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BNCC e ensino religioso - Parte I

Antonio Boeing

 

 

BNCC e ensino religioso - Parte I

O ser humano é o resultado do seu processo educativo. Sua identidade expressa, em boa medida, o que foi possível assimilar de suas relações de aprendizagem e ensino no mundo.

Na dinâmica das relações com outras pessoas, com a natureza e consigo mesmo, é preciso considerar a dimensão espiritual. Nesse sentido, a dimensão religiosa é essencial na formação do ser humano e no desenvolvimento das culturas e se manifesta de forma plural. Por isso, é um avanço o fato de a BNCC contemplar a dimensão religiosa nos processos educativos, pois, além de ser inerente à vida humana e social, deve ser estudada como uma área de conhecimento, que é o Ensino Religioso, indo além do que já havia apontado a Constituição de 1988, no artigo 210, e na LDB de 1996, no artigo 33. A BNCC entende que o Ensino Religioso deve promover um processo de conhecimento pautado em princípios dialógicos, éticos e colaborativos na construção da cidadania e da qualidade de vida planetária. Essa conquista na legislação brasileira, que assegura o Ensino Religioso como parte integrante da formação básica do cidadão, foi obtida a partir do envolvimento de diferentes setores da sociedade. A BNCC oficializa essa área como importante para formação do cidadão, além de apontar caminhos possíveis para a sua concretização. Reconhece, assim, que a educação integral do cidadão não pode desconsiderar a dimensão de abertura do ser humano à transcendência, nem a importância fundamental do fenômeno religioso presente em todos os tempos e lugares da humanidade.

Viabilizar a proposta da BNCC em relação ao conhecimento do campo religioso só será possível dentro de um projeto pedagógico que possibilite lidar com o fenômeno religioso dentro da multiplicidade. Educar nessa perspectiva exige qualificação e aponta a necessidade de um profissional de Educação sensível à pluralidade e consciente da complexidade sociocultural da questão religiosa, e que garanta a liberdade do educando, sem proselitismo e/ou doutrinação.

Considerando a importância do Ensino Religioso na BNCC, que aponta como “objeto o Conhecimento Religioso, produzido no âmbito das diferentes áreas do conhecimento científico das Ciências Humanas e Sociais, notadamente da(s) Ciência(s) da(s) Religião(ões)” e os avanços, desafios e oportunidades que ela propõe, este texto busca auxiliar na reflexão e aqui destaca: o Ensino Religioso como área do conhecimento; o lugar da dimensão religiosa na humanidade; a multiplicidade de expressões religiosas; a cientificidade do Ensino Religioso; e, as competências e habilidades centradas no diálogo permanente.

O Ensino Religioso como área do conhecimento

A dimensão religiosa na história da humanidade sempre ocupou lugar de destaque na organização da vida das pessoas e das sociedades, determinando em grande parte uma dada cosmovisão e as ações individuais e coletivas. Com o avanço das ciências modernas, muitos pensadores sistematizaram suas concepções afirmando que a religião estaria no fim, que as ciências resolveriam todas as questões do ser humano. Mas isto não se verificou, pelo contrário: hoje, multiplicam-se as expressões religiosas, pois cada avanço científico traz novos desafios e questões para o ser humano se situar no mundo e dar sentido à vida.

Dada a importância desse fenômeno que se manifesta na busca de sentido para vida num algo a mais além do cotidiano, o Ensino Religioso se coloca como espaço para o estudo do Transcendente, Sagrado, Divino, respeitando a pluralidade de cada contexto sociocultural. A BNCC, quando assume a relevância do estudo do conhecimento religioso sistematizado historicamente, reconhece que ele não pode ser negado às novas gerações, mas ser socializado tendo como meta significar e dar sentido às diferentes dimensões da vida.

É nessa perspectiva que se coloca a questão do Ensino Religioso, como também o reconhecimento de que a religião é um fenômeno universal e multiforme. Não há lugar nem cultura que não tenha suas expressões religiosas. A BNCC, ao reconhecer essa realidade, relativiza as experiências que se propunham absolutas e universais; reconhece a alteridade e a potencialidade de cada cultura, evitando a dominação, a imposição; reconhece que a dimensão religiosa é tão importante, quanto a dimensão biológica, psicológica, social. Esta atitude opõe resistência à ideia de fragmentação do ser humano, entendendo-o como corpo e espírito, na sua integridade.

