Antonio Boeing
BNCC e ensino religioso - Parte I
O ser humano é o resultado do seu processo educativo. Sua identidade expressa, em boa medida, o que foi possível assimilar de suas relações de aprendizagem e ensino no mundo.
Na dinâmica das relações com outras pessoas, com a natureza e consigo mesmo, é preciso considerar a dimensão espiritual. Nesse sentido, a dimensão religiosa é essencial na formação do ser humano e no desenvolvimento das culturas e se manifesta de forma plural. Por isso, é um avanço o fato de a BNCC contemplar a dimensão religiosa nos processos educativos, pois, além de ser inerente à vida humana e social, deve ser estudada como uma área de conhecimento, que é o Ensino Religioso, indo além do que já havia apontado a Constituição de 1988, no artigo 210, e na LDB de 1996, no artigo 33. A BNCC entende que o Ensino Religioso deve promover um processo de conhecimento pautado em princípios dialógicos, éticos e colaborativos na construção da cidadania e da qualidade de vida planetária. Essa conquista na legislação brasileira, que assegura o Ensino Religioso como parte integrante da formação básica do cidadão, foi obtida a partir do envolvimento de diferentes setores da sociedade. A BNCC oficializa essa área como importante para formação do cidadão, além de apontar caminhos possíveis para a sua concretização. Reconhece, assim, que a educação integral do cidadão não pode desconsiderar a dimensão de abertura do ser humano à transcendência, nem a importância fundamental do fenômeno religioso presente em todos os tempos e lugares da humanidade.
Viabilizar a proposta da BNCC em relação ao conhecimento do campo religioso só será possível dentro de um projeto pedagógico que possibilite lidar com o fenômeno religioso dentro da multiplicidade. Educar nessa perspectiva exige qualificação e aponta a necessidade de um profissional de Educação sensível à pluralidade e consciente da complexidade sociocultural da questão religiosa, e que garanta a liberdade do educando, sem proselitismo e/ou doutrinação.
Considerando a importância do Ensino Religioso na BNCC, que aponta como “objeto o Conhecimento Religioso, produzido no âmbito das diferentes áreas do conhecimento científico das Ciências Humanas e Sociais, notadamente da(s) Ciência(s) da(s) Religião(ões)” e os avanços, desafios e oportunidades que ela propõe, este texto busca auxiliar na reflexão e aqui destaca: o Ensino Religioso como área do conhecimento; o lugar da dimensão religiosa na humanidade; a multiplicidade de expressões religiosas; a cientificidade do Ensino Religioso; e, as competências e habilidades centradas no diálogo permanente.
O Ensino Religioso como área do conhecimento
A dimensão religiosa na história da humanidade sempre ocupou lugar de destaque na organização da vida das pessoas e das sociedades, determinando em grande parte uma dada cosmovisão e as ações individuais e coletivas. Com o avanço das ciências modernas, muitos pensadores sistematizaram suas concepções afirmando que a religião estaria no fim, que as ciências resolveriam todas as questões do ser humano. Mas isto não se verificou, pelo contrário: hoje, multiplicam-se as expressões religiosas, pois cada avanço científico traz novos desafios e questões para o ser humano se situar no mundo e dar sentido à vida.
Dada a importância desse fenômeno que se manifesta na busca de sentido para vida num algo a mais além do cotidiano, o Ensino Religioso se coloca como espaço para o estudo do Transcendente, Sagrado, Divino, respeitando a pluralidade de cada contexto sociocultural. A BNCC, quando assume a relevância do estudo do conhecimento religioso sistematizado historicamente, reconhece que ele não pode ser negado às novas gerações, mas ser socializado tendo como meta significar e dar sentido às diferentes dimensões da vida.
É nessa perspectiva que se coloca a questão do Ensino Religioso, como também o reconhecimento de que a religião é um fenômeno universal e multiforme. Não há lugar nem cultura que não tenha suas expressões religiosas. A BNCC, ao reconhecer essa realidade, relativiza as experiências que se propunham absolutas e universais; reconhece a alteridade e a potencialidade de cada cultura, evitando a dominação, a imposição; reconhece que a dimensão religiosa é tão importante, quanto a dimensão biológica, psicológica, social. Esta atitude opõe resistência à ideia de fragmentação do ser humano, entendendo-o como corpo e espírito, na sua integridade.
