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BNCC e ensino de História

José Alves de Freitas Neto

 

 

BNCC e ensino de História

Com a implantação da BNCC, as escolas, os currículos, as redes e os professores passam a ter uma diretriz que assegura os direitos de aprendizagem e o desenvolvimento de todos os estudantes e define as aprendizagens essenciais em cada ano da Educação Básica. Trata-se de um princípio legal assegurado pela Constituição e pela BNCC.

Os professores de História terão a oportunidade de reivindicar espaços para desenvolver suas atividades, considerando-se a amplitude dos temas e as perspectivas apresentadas na BNCC.

Na disciplina de História, a BNCC propõe, para os anos finais do Ensino Fundamental, a contextualização, a compreensão do tempo histórico, o reconhecimento de permanências e rupturas em processos que integram múltiplas experiências e escalas como pilares do trabalho. Esses pilares fazem parte, já, do cotidiano de trabalho dos professores desse componente. O objetivo deste texto é detalhar e sugerir algumas questões que os estimulem na construção de sua proposta e seu planejamento didático.

O ensino de História entre o 6º e 9º anos procura desenvolver a observação dos estudantes a partir de diferentes situações e objetos capazes de trazer à tona dinâmicas sociais e seus processos históricos.

Pela proposta, o documento espera que os estudantes se reconheçam nas discussões apresentadas, mesmo que aparentemente aquele tema não diga respeito a seu cotidiano imediato. Por exemplo, ao lidarmos com questões relativas às culturas indígenas ou ao modo de trabalho das sociedades da época da revolução industrial, há sempre uma possibilidade de estabelecer pontes com o tempo atual.

O importante é que os estudantes desenvolvam a capacidade de reconhecer a si e ao outro como identidades diferentes; que eles possam compreender eventos no tempo e no espaço, fazendo a devida contextualização e identificar possibilidades de transformação espaciais, sociais, culturais a partir da intervenção dos seres humanos na natureza e na sociedade em que viveram e vivem.

A História é dinâmica e dialoga com nossas realidades cotidianas. Nesse sentido, a proposta da BNCC quer chamar a atenção para algumas habilidades a serem desenvolvidas na área que exigem do professor certos procedimentos e focos de atenção:

• desenvolver instrumentos de investigação, usando os conhecimentos das Ciências Humanas para interpretar e expressar sentimentos, crenças e dúvidas com relação a si mesmo, aos outros e às diferentes culturas;

• despertar a curiosidade intelectual, estimulando questões, contrapondo histórias e auxiliando no desenvolvimento da autonomia de pensamento;

• comparar e interpretar fenômenos, experiências e versões sobre eventos históricos;

• considerar a utilização de diferentes tipos de documentos (escritos, iconográficos, materiais e imateriais) capazes de facilitar a compreensão da relação tempo/espaço;

• reconhecer que os homens e mulheres agem de acordo com a época em que vivem, preservando ou transformando os hábitos e condutas adotados em diferentes épocas;

• observar o conhecimento histórico como fruto do presente, problematizando e destacando as especificidades do passado;

• destacar a produção da narrativa histórica como objeto produzido e transformado por pessoas em diferentes momentos e épocas históricas;

• estimular o pensamento crítico, a autonomia e a formação para a cidadania a partir de procedimentos que permitam identificar problemas, selecionar e interpretar explicações sobre o passado e suas conexões com o tempo presente;

• apresentar a história como um campo de saber em diálogo com a realidade dos alunos criando as condições adequadas para resgatar e diferenciar a historicidade da linguagem utilizada em cada época;

• compreender o ponto de partida de um determinado processo histórico, expor um problema e verificar e comparar as condições em que determinado evento ocorreu com base na realidade do aluno;

• comprometer-se com a construção de uma sociedade democrática, baseada no respeito ao outro, na liberdade de pensamento, na pluralidade de opiniões e na defesa da cidadania;

• posicionar-se eticamente com respeito a outras culturas e povos, aproximando histórias e valorizando a aproximação entre diferentes grupos, povos e sociedades.

Como se estrutura a BNCC para o currículo de História?