Infelizmente, ainda presenciamos muitas situações de violência de âmbito mundial devido à intolerância religiosa, com expressões fundamentalistas e sectárias que comprometem a dignidade humana. Diante dessa realidade, o Ensino Religioso, como aponta a BNCC, visa oferecer referenciais que contribuam efetivamente na construção do ser integral, despertando crianças, adolescentes e jovens, para que na vivência cotidiana aprendam a atuar na sociedade e exercer a cidadania com uma consciência e uma prática de vida voltada para a construção de uma cultura de paz.

O lugar da dimensão religiosa na humanidade

O reconhecimento da BNCC de que a dimensão religiosa é parte integrante da história da humanidade é um avanço muito importante para criar relações saudáveis. A BNCC, ao destacar que as práticas religiosas têm suas razões de existir e que nascem a partir das perguntas que o ser humano faz para situar-se dentro do contexto histórico, abre caminhos para o diálogo e o crescimento coletivo. As religiões, no geral, procuram dar sentido ao presente, explicar a origem de todas as coisas e direcionar a vida futura do ser humano. É a tentativa de responder às questões: de onde vim? o que estou fazendo aqui? para onde vou?

Mesmo tendo como ponto de partida estas questões, a base essencial das religiões é dar sentido à existência humana no presente. Por isso o estudo desse componente contribui na construção da realidade e no direcionamento da vida individual e coletiva.

Como aponta a BNCC, verifica-se na história e nos contextos atuais a existência de diversas concepções religiosas, sejam elas monoteístas, politeístas, fundamentadas em mitos, revelações proféticas, escrituras sagradas ou nas tradições orais. Religiões com expressões otimistas e outras pessimistas em relação à vida humana. Há o nascimento de religiões, desenvolvimento de umas e morte de outras. Há, ainda, contato entre as religiões, num dinamismo de substituição, modificação, transformação, continuidade, aceitação e desprezo de uma em relação à outra. Mas, é importante considerar que só captamos a experiência do outro dentro das nossas possibilidades e limites. Isto é, somos condicionados pela visão que possuímos e pelos instrumentais que utilizamos para ver e analisar o outro. É preciso também observar quem nos fala de sua experiência e tomar uma distância metodológica, conscientes de que não há neutralidade absoluta.

Com base na compreensão do ser humano, é possível observar que a religião é originalmente o apelo ou o acontecimento do divino, do sagrado, de Deus ao ser humano e a resposta do ser humano a esse apelo. Assim, a religião é uma grandeza viva, resultante do jogo entre apelo e resposta. Como bem aponta a BNCC, o acontecimento do Sagrado na sua manifestação finita não pode ser separado do ser humano ao qual ele se revela. Esta unidade bilateral pode ser considerada um diálogo, no qual os dois lados se encontram sem conhecer de antemão o resultado. Trata-se de um diálogo misterioso entre a “imanência e a transcendência”. O ser religioso entende que o Sagrado fala, da sua parte, em modos e símbolos variáveis, e o humano, por sua parte, responde de muitas maneiras. Sem esta participação de ambos não se dá o fenômeno chamado religião. É preciso também considerar que sem o processo de normatização a experiência desaparece com os seus protagonistas. Só sobreviverá se ela se estruturar, isto é, institucionalizar. Por outro lado, corre o risco de negar a experiência fundante, por criar estruturas que nada ou pouco têm a ver com a tradição originária.

Além das dimensões biológica, psicológica e social, o ser humano é um ser aberto à transcendência, como aponta a BNCC ao fundamentar o Ensino Religioso como área importante nos processos escolares. Transcendência é a capacidade e o desejo do ser humano de ir além dos limites, sair do estado atual em busca de algo novo. Assim, não é possível que os processos educativos, dentre eles a escola, como afirma a BNCC, desconsiderem esta dimensão, pois é preciso criar condições para que os alunos desenvolvam e aprimorem a sua abertura à transcendência. Reconhecer a dimensão transcendental do ser humano é considerá-lo na sua totalidade e complexidade.

