Katia Stocco Smole
BNCC e ensino de Matemática - Parte I
A homologação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental em 2017 pôs fim a uma espera de aproximadamente 30 anos para que o Brasil definisse o que espera que seus alunos aprendam em cada uma dessas etapas. Isso porque, desde que a Constituição Federal de 1988 foi finalizada, em seu artigo 210, já havia a previsão de uma Base para a Educação Básica – aí incluídas as etapas de que trata este Caderno.
A chegada da BNCC se constituiu em uma conquista importante para a elaboração de currículo, a formação de professores, a organização de avaliações diversas e de livros didáticos visando à equidade da aprendizagem dos alunos em todas as áreas do conhecimento e componentes curriculares (disciplinas). Não se trata de uniformizar o que os alunos aprenderão, mas sim de criar um documento normativo que possa auxiliar a que os alunos tenham seus direitos de aprendizagem garantidos em qualquer escola na qual realizarem seus estudos.
Experiências internacionais, em países que já alcançaram a qualidade e a equidade na Educação Básica, indicam que a clareza daquilo que se espera que os alunos aprendam ao longo da escola, em cada ano e em cada um dos componentes curriculares (disciplinas) que se estuda na escola, auxiliaram e muito nessa conquista. Como as expectativas de aprendizagem estão contidas na BNCC, a aposta é que, sabendo para onde se vai, de fato se chegue lá. Essa expectativa é especialmente alta na Matemática dos anos finais do Ensino Fundamental. Nessa disciplina, 70% dos alunos que finalizam o 9º ano apresentam aprendizagem insuficiente segundo dados do SAEB 2017 .
A Matemática e as inovações para o Ensino Fundamental – Anos Finais
Dentre tudo que podemos destacar de inovação no que diz respeito à Matemática, destacamos três aspectos importantes: a meta de fazer com que a escola atue pelo letramento matemático como uma competência a ser desenvolvida pelos alunos ao longo da escolaridade básica, a alteração das áreas temáticas bem como seus focos específicos nos anos finais do Ensino Fundamental, e as implicações que ambas podem trazer para a sala de aula. Vejamos.
Na BNCC, a Matemática tem uma peculiaridade: ela é simultaneamente área de conhecimento e disciplina. Assim, para Matemática há um conjunto de competências esperadas que os alunos desenvolvam ao longo de sua trajetória escolar, bem como, a descrição das habilidades previstas. 4 Isso tudo está organizado separadamente em três grandes blocos: um texto introdutório da área/disciplina, uma descrição das áreas temáticas (anteriormente nomeadas de eixos ou campos) e, finalmente, as tabelas de conceitos e habilidades por ano.
No texto introdutório, o aspecto mais relevante está no compromisso assumido com o desenvolvimento integral do estudante. De fato, há um posicionamento de que a Matemática escolar esteja a serviço do letramento matemático,
definido como as competências e habilidades de raciocinar, representar, comunicar e argumentar matematicamente, de modo a favorecer o estabelecimento de conjecturas, a formulação e a resolução de problemas em uma variedade de contextos, utilizando conceitos, procedimentos, fatos e ferramentas matemáticas. É também o letramento matemático que assegura aos alunos reconhecer que os conhecimentos matemáticos são fundamentais para a compreensão e a atuação no mundo e perceber o caráter de jogo intelectual da matemática, como aspecto que favorece o desenvolvimento do raciocínio lógico e crítico, estimula a investigação e pode ser prazeroso (fruição). (BRASIL, 2017, p. 266)
A resolução de problemas, a formação do leitor e do escritor em Matemática, o desenvolvimento da capacidade de argumentar e justificar raciocínios são alguns aspectos diretamente relacionados ao letramento matemático que fazem com que a Matemática tenha valor a vida toda. Merece atenção especial ainda a ênfase na investigação, no desenvolvimento de projetos e na modelagem matemática, atividades associadas à resolução de problemas, todas voltadas ao letramento matemático e ao desenvolvimento integral do aluno.
A valorização do letramento matemático e dos processos matemáticos mencionados anteriormente, trazem a primeira implicação para o ensino que você vai desenvolver em suas aulas, ainda que a Base não trate de metodologia. De fato, se há um desejo de que os alunos resolvam problemas, argumentem, aprendam a ler, escrever e falar Matemática, então a aula deve estar pautada por atividades desafiadoras, problematizadoras, que favoreçam o trabalho em grupo, a articulação de pontos de vista e, também, ações de ler, escrever, representar pensamentos e conclusões. Esse é o ponto que merece toda a sua atenção, uma vez que desenvolver competências ou habilidades não se faz pelo conteúdo, mas pela metodologia.