Em linhas gerais podemos dizer que os grandes temas por ano são estes:

Ensino Fundamental – Anos Finais
• Mundo antigo e medieval e seus contrapontos
• As Áfricas, Américas e Sociedades Europeias
• Mundo contemporâneo
• Brasil republicano e o século XX

Há uma clara articulação entre a chamada História Geral e a História do Brasil. Diferentemente do que tradicionalmente vinha acontecendo, a BNCC enfatiza a História mais próxima dos estudantes, ou seja, a História do Brasil.

Dessa forma, a proposta enxuga conteúdos de História Antiga e Medieval no 6º ano. Isso significa que os professores e os materiais didáticos são chamados a enfatizar pontos chaves desses períodos e, ao mesmo tempo, a fazer contrapontos com a história dos grupos indígenas nas Américas. Ou seja, mesmo antes de entrarmos na História do Brasil propriamente dita, é possível identificar conceitos centrais que herdamos das tradições clássicas na política, na cultura e nas religiões considerando, por exemplo, as práticas dos povos originários das Américas.

A partir do 7º ano o diálogo fica mais evidente: o período das navegações e as relações entre África, Américas e Europa se entrelaçam em diversos instantes. A partir deste instante, no chamado mundo Atlântico, temos uma história que é global. Isso quer dizer que fenômenos acontecidos na África ou na Europa tiveram impactos nas Américas e vice-versa. A BNCC quer que os estudantes sejam apresentados a uma história diversificada, que não tenha exclusivamente a perspectiva europeia, mas também o olhar a partir das articulações e remodelações nas sociedades coloniais, com destaque para a participação de indígenas e afrodescendentes. Quanto mais diversa for a perspectiva histórica, mais interessante a disciplina será para os estudantes e para os professores.

No 8º ano, o foco está nas revoluções e na formação dos países independentes. Ou seja, considera uma era de rupturas, de inovações técnicas e tecnológicas no mundo, de interdependência de eventos. No caso do Brasil, a história de sua independência e as tensões durante a organização do Estado, considerando a diversidade de vozes e interesses num país que, formalmente independente, preservava resquícios coloniais, como a escravidão. O grande tema é o século XIX.

No 9º ano, propõe-se a abordagem da história republicana do Brasil e do mundo no século XX. A BNCC tenta, ao deixar os temas mais atuais para o último ano, corrigir uma queixa frequente de estudantes e professores de que, por tantos processos a serem analisados, a história mais recente não tenha tempo de ser apresentada ou trabalhada. Nesse sentido, considerando-se a diversidade regional, étnica e cultural do país, a BNCC abre espaço para que o estudante, já na adolescência e formando sua visão de mundo, possa interpretar fenômenos como os totalitarismos, as lutas de descolonização na África e Ásia e as experiências ditatoriais no Brasil e na América Latina, por exemplo.

Observem, professores, que não são apenas os temas que se tornam mais complexos ou mais amplos. Há também a possibilidade de utilizar mais recursos didáticos e enriquecer a experiência do trabalho com fontes diversificadas.

Quanto mais recente a história, maior a disponibilidade de documentos e informações que podem incrementar o trabalho.

A BNCC de História é fruto de um amplo processo de discussão. Mas o amadurecimento das propostas depende do efetivo comprometimento e aperfeiçoamento das questões para que o conhecimento histórico possa ser uma operação que os estudantes incorporem como parte de sua formação, ampliando suas capacidades de observar e pensar sobre outros tempos, outras sociedades, outras pessoas e, dessa forma, ampliando os referenciais para “ler o mundo”, aprendendo a dialogar com as diferenças e cultivando respeito à pluralidade cultural, social e política que constituem o nosso próprio mundo e o nosso tempo.

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O que é a BNCC?

A BNCC é um documento de caráter normativo que tem como objetivo a promoção da equidade educacional, determinando com clareza o que todos os alunos brasileiros têm o direito de aprender, servindo de referência para os currículos de todas as redes escolares, públicas e particulares, bem como para a elaboração de materiais didáticos e para a formação de professores. É o que se pode ler neste trecho do documento:

Resolução CNE/CP nº. 2/2017
Art. 1o A presente Resolução e seu Anexo instituem a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) como documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais como direito das crianças, jovens e adultos no âmbito da Educação Básica escolar, e orientam sua implementação pelos sistemas de ensino das diferentes instâncias federativas, bem como pelas instituições ou redes escolares.