Nesse processo, o Ensino Religioso, segundo a BNCC, tem uma grande contribuição a dar no sentido de auxiliar os alunos a enfrentarem as questões que estão no cerne da vida, despertando e desenvolvendo a religiosidade presente em cada um, e auxiliando-os na descoberta de critérios éticos de discernimento crítico frente à própria experiência, para assumirem uma atitude dialógica e de reverência no processo de aproximação e de relação com as diferentes expressões religiosas.

A multiplicidade de expressões religiosas

Ao considerar que as religiões são construção humana, produzida historicamente, é possível perceber que elas estão permeadas pelas características e pela visão de cada contexto e sociedade. Sendo assim, como afirma a BNCC, as religiões procuram situar o ser humano e oferecer uma orientação que permita a cada um dar sentido às múltiplas interações da vida a partir de valores, normas, regras e princípios. A atribuição de sentido à existência por meio da religião manifesta-se socialmente dentro da diversidade e originalidade de cada contexto.

Dada a complexidade das manifestações religiosas, nem sempre é fácil compreender as razões do fascínio de seus adeptos. São muitas as tentativas de explicar a transformação de fábricas, teatros, cinemas, garagens, galpões, restaurantes, casas e praças em espaços sagrados. Constata-se que um dos aspectos relevantes para a intensificação das manifestações religiosas tem a ver com o desencanto da vida que, com pouco ou nenhum encanto, resulta, muitas vezes, em exclusão social que se traduz por desemprego, falta de moradia, de saúde, de educação, de terra e de lazer. Estas contradições revelam, para muitos, que viver significa negar, fugir, resistir ou transformar a realidade. Quanto mais complexo e fora de controle se apresentar o cotidiano da vida, tanto mais parece indispensável uma força maior que auxilie na superação dos problemas.

Como as religiões surgem do déficit de vida, isto é, da impotência humana diante de muitos desafios que a vida apresenta, podem, em muitas circunstâncias, pela frágil identidade individual, levar os adeptos ao fanatismo ou ao sectarismo ao julgarem-se “donos” da verdade, entendendo estar cumprindo a vontade de uma divindade. Esse caminho é perigoso e aí vale o alerta de Dalai-Lama quando, uma vez perguntado sobre qual era a melhor religião, ele respondeu: “A melhor religião é aquela que nos faz melhores, mais amorosos, mais abertos aos outros”. Por isso, o desafio que se apresenta aos movimentos religiosos, e especialmente à escola, como aponta a BNCC, é o de desencadear um processo de diálogo em todos os momentos e direções, procurando resgatar a integridade planetária.

Segundo a BNCC, o estudo do Conhecimento Religioso deve partir da realidade do aluno e da escola, onde constatamos profundas transformações que atingem diferentes aspectos da organização da vida. As mudanças tanto nacionais como mundiais se dão num processo muito acelerado, o que deixa o ser humano perplexo. Os movimentos religiosos não estão alheios a este dinamismo e buscam responder, à sua maneira, às questões centrais que atingem a vida dos seus adeptos. O desafio é que, em grande parte, as questões, quando não identificadas com profundidade, podem falsear o que efetivamente é essencial para todos. Daí a importância do Ensino Religioso, como aponta a BNCC.

As religiões podem desempenhar diferentes funções no mesmo contexto, seja para fortalecer a autonomia ou a dependência dos seus adeptos. Se os seres humanos em toda a história produziram religiões e continuam produzindo com muita intensidade na atualidade, é porque elas têm uma razão de ser e acabam sendo extremamente úteis para a organização e direcionamento da vida. Daí que os processos educativos escolares precisam ajudar os alunos a compreenderem a dinâmica da vida individual e social.


Não deixe de conferir o restante do artigo em nossa próxima publicação.

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O que é a BNCC?

A BNCC é um documento de caráter normativo que tem como objetivo a promoção da equidade educacional, determinando com clareza o que todos os alunos brasileiros têm o direito de aprender, servindo de referência para os currículos de todas as redes escolares, públicas e particulares, bem como para a elaboração de materiais didáticos e para a formação de professores. É o que se pode ler neste trecho do documento:

Resolução CNE/CP nº. 2/2017
Art. 1o A presente Resolução e seu Anexo instituem a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) como documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais como direito das crianças, jovens e adultos no âmbito da Educação Básica escolar, e orientam sua implementação pelos sistemas de ensino das diferentes instâncias federativas, bem como pelas instituições ou redes escolares.

