Luis Henrique Martins Vasquinho
BNCC e ensino de Educação Física - Parte II
Não deixe de conferir a primeira parte do artigo BNCC e ensino de Educação Física.
Estrutura da Educação Física na BNCC
A BNCC foi organizada em unidades temáticas, objetos de conhecimento e habilidades. Para o Ensino Fundamental foi proposto o seguinte formato:
Observe que as unidades temáticas estão dispostas em biênios e triênios. Os objetos de conhecimento e habilidades também estão divididos desse modo. Observe que as unidades temáticas se repetem em todos anos. Ao elaborar o seu currículo, o professor precisa se lembrar de contemplar todas em cada ano, acrescentando, no 8º e 9º anos, Práticas corporais de aventura. Apesar de a BNCC propor alguns critérios de progressão para o trabalho com cada unidade temática, uma análise mais detalhada mostra que, de acordo com a realidade da escola, nem sempre é possível adotar esses critérios. Por exemplo: na BNCC, as unidades temáticas de brincadeiras e jogos, danças e lutas estão organizadas em objetos de conhecimento conforme a ocorrência social dessas práticas corporais, das esferas sociais mais familiares (localidade e região) às menos familiares (esferas nacional e mundial). Observe na tabela abaixo o percurso da unidade temática “brincadeiras e jogos” ao longo do Ensino Fundamental:
Se uma escola está inserida numa comunidade quilombola ou indígena, o mais familiar aos alunos são as brincadeiras e jogos de matriz indígena e africana; portanto, para essa realidade, esse deveria ser o objeto de conhecimento do 1º e 2º ano e não do 3º ao 5º. Nessa lógica proposta pela BNCC, os alunos iriam aprender sobre brincadeiras e jogos de matriz indígena e africana durante os cinco anos iniciais do Ensino Fundamental. Outro ponto questionável é a presença dos jogos eletrônicos como objeto de conhecimento no 6º e 7º ano. Considerando os critérios de progressão da BNCC, de acordo com a realidade local, os jogos eletrônicos são mais familiares aos alunos do que, por exemplo, jogos de matriz africana ou indígena.
Um dos desafios impostos por essa configuração é o de organizar as habilidades no currículo de modo que contemplem os biênios e que ao mesmo tempo façam sentido para a realidade local.
Mudanças importantes
Uma análise superficial da BNCC leva a uma visão equivocada de que os alunos, nas aulas de Educação Física, irão aprender a jogar, brincar, dançar, lutar, praticar um esporte ou a ginástica. Consideramos importantíssimo que os alunos experimentem essas práticas corporais, que constituem aprendizagens na lógica do saber fazer. Entretanto, apenas realizar práticas corporais não contempla o desenvolvimento das habilidades propostas pela BNCC. Os alunos devem aprender sobre o jogar, aprender sobre o lutar, aprender sobre o dançar, dando sentido às experimentações que realizam. Essa perspectiva alinha a Educação Física aos objetivos da escola como um local de aquisição de conhecimentos específicos, que não podem ser aprendidos em outros locais.
Nessa lógica, a BNCC propõe, para a Educação Física, que se privilegiem as oito dimensões do conhecimento, distribuídas conforme esquema abaixo:
OBJETIVOS
CONCEITUAIS
SABER SOBRE
Reflexão sobre a ação
Análise
Compreensão
PROCEDIMENTAIS
SABER FAZER
Experimentação
Uso e apropriação
Fruição
ATITUDINAIS
SABER SER E CONVIVER
Construção de valores
Protagonismo comunitário
DIMENSÕES DO CONHECIMENTO DA EDUCAÇÃO FÍSICA
As dimensões do conhecimento propõem aprendizagens na perspectiva do saber sobre, que corresponde a aprendizagens conceituais sobre as práticas corporais; o saber fazer, que se refere a aprendizagens de procedimento; e o saber ser e conviver, que se refere a aprendizagens de atitudes e valores.
A Educação Física esteve, durante muito tempo, associada a dimensão do saber fazer. É comum ouvirmos as pessoas relatarem que fizeram Educação Física e estudaram Matemática, Português e outras disciplinas. Isso ocorre porque as pessoas não reconhecem o saber fazer como um conhecimento e muito menos um conhecimento a ser valorizado na escola. Podemos atribuir isso a dois motivos: (1) as pessoas têm dificuldade de compreender que o movimento ou o “fazer” é um conhecimento e (2) nós, professores de Educação Física, temos dificuldade em explicar que o “fazer” é um conhecimento. Em geral, a resposta envereda para aspectos atitudinais, como socialização, respeito, saber ganhar e perder, etc. Aspectos atitudinais são muito importantes, mas não são específicos da Educação Física. Essa questão há muito vem sendo discutida na Educação e na Educação Física e o modelo de aprendizado por competências nos auxilia nessa discussão. Vamos utilizar um exemplo clássico: andar de bicicleta. Se pedirmos para alguém que sabe andar de bicicleta que explique como o faz, a resposta talvez não seja muito diferente de “eu subo, dou impulso e saio pedalando”.