É preciso uma mudança de cultura significativa nas suas aulas. Não se trata mais de primeiro ensinar ou se apresentar o conteúdo para depois aplicá-lo, mas de planejar aulas de investigação e de resolução de situações mais complexas que exigem do aluno mobilização e ação. Enquanto os estudantes apenas veem você resolvendo problemas eles não se tornam “resolvedores de problemas”; se eles não têm oportunidades para investigar uma regularidade, formular suas hipóteses e confrontá-las, sejam elas certas ou não, não desenvolvem habilidades de análise e tomada de decisão, que fazem parte do desenvolvimento integral previsto nas dez competências gerais e nas competências da área de Matemática. Isso ultrapassa muito a ideia de que saber Matemática é apenas dominar o conteúdo.
A forma das aulas, com práticas mais ativas e colaborativas, com muito espaço para o erro e a comunicação de ideias e estratégias de ação, é que permite o desenvolvimento de competências e a aquisição de habilidades. E, para isso, é preciso planejar, ter repertório de recursos e estratégias de ensino para além da aula expositiva; é preciso também conhecer como o aluno aprende e como ele pode ser movido em direção ao conhecimento.
Em suma, a BNCC exige o desenvolvimento profissional dos professores e não apenas o desenvolvimento dos estudantes. Será cada vez mais relevante que você assuma a formação do leitor e do escritor também nas aulas de Matemática e que, ao planejá-las, já preveja que os alunos necessitam se engajar em atividade que sejam possíveis, mas exijam esforço e defesa de pontos de vista para que a argumentação, o raciocínio e as representações sejam priorizadas.
Um segundo ponto de inovação trazido pela Base em Matemática está nas áreas temáticas, cujo desenvolvimento, como previsto no texto que apresenta cada uma delas, deve ser integrado. Se nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) tínhamos quatro grandes blocos/eixos/campos, agora temos cinco áreas temáticas: quatro mantidas dos PCN com alguma modificação de nome e outra introduzida pela Base. Assim estão nomeadas as áreas temáticas: Números (incluindo todos os campos numéricos e as operações); Grandezas e medidas; Geometria (antes Espaço e Forma); Probabilidade e Estatística (antes Tratamento da Informação); Álgebra, que aparece desde os anos iniciais.
As aprendizagens esperadas em cada uma dessas áreas, na etapa do Ensino Fundamental, estão organizadas ano a ano garantindo a progressão de complexidade e aprendizagem entre as etapas.
A progressão em Matemática na BNCC precisa ser compreendida em dois sentidos: no mais imediato, temos a progressão da aprendizagem dos conceitos, isto é, espera-se que aquilo que o aluno aprenda em um eixo temático em um ano seja mais simples do que aquilo que ele aprenderá no ano seguinte; um segundo sentido de progressão, mais sutil do que o primeiro, se dá na inter-relação entre as aprendizagens dos conceitos nas diferentes áreas temáticas e o tempo para que isso ocorra. Por isso, um mesmo conceito pode ser explorado ao longo de anos consecutivos (como é o caso das frações e decimais que se iniciam no 4º ano e se prolongam até o 7º ano), ou ainda de modo interligado, como acontece com o estudo dos números reais em relação que é explorado conjuntamente com medidas.
Outro ponto ainda relativo às habilidades que merece destaque é que elas correspondem aos direitos de aprendizagem dos alunos. Podemos ensinar mais, mas não podemos ensinar menos. No entanto, qualquer inserção precisa ser pensada no sentido da progressão que explicitamos aqui. Cabe considerar que a BNCC traz aprendizagens essenciais a todos, e não detalhamentos desnecessários para o ensino e a aprendizagem de Matemática.
Finalmente, há que se dizer que a BNCC não será implementada ano a ano começando pela Educação Infantil. Ela passa a ser implementada a partir de 2019 para toda a Educação Básica até o 9º ano e, a partir de 2020, no Ensino Médio. Como as habilidades traduzem exigentes expectativas, é possível que haja um desencaixe entre aquilo que seus alunos sabem e o que a BNCC prevê que eles aprendam em um ano. Isso poderá exigir algum alinhamento temporário até que toda a transição esteja realizada.