Aprendizagens essenciais são definidas como conhecimentos, habilidades, atitudes, valores e a capacidade de os mobilizar, articular e integrar, expressando-se em competências; também são definidas como direito de pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. Nesse sentido, as competências são definidas como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores, para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho.

Os fundamentos pedagógicos da BNCC

Foco no desenvolvimento de competências

Por meio da indicação clara do que os alunos devem “saber” (considerando a constituição de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores) e, sobretudo, do que devem “saber fazer” (considerando a mobilização de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho), a explicitação das competências oferece referências para o fortalecimento de ações que assegurem as aprendizagens essenciais definidas na BNCC. Indicando os conhecimentos, habilidades, atitudes e valores que os alunos devem desenvolver (saber) e a mobilização desses conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida e do mundo do trabalho, bem como do exercício da cidadania (saber fazer), as competências explicitadas na Base servem de referência para garantia das aprendizagens essenciais que todos os estudantes brasileiros devem desenvolver.

O compromisso com a educação integral

A sociedade contemporânea exige uma Educação de caráter integral envolvendo no processo educativo: o que aprender, para que aprender, como ensinar, como promover redes de aprendizagem colaborativa e como avaliar o aprendizado. Assim, a BNCC reafirma que a Educação Básica deve visar a uma formação humana global, incluindo as dimensões cognitivas e socioemocionais, promovendo aprendizagens sintonizadas com as necessidades, possibilidades e desafios das diferentes infâncias e juventudes e seu potencial de criar novas formas de lidar com as demandas da sociedade contemporânea.

[...] a BNCC propõe a superação da fragmentação radicalmente disciplinar do conhecimento, o estímulo à sua aplicação na vida real, a importância do contexto para dar sentido ao que se aprende e o protagonismo do estudante em sua aprendizagem e na construção de seu projeto de vida. (BRASIL, 2017, p. 15)

As competências gerais

As 10 Competências Gerais da BNCC aparecem no texto introdutório e transpassam as competências e habilidades específicas de todas as áreas e componentes. Juntas, elas condensam a essência do que se deseja para a formação dos alunos. Por isso, elas devem orientar a reelaboração dos currículos, sendo trabalhadas durante todas as etapas da Educação Básica.

De certa forma, as dez competências gerais podem ser agrupadas à luz dos quatro pilares da Educação ao longo da vida propostos por Delors (1996): aprender a ser, aprender a conhecer, aprender a fazer e aprender a conviver.

As competências relacionadas ao aprender a ser estão associadas às competências gerais da Base, que indicam a necessidade do estudante se conhecer e reconhecer suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas, agindo pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, a fim de tomar decisões, com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.

O pilar aprender a conhecer pode ser desenvolvido por meio das competências que expressam a valorização e utilização de conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade e continuar aprendendo; pelo exercício da curiosidade intelectual e pela abordagem própria das Ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade; e pelo desenvolvimento de senso estético para reconhecer, valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais.

As competências associadas ao pilar do aprender a fazer podem ser desenvolvidas por tudo o que propõe o uso de diferentes linguagens para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos, além da compreensão e utilização e criação de tecnologias digitais de informação e comunicação para produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.

Aprender a conviver é o pilar associado às competências que tratam da valorização da diversidade de saberes e vivências culturais; da argumentação com base em fatos, dados e informações confiáveis para defender ideias, pontos de vista e decisões comuns com posicionamento ético em relação ao cuidado consigo mesmo, com os outros e com o planeta; além do exercício da empatia, do diálogo e da busca pela resolução de conflitos de forma harmônica, com respeito ao outro, acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, sem preconceitos de qualquer natureza.

Como pode ser observado, a Base indica uma forma de desenvolvimento de competências coerente com as exigências da sociedade em que vivemos.

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BNCC e o Ensino Fundamental - Anos Finais

As principais mudanças para os anos finais com a BNCC.