Isso significa que, para saber andar de bicicleta, não é necessário saber sobre as leis da física, o material que constitui a bicicleta ou os músculos que iremos utilizar para pedalar. Se a pessoa “sabe” andar de bicicleta é porque aprendeu e se aprendeu, esse é um conhecimento, ou seja, o próprio andar de bicicleta é um conhecimento. Esse conhecimento é muito importante para a Educação Física, que é o saber fazer. É um tipo de conhecimento que só se adquire fazendo. Atribui-se uma tarefa aos alunos que irão, a partir das suas possibilidades, tentar resolvê-la. À medida que a experimentam várias vezes e de diversas maneiras, adquirem aprendizagens sobre o saber fazer. Porém, essas aprendizagens só ficarão claras para os alunos se for feita uma reflexão sobre o que fizeram, o que muitas vezes não ocorre durante as aulas. Portanto, o aluno não reconhece que o fazer é um conhecimento e relata que não aprendeu ou estudou algo, apenas fez.
Na BNCC, esse conhecimento é valorizado não só na Educação Física, mas em todos os componentes curriculares. Não basta somente conhecer algo. É preciso saber utilizar esse conhecimento.
Conforme dissemos, a oportunidade e o desafio se apresentam para a Educação Física. A oportunidade se manifesta na valorização da disciplina e do professor de Educação Física na escola, na medida em que propõe conteúdos e aprendizagens essenciais obrigatórias e dimensões de conhecimento, antes pouco valorizadas pela área. O desafio para os professores se manifesta (1) na necessidade de estudo para que ele se aproprie dos termos utilizados na BNCC e proponha momentos de reflexão, registro e avaliação que contemplem as dimensões do conhecimento da área; (2) na necessidade de uma reflexão sobre o papel que a disciplina assume na escola a partir da definição dos conteúdos e das competências que se quer desenvolver nos alunos; e (3) na dedicação, por parte dos professores, para inserir esses novos conhecimentos em suas aulas e, desse modo, contribuir para o desenvolvimento integral dos alunos.
Estrutura da Educação Física na BNCC
A BNCC foi organizada em unidades temáticas, objetos de conhecimento e habilidades. Para o Ensino Fundamental foi proposto o seguinte formato:
Observe que as unidades temáticas estão dispostas em biênios e triênios. Os objetos de conhecimento e habilidades também estão divididos desse modo. Observe que as unidades temáticas se repetem em todos anos. Ao elaborar o seu currículo, o professor precisa se lembrar de contemplar todas em cada ano, acrescentando, no 8º e 9º anos, Práticas corporais de aventura. Apesar de a BNCC propor alguns critérios de progressão para o trabalho com cada unidade temática, uma análise mais detalhada mostra que, de acordo com a realidade da escola, nem sempre é possível adotar esses critérios. Por exemplo: na BNCC, as unidades temáticas de brincadeiras e jogos, danças e lutas estão organizadas em objetos de conhecimento conforme a ocorrência social dessas práticas corporais, das esferas sociais mais familiares (localidade e região) às menos familiares (esferas nacional e mundial). Observe na tabela abaixo o percurso da unidade temática “brincadeiras e jogos” ao longo do Ensino Fundamental:
Se uma escola está inserida numa comunidade quilombola ou indígena, o mais familiar aos alunos são as brincadeiras e jogos de matriz indígena e africana; portanto, para essa realidade, esse deveria ser o objeto de conhecimento do 1º e 2º ano e não do 3º ao 5º. Nessa lógica proposta pela BNCC, os alunos iriam aprender sobre brincadeiras e jogos de matriz indígena e africana durante os cinco anos iniciais do Ensino Fundamental. Outro ponto questionável é a presença dos jogos eletrônicos como objeto de conhecimento no 6º e 7º ano. Considerando os critérios de progressão da BNCC, de acordo com a realidade local, os jogos eletrônicos são mais familiares aos alunos do que, por exemplo, jogos de matriz africana ou indígena.
Um dos desafios impostos por essa configuração é o de organizar as habilidades no currículo de modo que contemplem os biênios e que ao mesmo tempo façam sentido para a realidade local.