Aprendizagens essenciais são definidas como conhecimentos, habilidades, atitudes, valores e a capacidade de os mobilizar, articular e integrar, expressando-se em competências; também são definidas como direito de pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. Nesse sentido, as competências são definidas como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores, para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho.

Os fundamentos pedagógicos da BNCC

Foco no desenvolvimento de competências

Por meio da indicação clara do que os alunos devem “saber” (considerando a constituição de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores) e, sobretudo, do que devem “saber fazer” (considerando a mobilização de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho), a explicitação das competências oferece referências para o fortalecimento de ações que assegurem as aprendizagens essenciais definidas na BNCC. Indicando os conhecimentos, habilidades, atitudes e valores que os alunos devem desenvolver (saber) e a mobilização desses conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida e do mundo do trabalho, bem como do exercício da cidadania (saber fazer), as competências explicitadas na Base servem de referência para garantia das aprendizagens essenciais que todos os estudantes brasileiros devem desenvolver.

O compromisso com a educação integral

A sociedade contemporânea exige uma Educação de caráter integral envolvendo no processo educativo: o que aprender, para que aprender, como ensinar, como promover redes de aprendizagem colaborativa e como avaliar o aprendizado. Assim, a BNCC reafirma que a Educação Básica deve visar a uma formação humana global, incluindo as dimensões cognitivas e socioemocionais, promovendo aprendizagens sintonizadas com as necessidades, possibilidades e desafios das diferentes infâncias e juventudes e seu potencial de criar novas formas de lidar com as demandas da sociedade contemporânea.

[...] a BNCC propõe a superação da fragmentação radicalmente disciplinar do conhecimento, o estímulo à sua aplicação na vida real, a importância do contexto para dar sentido ao que se aprende e o protagonismo do estudante em sua aprendizagem e na construção de seu projeto de vida. (BRASIL, 2017, p. 15)

As competências gerais

As 10 Competências Gerais da BNCC aparecem no texto introdutório e transpassam as competências e habilidades específicas de todas as áreas e componentes. Juntas, elas condensam a essência do que se deseja para a formação dos alunos. Por isso, elas devem orientar a reelaboração dos currículos, sendo trabalhadas durante todas as etapas da Educação Básica.

De certa forma, as dez competências gerais podem ser agrupadas à luz dos quatro pilares da Educação ao longo da vida propostos por Delors (1996): aprender a ser, aprender a conhecer, aprender a fazer e aprender a conviver.

As competências relacionadas ao aprender a ser estão associadas às competências gerais da Base, que indicam a necessidade do estudante se conhecer e reconhecer suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas, agindo pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, a fim de tomar decisões, com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.

O pilar aprender a conhecer pode ser desenvolvido por meio das competências que expressam a valorização e utilização de conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade e continuar aprendendo; pelo exercício da curiosidade intelectual e pela abordagem própria das Ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade; e pelo desenvolvimento de senso estético para reconhecer, valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais.

As competências associadas ao pilar do aprender a fazer podem ser desenvolvidas por tudo o que propõe o uso de diferentes linguagens para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos, além da compreensão e utilização e criação de tecnologias digitais de informação e comunicação para produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.

Aprender a conviver é o pilar associado às competências que tratam da valorização da diversidade de saberes e vivências culturais; da argumentação com base em fatos, dados e informações confiáveis para defender ideias, pontos de vista e decisões comuns com posicionamento ético em relação ao cuidado consigo mesmo, com os outros e com o planeta; além do exercício da empatia, do diálogo e da busca pela resolução de conflitos de forma harmônica, com respeito ao outro, acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, sem preconceitos de qualquer natureza.

Como pode ser observado, a Base indica uma forma de desenvolvimento de competências coerente com as exigências da sociedade em que vivemos.

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BNCC e o Ensino Fundamental - Anos Finais

As principais mudanças para os anos finais com a BNCC.