Costuma-se dizer que a etapa mais desafiadora da Educação Básica em nosso país é o Ensino Médio, em função dos baixos índices de aprendizagem e de abandono escolar. Mas, se olharmos com um pouco mais de atenção, veremos que esse desafio, na verdade, começa nos anos finais do Ensino Fundamental. A Tabela 1 mostra, com base nas últimas três avaliações da Prova Brasil, que o Brasil vem tendo uma leve melhora em Língua Portuguesa, mas que ainda estamos muito aquém da meta para 2024, que seria chegar a 70% dos alunos com aprendizado adequado; e em Matemática a situação é de fato muito grave. Nesse caso, estamos literalmente estagnados e num patamar muito baixo. Ou seja, em 2017, de cada 100 alunos que concluíram o 9º ano do Ensino Fundamental, apenas 34 aprenderam o que seria esperado em Língua Portuguesa; em Matemática esse número cai para 15!

Tabela 1. Percentual de alunos com aprendizado adequado em Língua Portuguesa e em Matemática no 9º ano do Ensino Fundamental, com base nos dados da Prova Brasil, nos anos de 2013, 2015 e 2017.
tabela

Outra questão ainda desafiadora, além do aprendizado, é a reprovação e o abandono escolar. Com base no Censo Escolar de 2015, 1.779.134 alunos foram reprovados e abandonaram os anos finais do Ensino Fundamental. Se levarmos em conta que o aluno dos anos finais do Ensino Fundamental, com base nos cálculos de custo-aluno do Inep, custa R$ 6.271,00, isso significa que o país perdeu 11,2 bilhões de reais devido à reprovação e ao abandono escolar nessa etapa da Educação Básica!

Para mudar esse quadro de baixa proficiência e de baixo rendimento escolar foi elaborada a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que traz as aprendizagens essenciais que todo o aluno precisa saber ao longo de cada ano da Educação Básica. Isso já está norteando os novos currículos escolares em todo o Brasil. Isso vai, naturalmente, impactar na formação do professor e nas avaliações nacionais.

Analisando a BNCC do Ensino Fundamental – Anos Finais

Ao longo do Ensino Fundamental – Anos Finais, o adolescente passa por transformações importantes, tanto no ambiente escolar — na transição do 5º ano dos anos iniciais do EF para o 6º ano dos anos finais do EF, quando deixa de ter um professor generalista e passa a contar com o professor especialista —, como no plano pessoal, no que se refere ao seu desenvolvimento físico, emocional e social, sem falar quanto a sua capacidade cognitiva e a sua rotina dentro e fora da escola. Por isso, é fundamental que, nessa etapa, a abordagem pedagógica se volte cada vez mais ao estímulo da autonomia e do protagonismo dos estudantes, preparando-os para o ingresso no Ensino Médio. Não é à toa que a BNCC traz dez competências gerais na perspectiva de promover o desenvolvimento pleno dos estudantes, em conformidade com o artigo 205 da Constituição Federal.

Nos anos finais do Ensino Fundamental, a BNCC está organizada por áreas de conhecimento e seus respectivos componentes curriculares, para os quais, por sua vez, estão previstas competências específicas articuladas às dez competências gerais. Uma novidade foi a inclusão da língua inglesa como componente curricular obrigatório. As principais mudanças nos anos finais do Ensino Fundamental podem ser agrupadas em três grandes eixos: tecnologia e cultura digital, protagonismo juvenil e projeto de vida.

Tecnologia e cultura digital

Para essa etapa da Educação Básica podemos considerar a tecnologia e a cultura digital como uma estratégia de criar conexões com os adolescentes das novas gerações. A cultura digital está explicitamente colocada na BNCC na competência geral 5 — “Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva”. No documento da BNCC é ainda explicitado que é importante que a instituição escolar preserve seu compromisso de estimular a reflexão e a análise aprofundada e contribuir para o desenvolvimento, no estudante, de uma atitude crítica em relação ao conteúdo e à multiplicidade de ofertas midiáticas e digitais. Contudo, também é imprescindível que a escola compreenda e incorpore as novas linguagens e seus modos de funcionamento, desvendando possibilidades de comunicação.