Infelizmente, ainda presenciamos muitas situações de violência de âmbito mundial devido à intolerância religiosa, com expressões fundamentalistas e sectárias que comprometem a dignidade humana. Diante dessa realidade, o Ensino Religioso, como aponta a BNCC, visa oferecer referenciais que contribuam efetivamente na construção do ser integral, despertando crianças, adolescentes e jovens, para que na vivência cotidiana aprendam a atuar na sociedade e exercer a cidadania com uma consciência e uma prática de vida voltada para a construção de uma cultura de paz.
O lugar da dimensão religiosa na humanidade
O reconhecimento da BNCC de que a dimensão religiosa é parte integrante da história da humanidade é um avanço muito importante para criar relações saudáveis. A BNCC, ao destacar que as práticas religiosas têm suas razões de existir e que nascem a partir das perguntas que o ser humano faz para situar-se dentro do contexto histórico, abre caminhos para o diálogo e o crescimento coletivo. As religiões, no geral, procuram dar sentido ao presente, explicar a origem de todas as coisas e direcionar a vida futura do ser humano. É a tentativa de responder às questões: de onde vim? o que estou fazendo aqui? para onde vou?
Mesmo tendo como ponto de partida estas questões, a base essencial das religiões é dar sentido à existência humana no presente. Por isso o estudo desse componente contribui na construção da realidade e no direcionamento da vida individual e coletiva.
Como aponta a BNCC, verifica-se na história e nos contextos atuais a existência de diversas concepções religiosas, sejam elas monoteístas, politeístas, fundamentadas em mitos, revelações proféticas, escrituras sagradas ou nas tradições orais. Religiões com expressões otimistas e outras pessimistas em relação à vida humana. Há o nascimento de religiões, desenvolvimento de umas e morte de outras. Há, ainda, contato entre as religiões, num dinamismo de substituição, modificação, transformação, continuidade, aceitação e desprezo de uma em relação à outra. Mas, é importante considerar que só captamos a experiência do outro dentro das nossas possibilidades e limites. Isto é, somos condicionados pela visão que possuímos e pelos instrumentais que utilizamos para ver e analisar o outro. É preciso também observar quem nos fala de sua experiência e tomar uma distância metodológica, conscientes de que não há neutralidade absoluta.
Com base na compreensão do ser humano, é possível observar que a religião é originalmente o apelo ou o acontecimento do divino, do sagrado, de Deus ao ser humano e a resposta do ser humano a esse apelo. Assim, a religião é uma grandeza viva, resultante do jogo entre apelo e resposta. Como bem aponta a BNCC, o acontecimento do Sagrado na sua manifestação finita não pode ser separado do ser humano ao qual ele se revela. Esta unidade bilateral pode ser considerada um diálogo, no qual os dois lados se encontram sem conhecer de antemão o resultado. Trata-se de um diálogo misterioso entre a “imanência e a transcendência”. O ser religioso entende que o Sagrado fala, da sua parte, em modos e símbolos variáveis, e o humano, por sua parte, responde de muitas maneiras. Sem esta participação de ambos não se dá o fenômeno chamado religião. É preciso também considerar que sem o processo de normatização a experiência desaparece com os seus protagonistas. Só sobreviverá se ela se estruturar, isto é, institucionalizar. Por outro lado, corre o risco de negar a experiência fundante, por criar estruturas que nada ou pouco têm a ver com a tradição originária.
Além das dimensões biológica, psicológica e social, o ser humano é um ser aberto à transcendência, como aponta a BNCC ao fundamentar o Ensino Religioso como área importante nos processos escolares. Transcendência é a capacidade e o desejo do ser humano de ir além dos limites, sair do estado atual em busca de algo novo. Assim, não é possível que os processos educativos, dentre eles a escola, como afirma a BNCC, desconsiderem esta dimensão, pois é preciso criar condições para que os alunos desenvolvam e aprimorem a sua abertura à transcendência. Reconhecer a dimensão transcendental do ser humano é considerá-lo na sua totalidade e complexidade.