No próximo artigo, vamos falar abordar as mudanças nas áreas temáticas, fique de olho.
A chegada da BNCC se constituiu em uma conquista importante para a elaboração de currículo, a formação de professores, a organização de avaliações diversas e de livros didáticos visando à equidade da aprendizagem dos alunos em todas as áreas do conhecimento e componentes curriculares (disciplinas). Não se trata de uniformizar o que os alunos aprenderão, mas sim de criar um documento normativo que possa auxiliar a que os alunos tenham seus direitos de aprendizagem garantidos em qualquer escola na qual realizarem seus estudos.
Experiências internacionais, em países que já alcançaram a qualidade e a equidade na Educação Básica, indicam que a clareza daquilo que se espera que os alunos aprendam ao longo da escola, em cada ano e em cada um dos componentes curriculares (disciplinas) que se estuda na escola, auxiliaram e muito nessa conquista. Como as expectativas de aprendizagem estão contidas na BNCC, a aposta é que, sabendo para onde se vai, de fato se chegue lá. Essa expectativa é especialmente alta na Matemática dos anos finais do Ensino Fundamental. Nessa disciplina, 70% dos alunos que finalizam o 9º ano apresentam aprendizagem insuficiente segundo dados do SAEB 2017 .
A Matemática e as inovações para o Ensino Fundamental – Anos Finais
Dentre tudo que podemos destacar de inovação no que diz respeito à Matemática, destacamos três aspectos importantes: a meta de fazer com que a escola atue pelo letramento matemático como uma competência a ser desenvolvida pelos alunos ao longo da escolaridade básica, a alteração das áreas temáticas bem como seus focos específicos nos anos finais do Ensino Fundamental, e as implicações que ambas podem trazer para a sala de aula. Vejamos.
Na BNCC, a Matemática tem uma peculiaridade: ela é simultaneamente área de conhecimento e disciplina. Assim, para Matemática há um conjunto de competências esperadas que os alunos desenvolvam ao longo de sua trajetória escolar, bem como, a descrição das habilidades previstas. 4 Isso tudo está organizado separadamente em três grandes blocos: um texto introdutório da área/disciplina, uma descrição das áreas temáticas (anteriormente nomeadas de eixos ou campos) e, finalmente, as tabelas de conceitos e habilidades por ano.
No texto introdutório, o aspecto mais relevante está no compromisso assumido com o desenvolvimento integral do estudante. De fato, há um posicionamento de que a Matemática escolar esteja a serviço do letramento matemático,
definido como as competências e habilidades de raciocinar, representar, comunicar e argumentar matematicamente, de modo a favorecer o estabelecimento de conjecturas, a formulação e a resolução de problemas em uma variedade de contextos, utilizando conceitos, procedimentos, fatos e ferramentas matemáticas. É também o letramento matemático que assegura aos alunos reconhecer que os conhecimentos matemáticos são fundamentais para a compreensão e a atuação no mundo e perceber o caráter de jogo intelectual da matemática, como aspecto que favorece o desenvolvimento do raciocínio lógico e crítico, estimula a investigação e pode ser prazeroso (fruição). (BRASIL, 2017, p. 266)
A resolução de problemas, a formação do leitor e do escritor em Matemática, o desenvolvimento da capacidade de argumentar e justificar raciocínios são alguns aspectos diretamente relacionados ao letramento matemático que fazem com que a Matemática tenha valor a vida toda. Merece atenção especial ainda a ênfase na investigação, no desenvolvimento de projetos e na modelagem matemática, atividades associadas à resolução de problemas, todas voltadas ao letramento matemático e ao desenvolvimento integral do aluno.
A valorização do letramento matemático e dos processos matemáticos mencionados anteriormente, trazem a primeira implicação para o ensino que você vai desenvolver em suas aulas, ainda que a Base não trate de metodologia. De fato, se há um desejo de que os alunos resolvam problemas, argumentem, aprendam a ler, escrever e falar Matemática, então a aula deve estar pautada por atividades desafiadoras, problematizadoras, que favoreçam o trabalho em grupo, a articulação de pontos de vista e, também, ações de ler, escrever, representar pensamentos e conclusões. Esse é o ponto que merece toda a sua atenção, uma vez que desenvolver competências ou habilidades não se faz pelo conteúdo, mas pela metodologia.