Protagonismo juvenil

Espera-se que a escola proporcione um ambiente no qual o adolescente desenvolva cada vez mais a sua autonomia, tanto no que se refere à administração dos seus próprios estudos quanto à sua atuação em sociedade na perspectiva de construir o seu projeto de vida. O protagonismo está fortemente evidenciado na competência 10 — “Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários”. No caso dessa competência destacam-se: a incorporação de direitos e responsabilidades, a tomada de decisões, a ponderação sobre consequências, a análise e incorporação de valores próprios, postura ética, a participação social e liderança, solução de problemas ambíguos e complexos.

Projeto de Vida (PV)

Esse tema será determinante para as escolhas a serem feitas no Ensino Médio. Por isso é fundamental já iniciá-la nos anos finais do Ensino Fundamental. O PV é um processo de planejamento no qual indivíduos buscam o autoconhecimento e estabelecem estratégias para alcançar seus objetivos. No ambiente escolar, o projeto de vida é um componente curricular transversal que estimula adolescentes e jovens a buscar significado em múltiplas dimensões (profissional, social, física, emocional), motiva-os a aprender ao longo da vida, bem como os auxilia a tomar decisões, resolver problemas e lidar com situações inesperadas. Entre as práticas pedagógicas que procuram desenvolver o projeto de vida dos alunos estão sessões de tutoria individual, oficinas de design focadas na empatia, oferta de um currículo flexível e voltado para o mundo real.

Uma educação integral

Independentemente da duração da jornada escolar, o conceito de educação integral com o qual a BNCC está comprometida se refere à construção intencional de processos educativos que promovam aprendizagens sintonizadas com as necessidades, as possibilidades e os interesses dos alunos e, também, com os desafios da sociedade contemporânea, de modo a formar pessoas autônomas, capazes de se servir dessas aprendizagens em suas vidas. A concepção de educação integral tem como propósito maior a formação de estudantes para a autonomia, de forma que eles possam tomar decisões fundamentadas a partir do que são e do que desejam para as suas vidas, considerando seu desenvolvimento pleno. A formação para a autonomia compreende o desenvolvimento intencional de um conjunto de competências cognitivas e socioemocionais, tais como: autoconhecimento, colaboração, comunicação, criatividade, pensamento crítico, entre outras.

Além disso, um conjunto de metodologias integradoras são incorporadas no processo ensino-aprendizagem, tais como educação por projetos, aprendizagem colaborativa, multiletramentos e sala de aula invertida. O grande desafio agora é a formação de professores, tema que está na agenda do Conselho Nacional de Educação num trabalho colaborativo com o Ministério da Educação.






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BNCC e ensino de Língua Portuguesa - Parte I

O mundo mudou. Qualquer informação pode ser obtida com apenas um clique. Precisa saber como trocar um filtro de água? Busque um tutorial. Quer escolher um livro para ler na viagem? Acesse um booktuber. Está em dúvida sobre que roupa usar em uma festa de casamento? Experimente digitar #festadecasamento no Instagram. Quer discordar de um trailer que o levou ao cinema para assistir a um filme ruim? Produza um trailer honesto. Todos são capazes de curtir, multiplicar e redesenhar um texto já publicado a todo momento. Isso tudo porque há uma explosão de novas linguagens. A Internet não só tornou a comunicação mais rápida, como também facilitou o surgimento de diferentes formatos de textos e novos gêneros.

A BNCC considera esse panorama e, em suas propostas, prevê aulas de Língua Portuguesa mais vivas, mais comprometidas com o mundo ao redor. Isso significa trazer para a sala o que os alunos já produzem, mas, muitas vezes, sem reflexão, sem consistência. Basta compreender, por exemplo, que, quando os estudantes compartilham imagens de um atentado, podem estar incentivando um discurso de ódio, assunto apontado na primeira habilidade de 6º a 9º ano, no campo jornalístico-midiático:

(EF69LP01) Diferenciar liberdade de expressão de discursos de ódio, posicionando-se contrariamente a esse tipo de discurso e vislumbrando possibilidades de denúncia quando for o caso. (BRASIL, 2017, p. 141)

A BNCC traz mudanças e novidades. Por isso, traz preocupações. Para buscar esclarecer o que se propõe na Base, é preciso discorrer sobre três pontos: primeiro, retomar os conceitos já apresentados desde os Parâmetros Curriculares Nacionais e que sustentarão o trabalho apresentado pelo documento; em seguida, conhecer as categoriais que a organizam para, por fim, compreender as novas habilidades e competências ali previstas e que foram pensadas para estabelecer sintonia com a vida contemporânea.