Nesse processo, o Ensino Religioso, segundo a BNCC, tem uma grande contribuição a dar no sentido de auxiliar os alunos a enfrentarem as questões que estão no cerne da vida, despertando e desenvolvendo a religiosidade presente em cada um, e auxiliando-os na descoberta de critérios éticos de discernimento crítico frente à própria experiência, para assumirem uma atitude dialógica e de reverência no processo de aproximação e de relação com as diferentes expressões religiosas.
A multiplicidade de expressões religiosas
Ao considerar que as religiões são construção humana, produzida historicamente, é possível perceber que elas estão permeadas pelas características e pela visão de cada contexto e sociedade. Sendo assim, como afirma a BNCC, as religiões procuram situar o ser humano e oferecer uma orientação que permita a cada um dar sentido às múltiplas interações da vida a partir de valores, normas, regras e princípios. A atribuição de sentido à existência por meio da religião manifesta-se socialmente dentro da diversidade e originalidade de cada contexto.
Dada a complexidade das manifestações religiosas, nem sempre é fácil compreender as razões do fascínio de seus adeptos. São muitas as tentativas de explicar a transformação de fábricas, teatros, cinemas, garagens, galpões, restaurantes, casas e praças em espaços sagrados. Constata-se que um dos aspectos relevantes para a intensificação das manifestações religiosas tem a ver com o desencanto da vida que, com pouco ou nenhum encanto, resulta, muitas vezes, em exclusão social que se traduz por desemprego, falta de moradia, de saúde, de educação, de terra e de lazer. Estas contradições revelam, para muitos, que viver significa negar, fugir, resistir ou transformar a realidade. Quanto mais complexo e fora de controle se apresentar o cotidiano da vida, tanto mais parece indispensável uma força maior que auxilie na superação dos problemas.
Como as religiões surgem do déficit de vida, isto é, da impotência humana diante de muitos desafios que a vida apresenta, podem, em muitas circunstâncias, pela frágil identidade individual, levar os adeptos ao fanatismo ou ao sectarismo ao julgarem-se “donos” da verdade, entendendo estar cumprindo a vontade de uma divindade. Esse caminho é perigoso e aí vale o alerta de Dalai-Lama quando, uma vez perguntado sobre qual era a melhor religião, ele respondeu: “A melhor religião é aquela que nos faz melhores, mais amorosos, mais abertos aos outros”. Por isso, o desafio que se apresenta aos movimentos religiosos, e especialmente à escola, como aponta a BNCC, é o de desencadear um processo de diálogo em todos os momentos e direções, procurando resgatar a integridade planetária.
Segundo a BNCC, o estudo do Conhecimento Religioso deve partir da realidade do aluno e da escola, onde constatamos profundas transformações que atingem diferentes aspectos da organização da vida. As mudanças tanto nacionais como mundiais se dão num processo muito acelerado, o que deixa o ser humano perplexo. Os movimentos religiosos não estão alheios a este dinamismo e buscam responder, à sua maneira, às questões centrais que atingem a vida dos seus adeptos. O desafio é que, em grande parte, as questões, quando não identificadas com profundidade, podem falsear o que efetivamente é essencial para todos. Daí a importância do Ensino Religioso, como aponta a BNCC.
As religiões podem desempenhar diferentes funções no mesmo contexto, seja para fortalecer a autonomia ou a dependência dos seus adeptos. Se os seres humanos em toda a história produziram religiões e continuam produzindo com muita intensidade na atualidade, é porque elas têm uma razão de ser e acabam sendo extremamente úteis para a organização e direcionamento da vida. Daí que os processos educativos escolares precisam ajudar os alunos a compreenderem a dinâmica da vida individual e social.
Não deixe de conferir o restante do artigo em nossa próxima publicação.