Costuma-se dizer que a etapa mais desafiadora da Educação Básica em nosso país é o Ensino Médio, em função dos baixos índices de aprendizagem e de abandono escolar. Mas, se olharmos com um pouco mais de atenção, veremos que esse desafio, na verdade, começa nos anos finais do Ensino Fundamental. A Tabela 1 mostra, com base nas últimas três avaliações da Prova Brasil, que o Brasil vem tendo uma leve melhora em Língua Portuguesa, mas que ainda estamos muito aquém da meta para 2024, que seria chegar a 70% dos alunos com aprendizado adequado; e em Matemática a situação é de fato muito grave. Nesse caso, estamos literalmente estagnados e num patamar muito baixo. Ou seja, em 2017, de cada 100 alunos que concluíram o 9º ano do Ensino Fundamental, apenas 34 aprenderam o que seria esperado em Língua Portuguesa; em Matemática esse número cai para 15!

Tabela 1. Percentual de alunos com aprendizado adequado em Língua Portuguesa e em Matemática no 9º ano do Ensino Fundamental, com base nos dados da Prova Brasil, nos anos de 2013, 2015 e 2017.
tabela

Outra questão ainda desafiadora, além do aprendizado, é a reprovação e o abandono escolar. Com base no Censo Escolar de 2015, 1.779.134 alunos foram reprovados e abandonaram os anos finais do Ensino Fundamental. Se levarmos em conta que o aluno dos anos finais do Ensino Fundamental, com base nos cálculos de custo-aluno do Inep, custa R$ 6.271,00, isso significa que o país perdeu 11,2 bilhões de reais devido à reprovação e ao abandono escolar nessa etapa da Educação Básica!

Para mudar esse quadro de baixa proficiência e de baixo rendimento escolar foi elaborada a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que traz as aprendizagens essenciais que todo o aluno precisa saber ao longo de cada ano da Educação Básica. Isso já está norteando os novos currículos escolares em todo o Brasil. Isso vai, naturalmente, impactar na formação do professor e nas avaliações nacionais.

Analisando a BNCC do Ensino Fundamental – Anos Finais

Ao longo do Ensino Fundamental – Anos Finais, o adolescente passa por transformações importantes, tanto no ambiente escolar — na transição do 5º ano dos anos iniciais do EF para o 6º ano dos anos finais do EF, quando deixa de ter um professor generalista e passa a contar com o professor especialista —, como no plano pessoal, no que se refere ao seu desenvolvimento físico, emocional e social, sem falar quanto a sua capacidade cognitiva e a sua rotina dentro e fora da escola. Por isso, é fundamental que, nessa etapa, a abordagem pedagógica se volte cada vez mais ao estímulo da autonomia e do protagonismo dos estudantes, preparando-os para o ingresso no Ensino Médio. Não é à toa que a BNCC traz dez competências gerais na perspectiva de promover o desenvolvimento pleno dos estudantes, em conformidade com o artigo 205 da Constituição Federal.

Nos anos finais do Ensino Fundamental, a BNCC está organizada por áreas de conhecimento e seus respectivos componentes curriculares, para os quais, por sua vez, estão previstas competências específicas articuladas às dez competências gerais. Uma novidade foi a inclusão da língua inglesa como componente curricular obrigatório. As principais mudanças nos anos finais do Ensino Fundamental podem ser agrupadas em três grandes eixos: tecnologia e cultura digital, protagonismo juvenil e projeto de vida.

Tecnologia e cultura digital

Para essa etapa da Educação Básica podemos considerar a tecnologia e a cultura digital como uma estratégia de criar conexões com os adolescentes das novas gerações. A cultura digital está explicitamente colocada na BNCC na competência geral 5 — “Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva”. No documento da BNCC é ainda explicitado que é importante que a instituição escolar preserve seu compromisso de estimular a reflexão e a análise aprofundada e contribuir para o desenvolvimento, no estudante, de uma atitude crítica em relação ao conteúdo e à multiplicidade de ofertas midiáticas e digitais. Contudo, também é imprescindível que a escola compreenda e incorpore as novas linguagens e seus modos de funcionamento, desvendando possibilidades de comunicação.