Logo na apresentação do componente curricular é retomada a perspectiva enunciativo-discursiva que desde os PCN já se afirmava como lente teórica para os estudos do texto, dos contextos em que são produzidos e para o desenvolvimento de habilidades significativas nas práticas de leitura, escuta e produção. Mas aqui também é preciso dar um salto. Afinal, mesmo com o trabalho a partir de gêneros textuais já consolidado, em geral as escolhas predominantes recaem nos da esfera literária, como contos, fábulas, poemas, trechos de romances, narrativas de ficção científica, lendas, etc., ou se estende a gêneros da esfera jornalística, como notícia, reportagem, artigos de opinião. E mais: em geral o trabalho limita-se à camada da estrutura, sem que se considerem o contexto, as condições de produção, as particularidades discursivas de cada esfera. O que aconteceu em salas de aula foi uma troca dos conteúdos de língua para os conteúdos do gênero e, portanto, caracterizá-lo tornou-se quase obrigatório. A cobrança das ‘características’ da fábula, por exemplo, em muitos casos acaba sendo feita sem que o contexto de produção ou de leitura, as intencionalidades e os pontos de vista – que também existem nesse gênero – sejam trabalhados. O trabalho com o gênero foi limitado às suas especificidades estruturais e temáticas, sem que fosse abordado o estilo, entendido, na teoria dos gêneros, como as escolhas de linguagem feitas em função da intencionalidade, da posição que aquele que escreve ou fala quer marcar em relação ao que fala e ao seu interlocutor.

É comum ouvir preocupações quanto à não definição, na BNCC, de quais gêneros devem ser trabalhados em cada ano. Há sugestões, algumas que se repetem em anos diferentes, e até sugestões diversas de gêneros digitais, alguns pouco conhecidos. Com isso, a Base mostra que a seleção conta com muitas possibilidades mas o importante é o trabalho a ser desenvolvido: as habilidades de leitura e produção devem considerar o contexto, as intencionalidades e como as escolhas de linguagem colaboram para cumpri-las, e não mais apenas a estrutura do gênero, como se houvesse um tipo de receita para cada um.

A BNCC reforça, também, a necessidade de se trabalhar as práticas de linguagem, desde as que já costumam se desenvolvidas em sala de aula até as mais contemporâneas, situadas em contextos específicos. Essa decisão aponta para um trabalho que amplia o letramento, isto é, a capacidade de participar de situações diversas de leitura, de escuta e de produção de maneira situada na realidade. Assim, espera-se que os textos sejam discutidos, avaliados, replicados, enfim, compreendidos. Isso representa trazer o texto para a vida, mais especificamente para os contextos vividos, de forma crítica e reflexiva. Nesse sentido, a BNCC organiza as práticas de linguagem (leitura, produção de textos escritos e orais e análise linguística/semiótica) nos campos de atuação, ou seja, nas situações de vida social, nos contextos significativos. Serão quatro os campos considerados para os anos finais e, em cada um deles, todos os eixos devem ser trabalhados.

Ao situar os gêneros nos campos de atuação, a Base marca a ideia de que os textos não nascem ao acaso, mas são produzidos por um sujeito situado social e historicamente, como agente das relações sociais que ele é, que se apropria de modelos experimentados para ser capaz de produzir e compreender seus textos na situação em que está inserido.