Mudanças importantes
Uma análise superficial da BNCC leva a uma visão equivocada de que os alunos, nas aulas de Educação Física, irão aprender a jogar, brincar, dançar, lutar, praticar um esporte ou a ginástica. Consideramos importantíssimo que os alunos experimentem essas práticas corporais, que constituem aprendizagens na lógica do saber fazer. Entretanto, apenas realizar práticas corporais não contempla o desenvolvimento das habilidades propostas pela BNCC. Os alunos devem aprender sobre o jogar, aprender sobre o lutar, aprender sobre o dançar, dando sentido às experimentações que realizam. Essa perspectiva alinha a Educação Física aos objetivos da escola como um local de aquisição de conhecimentos específicos, que não podem ser aprendidos em outros locais.
Nessa lógica, a BNCC propõe, para a Educação Física, que se privilegiem as oito dimensões do conhecimento, distribuídas conforme esquema abaixo:
OBJETIVOS
CONCEITUAIS
SABER SOBRE
Reflexão sobre a ação
Análise
Compreensão
PROCEDIMENTAIS
SABER FAZER
Experimentação
Uso e apropriação
Fruição
ATITUDINAIS
SABER SER E CONVIVER
Construção de valores
Protagonismo comunitário
DIMENSÕES DO CONHECIMENTO DA EDUCAÇÃO FÍSICA
As dimensões do conhecimento propõem aprendizagens na perspectiva do saber sobre, que corresponde a aprendizagens conceituais sobre as práticas corporais; o saber fazer, que se refere a aprendizagens de procedimento; e o saber ser e conviver, que se refere a aprendizagens de atitudes e valores.
A Educação Física esteve, durante muito tempo, associada a dimensão do saber fazer. É comum ouvirmos as pessoas relatarem que fizeram Educação Física e estudaram Matemática, Português e outras disciplinas. Isso ocorre porque as pessoas não reconhecem o saber fazer como um conhecimento e muito menos um conhecimento a ser valorizado na escola. Podemos atribuir isso a dois motivos: (1) as pessoas têm dificuldade de compreender que o movimento ou o “fazer” é um conhecimento e (2) nós, professores de Educação Física, temos dificuldade em explicar que o “fazer” é um conhecimento. Em geral, a resposta envereda para aspectos atitudinais, como socialização, respeito, saber ganhar e perder, etc. Aspectos atitudinais são muito importantes, mas não são específicos da Educação Física. Essa questão há muito vem sendo discutida na Educação e na Educação Física e o modelo de aprendizado por competências nos auxilia nessa discussão. Vamos utilizar um exemplo clássico: andar de bicicleta. Se pedirmos para alguém que sabe andar de bicicleta que explique como o faz, a resposta talvez não seja muito diferente de “eu subo, dou impulso e saio pedalando”.
Isso significa que, para saber andar de bicicleta, não é necessário saber sobre as leis da física, o material que constitui a bicicleta ou os músculos que iremos utilizar para pedalar. Se a pessoa “sabe” andar de bicicleta é porque aprendeu e se aprendeu, esse é um conhecimento, ou seja, o próprio andar de bicicleta é um conhecimento. Esse conhecimento é muito importante para a Educação Física, que é o saber fazer. É um tipo de conhecimento que só se adquire fazendo. Atribui-se uma tarefa aos alunos que irão, a partir das suas possibilidades, tentar resolvê-la. À medida que a experimentam várias vezes e de diversas maneiras, adquirem aprendizagens sobre o saber fazer. Porém, essas aprendizagens só ficarão claras para os alunos se for feita uma reflexão sobre o que fizeram, o que muitas vezes não ocorre durante as aulas. Portanto, o aluno não reconhece que o fazer é um conhecimento e relata que não aprendeu ou estudou algo, apenas fez.
Na BNCC, esse conhecimento é valorizado não só na Educação Física, mas em todos os componentes curriculares. Não basta somente conhecer algo. É preciso saber utilizar esse conhecimento.
Conforme dissemos, a oportunidade e o desafio se apresentam para a Educação Física. A oportunidade se manifesta na valorização da disciplina e do professor de Educação Física na escola, na medida em que propõe conteúdos e aprendizagens essenciais obrigatórias e dimensões de conhecimento, antes pouco valorizadas pela área. O desafio para os professores se manifesta (1) na necessidade de estudo para que ele se aproprie dos termos utilizados na BNCC e proponha momentos de reflexão, registro e avaliação que contemplem as dimensões do conhecimento da área; (2) na necessidade de uma reflexão sobre o papel que a disciplina assume na escola a partir da definição dos conteúdos e das competências que se quer desenvolver nos alunos; e (3) na dedicação, por parte dos professores, para inserir esses novos conhecimentos em suas aulas e, desse modo, contribuir para o desenvolvimento integral dos alunos.
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