Protagonismo juvenil

Espera-se que a escola proporcione um ambiente no qual o adolescente desenvolva cada vez mais a sua autonomia, tanto no que se refere à administração dos seus próprios estudos quanto à sua atuação em sociedade na perspectiva de construir o seu projeto de vida. O protagonismo está fortemente evidenciado na competência 10 — “Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários”. No caso dessa competência destacam-se: a incorporação de direitos e responsabilidades, a tomada de decisões, a ponderação sobre consequências, a análise e incorporação de valores próprios, postura ética, a participação social e liderança, solução de problemas ambíguos e complexos.

Projeto de Vida (PV)

Esse tema será determinante para as escolhas a serem feitas no Ensino Médio. Por isso é fundamental já iniciá-la nos anos finais do Ensino Fundamental. O PV é um processo de planejamento no qual indivíduos buscam o autoconhecimento e estabelecem estratégias para alcançar seus objetivos. No ambiente escolar, o projeto de vida é um componente curricular transversal que estimula adolescentes e jovens a buscar significado em múltiplas dimensões (profissional, social, física, emocional), motiva-os a aprender ao longo da vida, bem como os auxilia a tomar decisões, resolver problemas e lidar com situações inesperadas. Entre as práticas pedagógicas que procuram desenvolver o projeto de vida dos alunos estão sessões de tutoria individual, oficinas de design focadas na empatia, oferta de um currículo flexível e voltado para o mundo real.

Uma educação integral

Independentemente da duração da jornada escolar, o conceito de educação integral com o qual a BNCC está comprometida se refere à construção intencional de processos educativos que promovam aprendizagens sintonizadas com as necessidades, as possibilidades e os interesses dos alunos e, também, com os desafios da sociedade contemporânea, de modo a formar pessoas autônomas, capazes de se servir dessas aprendizagens em suas vidas. A concepção de educação integral tem como propósito maior a formação de estudantes para a autonomia, de forma que eles possam tomar decisões fundamentadas a partir do que são e do que desejam para as suas vidas, considerando seu desenvolvimento pleno. A formação para a autonomia compreende o desenvolvimento intencional de um conjunto de competências cognitivas e socioemocionais, tais como: autoconhecimento, colaboração, comunicação, criatividade, pensamento crítico, entre outras.

Além disso, um conjunto de metodologias integradoras são incorporadas no processo ensino-aprendizagem, tais como educação por projetos, aprendizagem colaborativa, multiletramentos e sala de aula invertida. O grande desafio agora é a formação de professores, tema que está na agenda do Conselho Nacional de Educação num trabalho colaborativo com o Ministério da Educação.






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BNCC e ensino de Língua Portuguesa - Parte I

O mundo mudou. Qualquer informação pode ser obtida com apenas um clique. Precisa saber como trocar um filtro de água? Busque um tutorial. Quer escolher um livro para ler na viagem? Acesse um booktuber. Está em dúvida sobre que roupa usar em uma festa de casamento? Experimente digitar #festadecasamento no Instagram. Quer discordar de um trailer que o levou ao cinema para assistir a um filme ruim? Produza um trailer honesto. Todos são capazes de curtir, multiplicar e redesenhar um texto já publicado a todo momento. Isso tudo porque há uma explosão de novas linguagens. A Internet não só tornou a comunicação mais rápida, como também facilitou o surgimento de diferentes formatos de textos e novos gêneros.

A BNCC considera esse panorama e, em suas propostas, prevê aulas de Língua Portuguesa mais vivas, mais comprometidas com o mundo ao redor. Isso significa trazer para a sala o que os alunos já produzem, mas, muitas vezes, sem reflexão, sem consistência. Basta compreender, por exemplo, que, quando os estudantes compartilham imagens de um atentado, podem estar incentivando um discurso de ódio, assunto apontado na primeira habilidade de 6º a 9º ano, no campo jornalístico-midiático:

(EF69LP01) Diferenciar liberdade de expressão de discursos de ódio, posicionando-se contrariamente a esse tipo de discurso e vislumbrando possibilidades de denúncia quando for o caso. (BRASIL, 2017, p. 141)

A BNCC traz mudanças e novidades. Por isso, traz preocupações. Para buscar esclarecer o que se propõe na Base, é preciso discorrer sobre três pontos: primeiro, retomar os conceitos já apresentados desde os Parâmetros Curriculares Nacionais e que sustentarão o trabalho apresentado pelo documento; em seguida, conhecer as categoriais que a organizam para, por fim, compreender as novas habilidades e competências ali previstas e que foram pensadas para estabelecer sintonia com a vida contemporânea.

