos conhecimentos necessários para que os estudantes, ao final do percurso escolar, pudessem atuar na sociedade. Nessa lógica, cada componente curricular procurava ensinar o máximo de conteúdos possível, visto que essa seria a única oportunidade de se transmitir conhecimentos considerados fundamentais para que os alunos atuassem na sociedade em sua vida adulta. O resultado, como todos sabem, foi a proposição de currículos extensos e superficiais. Aprendia-se muito, mas com pouca profundidade.
Hoje a informação está facilmente acessível e circula intensamente. Conceitos mudam da noite para o dia, surgem novas profissões que exigem conhecimentos novos num ritmo que a escola não consegue acompanhar. Nessa perspectiva, não faz mais sentido a escola se apoiar apenas na transmissão de uma grande quantidade de conteúdos. A escola deve ensinar os alunos a buscar, selecionar, produzir e utilizar conhecimentos reconhecendo que isso lhes dá a oportunidade de modificar a sua realidade e a realidade dos outros de forma ética e socialmente responsável.
Esse é o princípio do modelo por competências proposto pela BNCC. Nela são sugeridas as aprendizagens essenciais, traduzidas nas habilidades, que atuariam em conjunto para o desenvolvimento das competências. Esse ponto é central: as competências propõem uma mudança estrutural no foco da aprendizagem. A Base também propõe uma mudança nas dimensões intelectuais, físicas, afetivas, sociais e culturais, promovendo a equidade, o respeito às diferenças, sustentando que todos têm capacidade de aprender.
Os conteúdos são importantes ferramentas de desenvolvimento de competências, mas deve-se ter claro que aprender conteúdos não significa desenvolver competências. Vamos dar um exemplo: algumas habilidades da Educação Física propõem que os alunos experimentem as práticas corporais respeitando as diferenças de desempenho. Um aluno pode considerar que diferenças pessoais de desempenho durante a realização de uma atividade podem “atrapalhar” a atividade. Desenvolver a empatia por outro aluno que tenha um desempenho inferior ao dele, incluí-lo e apoiá-lo na prática integram as preocupações da Base que considera esses valores fundamentais para a construção de uma sociedade mais equânime. É preciso, então, propor momentos de compartilhamento de sensações, diálogos, reflexões e práticas que levem os alunos a desenvolver a empatia.
Mas, na prática, como isso funciona? Uma das propostas importantes na BNCC é a definição das aprendizagens essenciais, que nela aparecem como habilidades. Uma habilidade é dividida em três componentes:
• Processo cognitivo: verbos (um ou mais) explicitam os processos cognitivos envolvidos na habilidade.
(EF67EF03) Experimentar e fruir esportes de marca, precisão, invasão e técnico-combinatórios, valorizando o trabalho coletivo e o protagonismo. (BRASIL, 2017, p. 233)
• Objeto de conhecimento: são complementos (um ou mais) dos verbos, que explicitam os objetos de conhecimento mobilizados na habilidade.
(EF67EF03) Experimentar e fruir esportes de marca, precisão, invasão e técnico-combinatórios, valorizando o trabalho coletivo e o protagonismo. (BRASIL, 2017, p. 233)
• Modificadores: explicitam o contexto e/ou uma maior especificação da aprendizagem esperada.
(EF67EF03) Experimentar e fruir esportes de marca, precisão, invasão e técnico-combinatórios, valorizando o trabalho coletivo e o protagonismo. (BRASIL, 2017, p. 233)
As habilidades propostas devem servir de base para a elaboração do currículo das escolas. Os professores podem e devem desenvolver habilidades a partir das que estão propostas na BNCC em três lógicas: aprofundamento, complementação e contextualização. Vamos dar um exemplo do trabalho com as habilidades a ser desenvolvido pelo professor. Primeiro, deve-se ter claro o que a habilidade propõe. Para isso, utilizaremos como modelo uma habilidade do 6º ano:
(EF67EF01) Experimentar e fruir, na escola e fora dela, jogos eletrônicos diversos, valorizando e respeitando os sentidos e significados atribuídos a eles por diferentes grupos sociais e etários. (BRASIL, 2017, p. 233)
Agora vamos analisar essa habilidade verificando o seu significado, ou seja, as aprendizagens que ela propõe.
Experimentar jogos eletrônicos significa se apropriar de aprendizagens que só podem ser acessadas pela experiência corporal, ou seja, devem ser efetivamente vivenciadas. O fruir alude ao aluno poder desfrutar da realização de uma determinada prática corporal ou apreciá-la quando realizada por outros. Jogos eletrônicos são os que se utilizam de tecnologia e podem ser jogados em celulares, tablets, computadores pessoais ou em equipamentos criados para esse uso, chamados de consoles. Valorizar e respeitar sentidos e significados atribuídos a eles por diferentes grupos sociais e etários significa compreender que os jogos eletrônicos são potencialmente aderentes em termos comportamentais e que as pessoas se utilizam dessas práticas para fim educacional, profissional ou de divertimento.
Após a compreensão do significado da habilidade, deve-se propor a criação de novas habilidades numa lógica de contextualização, aprofundamento e complementação. O aprofundamento e contextualização podem considerar cinco dimensões, presentes nas descrições de diversas habilidades da BNCC.
Estruturas do corpo
Propõe aprendizagens que permitam ao aluno reconhecer que o corpo humano é estruturado para realizar movimentos, bem como as alterações que ocorrem nas estruturas durante as práticas corporais e outros movimentos que realizamos em nosso dia a dia. Aborda aspectos musculoesqueléticos, fisiológicos, biomecânicos e neuromusculares do movimento humano.
Habilidades motoras
Propõem aprendizagens sobre as habilidades motoras, que são movimentos que aprendemos, incorporamos ao nosso acervo motor e que podem ser aprimorados com a prática.
Capacidades físicas
Capacidades físicas são características que nossos movimentos apresentam e que podem ser aprimoradas tanto para saúde como para desempenho esportivo, como, por exemplo, força muscular, flexibilidade, equilíbrio, ritmo, tempo de reação, coordenação motora, entre outras.
Relação com o ambiente físico
Aprendizagens sobre os movimentos que se realizam em diversos ambientes físicos, o que inclui relacionar os movimentos realizados nos espaços como areia, grama, terra, espaços amplos, espaços restritos, espaços naturais, espaços urbanos, dias quentes, dias frios, numa relação de adaptação, interação e transformação.
Relação com o ambiente social e a cultura
Essa dimensão propõe aprendizagens acerca das práticas corporais em aspectos culturais, sociológicos e antropológicos. A proposição de novas habilidades possibilitará dar sentido ao currículo de acordo com a realidade local. Uma vez desenvolvidas essas habilidades, os professores devem relacioná-las às competências gerais: mais uma vez, não basta aprender algo, é preciso desenvolver as competências.
No próximo artigo, discutiremos sobre como a Educação Física foi estruturada na BNCC.
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