Desse modo, a Base dá ênfase ao plano dialógico, em que os alunos conhecem o ‘como dizer’ de um texto em determinado contexto, tornando-se autorizado a ‘dizê-lo’, já que conhece e segue os acordos da situação vivida. Assim, para que o aluno possa participar da vida social, é preciso que conheça, por exemplo, os gêneros do campo da vida pública: “estatuto, regimento, projeto cultural, carta aberta, carta de solicitação, carta de reclamação, abaixo-assinado, petição on-line, requerimento, turno de fala em assembleia, tomada de turno em reuniões, edital, proposta, ata, parecer, enquete, relatório etc.” (BRASIL, 2017, p. 147), e não só os de literatura. Essa posição esclarece um mito muito comum na Educação: os alunos não fazem a transposição das habilidades de leitura de um gênero para a de outro gênero; por exemplo, o trabalho de leitura do gênero conto não garante as habilidades de leitura de um editorial, pois as habilidades necessárias para leitura desses gêneros serão diferentes.

É importante reiterar que, a partir dos campos apresentados e descritos na Base, é possível perceber que se quer um trabalho voltado a práticas diversas. Afinal, trabalho com regimentos ou estatutos não era comum em escolas nem existiam, por exemplo, sequências de atividades com GIFs ou trailers honestos. Considerando essa realidade, é preciso trabalhar, além dos novos gêneros, novas formas de produção, de compartilhamento, de configuração, de interação. Isso porque se antes o aluno escrevia para o professor, hoje, como sujeito social, ele pode publicar posts em qualquer rede social, editar áudios, criar uma playlist, gravar um podcast, reeditar um filme, etc. Em todas essas práticas, ele estará em meio a textos, mergulhados em situações específicas de linguagem e precisa, como sujeito inserido na vida social, considerar as dimensões ética, estética e política de seu papel de produtor de sentidos.

A ideia de que é possível produzir qualquer texto, postar e multiplicá-lo passará por outro ponto fundamental à base: o processo de curadoria. Será assegurado ao aluno um trabalho reflexivo mostrando que ele não pode postar/compartilhar tudo, mas que precisa considerar critérios de seleção do que é adequado, bom, verdadeiro, desenvolvendo, assim, outra habilidade cara à base:

(EF09LP01) Analisar o fenômeno da disseminação de notícias falsas nas redes sociais e desenvolver estratégias para reconhecê-las, a partir da verificação/avaliação do veículo, fonte, data e local de publicação, autoria, URL, da análise da formatação, da comparação de diferentes fontes, da consulta a sites de curadoria que atestam a fidedignidade do relato dos fatos e denunciam boatos etc. (BRASIL, 2017, p. 177)

Essa habilidade retrata a demanda que se coloca para as escolas: trabalhar de forma crítica as novas práticas de linguagem. É importante ressaltar, no entanto, que em momento algum se defende no documento a ideia de abandono das práticas consagradas. O que se impõe é o desenvolvimento de novas habilidades e o trabalho com outros gêneros: a Base traz, por exemplo, a ideia de que compreender um conto é tão importante quanto compreender uma palestra, um meme ou um GIF. O documento argumenta que as escolas precisam desenvolver habilidades pensadas para o mundo contemporâneo e promover a leitura de gêneros que façam parte da vida da criança e do jovem de hoje. A intenção do trabalho de Língua Portuguesa é desenvolver um aluno crítico, capaz de usar novas linguagens por meio de ações de remix, de transformação, de mesclagem, criando outras linguagens, desenvolvendo a criação. É desenvolver um aluno que aprende a aprender.

Para esse desenvolvimento, mais uma vez, a BNCC traz uma questão importante: é preciso visitar o culto e o marginal, a cultura literária e a cultura das massas, as culturas infantis e as juvenis. Em outras palavras, a escola não pode mais se fechar em si mesma, em uma bolha de textos que não dialogam com o mundo. Ainda nesse sentido, mesmo que as práticas sejam as mesmas já desenvolvidas na escola desde sempre — leitura, produção, análise linguística —, é preciso ressaltar que os estudos devam ocorrer em práticas de reflexão, que permitam aos estudantes o desenvolvimento de habilidades contextualizadas. É mister, portanto, que o papel transmissivo do professor seja revisto. Afinal, muitos conhecimentos serão compartilhados. Espera-se que, a partir do conhecimento específico do professor dialogado com os conhecimentos trazidos pelos alunos, sejam desenvolvidas habilidades e competências para os dois grupos.

Não perca a segunda parte do artigo BNCC e ensino de Língua Portuguesa.

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