Logo na apresentação do componente curricular é retomada a perspectiva enunciativo-discursiva que desde os PCN já se afirmava como lente teórica para os estudos do texto, dos contextos em que são produzidos e para o desenvolvimento de habilidades significativas nas práticas de leitura, escuta e produção. Mas aqui também é preciso dar um salto. Afinal, mesmo com o trabalho a partir de gêneros textuais já consolidado, em geral as escolhas predominantes recaem nos da esfera literária, como contos, fábulas, poemas, trechos de romances, narrativas de ficção científica, lendas, etc., ou se estende a gêneros da esfera jornalística, como notícia, reportagem, artigos de opinião. E mais: em geral o trabalho limita-se à camada da estrutura, sem que se considerem o contexto, as condições de produção, as particularidades discursivas de cada esfera. O que aconteceu em salas de aula foi uma troca dos conteúdos de língua para os conteúdos do gênero e, portanto, caracterizá-lo tornou-se quase obrigatório. A cobrança das ‘características’ da fábula, por exemplo, em muitos casos acaba sendo feita sem que o contexto de produção ou de leitura, as intencionalidades e os pontos de vista – que também existem nesse gênero – sejam trabalhados. O trabalho com o gênero foi limitado às suas especificidades estruturais e temáticas, sem que fosse abordado o estilo, entendido, na teoria dos gêneros, como as escolhas de linguagem feitas em função da intencionalidade, da posição que aquele que escreve ou fala quer marcar em relação ao que fala e ao seu interlocutor.

É comum ouvir preocupações quanto à não definição, na BNCC, de quais gêneros devem ser trabalhados em cada ano. Há sugestões, algumas que se repetem em anos diferentes, e até sugestões diversas de gêneros digitais, alguns pouco conhecidos. Com isso, a Base mostra que a seleção conta com muitas possibilidades mas o importante é o trabalho a ser desenvolvido: as habilidades de leitura e produção devem considerar o contexto, as intencionalidades e como as escolhas de linguagem colaboram para cumpri-las, e não mais apenas a estrutura do gênero, como se houvesse um tipo de receita para cada um.

A BNCC reforça, também, a necessidade de se trabalhar as práticas de linguagem, desde as que já costumam se desenvolvidas em sala de aula até as mais contemporâneas, situadas em contextos específicos. Essa decisão aponta para um trabalho que amplia o letramento, isto é, a capacidade de participar de situações diversas de leitura, de escuta e de produção de maneira situada na realidade. Assim, espera-se que os textos sejam discutidos, avaliados, replicados, enfim, compreendidos. Isso representa trazer o texto para a vida, mais especificamente para os contextos vividos, de forma crítica e reflexiva. Nesse sentido, a BNCC organiza as práticas de linguagem (leitura, produção de textos escritos e orais e análise linguística/semiótica) nos campos de atuação, ou seja, nas situações de vida social, nos contextos significativos. Serão quatro os campos considerados para os anos finais e, em cada um deles, todos os eixos devem ser trabalhados.

Ao situar os gêneros nos campos de atuação, a Base marca a ideia de que os textos não nascem ao acaso, mas são produzidos por um sujeito situado social e historicamente, como agente das relações sociais que ele é, que se apropria de modelos experimentados para ser capaz de produzir e compreender seus textos na situação em que está inserido.