É preciso uma mudança de cultura significativa nas suas aulas. Não se trata mais de primeiro ensinar ou se apresentar o conteúdo para depois aplicá-lo, mas de planejar aulas de investigação e de resolução de situações mais complexas que exigem do aluno mobilização e ação. Enquanto os estudantes apenas veem você resolvendo problemas eles não se tornam “resolvedores de problemas”; se eles não têm oportunidades para investigar uma regularidade, formular suas hipóteses e confrontá-las, sejam elas certas ou não, não desenvolvem habilidades de análise e tomada de decisão, que fazem parte do desenvolvimento integral previsto nas dez competências gerais e nas competências da área de Matemática. Isso ultrapassa muito a ideia de que saber Matemática é apenas dominar o conteúdo.
A forma das aulas, com práticas mais ativas e colaborativas, com muito espaço para o erro e a comunicação de ideias e estratégias de ação, é que permite o desenvolvimento de competências e a aquisição de habilidades. E, para isso, é preciso planejar, ter repertório de recursos e estratégias de ensino para além da aula expositiva; é preciso também conhecer como o aluno aprende e como ele pode ser movido em direção ao conhecimento.
Em suma, a BNCC exige o desenvolvimento profissional dos professores e não apenas o desenvolvimento dos estudantes. Será cada vez mais relevante que você assuma a formação do leitor e do escritor também nas aulas de Matemática e que, ao planejá-las, já preveja que os alunos necessitam se engajar em atividade que sejam possíveis, mas exijam esforço e defesa de pontos de vista para que a argumentação, o raciocínio e as representações sejam priorizadas.
Um segundo ponto de inovação trazido pela Base em Matemática está nas áreas temáticas, cujo desenvolvimento, como previsto no texto que apresenta cada uma delas, deve ser integrado. Se nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) tínhamos quatro grandes blocos/eixos/campos, agora temos cinco áreas temáticas: quatro mantidas dos PCN com alguma modificação de nome e outra introduzida pela Base. Assim estão nomeadas as áreas temáticas: Números (incluindo todos os campos numéricos e as operações); Grandezas e medidas; Geometria (antes Espaço e Forma); Probabilidade e Estatística (antes Tratamento da Informação); Álgebra, que aparece desde os anos iniciais.
As aprendizagens esperadas em cada uma dessas áreas, na etapa do Ensino Fundamental, estão organizadas ano a ano garantindo a progressão de complexidade e aprendizagem entre as etapas.
A progressão em Matemática na BNCC precisa ser compreendida em dois sentidos: no mais imediato, temos a progressão da aprendizagem dos conceitos, isto é, espera-se que aquilo que o aluno aprenda em um eixo temático em um ano seja mais simples do que aquilo que ele aprenderá no ano seguinte; um segundo sentido de progressão, mais sutil do que o primeiro, se dá na inter-relação entre as aprendizagens dos conceitos nas diferentes áreas temáticas e o tempo para que isso ocorra. Por isso, um mesmo conceito pode ser explorado ao longo de anos consecutivos (como é o caso das frações e decimais que se iniciam no 4º ano e se prolongam até o 7º ano), ou ainda de modo interligado, como acontece com o estudo dos números reais em relação que é explorado conjuntamente com medidas.
Outro ponto ainda relativo às habilidades que merece destaque é que elas correspondem aos direitos de aprendizagem dos alunos. Podemos ensinar mais, mas não podemos ensinar menos. No entanto, qualquer inserção precisa ser pensada no sentido da progressão que explicitamos aqui. Cabe considerar que a BNCC traz aprendizagens essenciais a todos, e não detalhamentos desnecessários para o ensino e a aprendizagem de Matemática.
Finalmente, há que se dizer que a BNCC não será implementada ano a ano começando pela Educação Infantil. Ela passa a ser implementada a partir de 2019 para toda a Educação Básica até o 9º ano e, a partir de 2020, no Ensino Médio. Como as habilidades traduzem exigentes expectativas, é possível que haja um desencaixe entre aquilo que seus alunos sabem e o que a BNCC prevê que eles aprendam em um ano. Isso poderá exigir algum alinhamento temporário até que toda a transição esteja realizada.
No próximo artigo, vamos falar abordar as mudanças nas áreas temáticas, fique de olho.
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