Desse modo, a Base dá ênfase ao plano dialógico, em que os alunos conhecem o ‘como dizer’ de um texto em determinado contexto, tornando-se autorizado a ‘dizê-lo’, já que conhece e segue os acordos da situação vivida. Assim, para que o aluno possa participar da vida social, é preciso que conheça, por exemplo, os gêneros do campo da vida pública: “estatuto, regimento, projeto cultural, carta aberta, carta de solicitação, carta de reclamação, abaixo-assinado, petição on-line, requerimento, turno de fala em assembleia, tomada de turno em reuniões, edital, proposta, ata, parecer, enquete, relatório etc.” (BRASIL, 2017, p. 147), e não só os de literatura. Essa posição esclarece um mito muito comum na Educação: os alunos não fazem a transposição das habilidades de leitura de um gênero para a de outro gênero; por exemplo, o trabalho de leitura do gênero conto não garante as habilidades de leitura de um editorial, pois as habilidades necessárias para leitura desses gêneros serão diferentes.

É importante reiterar que, a partir dos campos apresentados e descritos na Base, é possível perceber que se quer um trabalho voltado a práticas diversas. Afinal, trabalho com regimentos ou estatutos não era comum em escolas nem existiam, por exemplo, sequências de atividades com GIFs ou trailers honestos. Considerando essa realidade, é preciso trabalhar, além dos novos gêneros, novas formas de produção, de compartilhamento, de configuração, de interação. Isso porque se antes o aluno escrevia para o professor, hoje, como sujeito social, ele pode publicar posts em qualquer rede social, editar áudios, criar uma playlist, gravar um podcast, reeditar um filme, etc. Em todas essas práticas, ele estará em meio a textos, mergulhados em situações específicas de linguagem e precisa, como sujeito inserido na vida social, considerar as dimensões ética, estética e política de seu papel de produtor de sentidos.

A ideia de que é possível produzir qualquer texto, postar e multiplicá-lo passará por outro ponto fundamental à base: o processo de curadoria. Será assegurado ao aluno um trabalho reflexivo mostrando que ele não pode postar/compartilhar tudo, mas que precisa considerar critérios de seleção do que é adequado, bom, verdadeiro, desenvolvendo, assim, outra habilidade cara à base:

(EF09LP01) Analisar o fenômeno da disseminação de notícias falsas nas redes sociais e desenvolver estratégias para reconhecê-las, a partir da verificação/avaliação do veículo, fonte, data e local de publicação, autoria, URL, da análise da formatação, da comparação de diferentes fontes, da consulta a sites de curadoria que atestam a fidedignidade do relato dos fatos e denunciam boatos etc. (BRASIL, 2017, p. 177)

Essa habilidade retrata a demanda que se coloca para as escolas: trabalhar de forma crítica as novas práticas de linguagem. É importante ressaltar, no entanto, que em momento algum se defende no documento a ideia de abandono das práticas consagradas. O que se impõe é o desenvolvimento de novas habilidades e o trabalho com outros gêneros: a Base traz, por exemplo, a ideia de que compreender um conto é tão importante quanto compreender uma palestra, um meme ou um GIF. O documento argumenta que as escolas precisam desenvolver habilidades pensadas para o mundo contemporâneo e promover a leitura de gêneros que façam parte da vida da criança e do jovem de hoje. A intenção do trabalho de Língua Portuguesa é desenvolver um aluno crítico, capaz de usar novas linguagens por meio de ações de remix, de transformação, de mesclagem, criando outras linguagens, desenvolvendo a criação. É desenvolver um aluno que aprende a aprender.

Para esse desenvolvimento, mais uma vez, a BNCC traz uma questão importante: é preciso visitar o culto e o marginal, a cultura literária e a cultura das massas, as culturas infantis e as juvenis. Em outras palavras, a escola não pode mais se fechar em si mesma, em uma bolha de textos que não dialogam com o mundo. Ainda nesse sentido, mesmo que as práticas sejam as mesmas já desenvolvidas na escola desde sempre — leitura, produção, análise linguística —, é preciso ressaltar que os estudos devam ocorrer em práticas de reflexão, que permitam aos estudantes o desenvolvimento de habilidades contextualizadas. É mister, portanto, que o papel transmissivo do professor seja revisto. Afinal, muitos conhecimentos serão compartilhados. Espera-se que, a partir do conhecimento específico do professor dialogado com os conhecimentos trazidos pelos alunos, sejam desenvolvidas habilidades e competências para os dois grupos.

Não perca a segunda parte do artigo BNCC e ensino de Língua Portuguesa.

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