Na dinâmica das relações com outras pessoas, com a natureza e consigo mesmo, é preciso considerar a dimensão espiritual. Nesse sentido, a dimensão religiosa é essencial na formação do ser humano e no desenvolvimento das culturas e se manifesta de forma plural. Por isso, é um avanço o fato de a BNCC contemplar a dimensão religiosa nos processos educativos, pois, além de ser inerente à vida humana e social, deve ser estudada como uma área de conhecimento, que é o Ensino Religioso, indo além do que já havia apontado a Constituição de 1988, no artigo 210, e na LDB de 1996, no artigo 33. A BNCC entende que o Ensino Religioso deve promover um processo de conhecimento pautado em princípios dialógicos, éticos e colaborativos na construção da cidadania e da qualidade de vida planetária. Essa conquista na legislação brasileira, que assegura o Ensino Religioso como parte integrante da formação básica do cidadão, foi obtida a partir do envolvimento de diferentes setores da sociedade. A BNCC oficializa essa área como importante para formação do cidadão, além de apontar caminhos possíveis para a sua concretização. Reconhece, assim, que a educação integral do cidadão não pode desconsiderar a dimensão de abertura do ser humano à transcendência, nem a importância fundamental do fenômeno religioso presente em todos os tempos e lugares da humanidade.
Viabilizar a proposta da BNCC em relação ao conhecimento do campo religioso só será possível dentro de um projeto pedagógico que possibilite lidar com o fenômeno religioso dentro da multiplicidade. Educar nessa perspectiva exige qualificação e aponta a necessidade de um profissional de Educação sensível à pluralidade e consciente da complexidade sociocultural da questão religiosa, e que garanta a liberdade do educando, sem proselitismo e/ou doutrinação.
Considerando a importância do Ensino Religioso na BNCC, que aponta como “objeto o Conhecimento Religioso, produzido no âmbito das diferentes áreas do conhecimento científico das Ciências Humanas e Sociais, notadamente da(s) Ciência(s) da(s) Religião(ões)” e os avanços, desafios e oportunidades que ela propõe, este texto busca auxiliar na reflexão e aqui destaca: o Ensino Religioso como área do conhecimento; o lugar da dimensão religiosa na humanidade; a multiplicidade de expressões religiosas; a cientificidade do Ensino Religioso; e, as competências e habilidades centradas no diálogo permanente.
O Ensino Religioso como área do conhecimento
A dimensão religiosa na história da humanidade sempre ocupou lugar de destaque na organização da vida das pessoas e das sociedades, determinando em grande parte uma dada cosmovisão e as ações individuais e coletivas. Com o avanço das ciências modernas, muitos pensadores sistematizaram suas concepções afirmando que a religião estaria no fim, que as ciências resolveriam todas as questões do ser humano. Mas isto não se verificou, pelo contrário: hoje, multiplicam-se as expressões religiosas, pois cada avanço científico traz novos desafios e questões para o ser humano se situar no mundo e dar sentido à vida.
Dada a importância desse fenômeno que se manifesta na busca de sentido para vida num algo a mais além do cotidiano, o Ensino Religioso se coloca como espaço para o estudo do Transcendente, Sagrado, Divino, respeitando a pluralidade de cada contexto sociocultural. A BNCC, quando assume a relevância do estudo do conhecimento religioso sistematizado historicamente, reconhece que ele não pode ser negado às novas gerações, mas ser socializado tendo como meta significar e dar sentido às diferentes dimensões da vida.
É nessa perspectiva que se coloca a questão do Ensino Religioso, como também o reconhecimento de que a religião é um fenômeno universal e multiforme. Não há lugar nem cultura que não tenha suas expressões religiosas. A BNCC, ao reconhecer essa realidade, relativiza as experiências que se propunham absolutas e universais; reconhece a alteridade e a potencialidade de cada cultura, evitando a dominação, a imposição; reconhece que a dimensão religiosa é tão importante, quanto a dimensão biológica, psicológica, social. Esta atitude opõe resistência à ideia de fragmentação do ser humano, entendendo-o como corpo e espírito, na sua integridade.
Infelizmente, ainda presenciamos muitas situações de violência de âmbito mundial devido à intolerância religiosa, com expressões fundamentalistas e sectárias que comprometem a dignidade humana. Diante dessa realidade, o Ensino Religioso, como aponta a BNCC, visa oferecer referenciais que contribuam efetivamente na construção do ser integral, despertando crianças, adolescentes e jovens, para que na vivência cotidiana aprendam a atuar na sociedade e exercer a cidadania com uma consciência e uma prática de vida voltada para a construção de uma cultura de paz.
O lugar da dimensão religiosa na humanidade
O reconhecimento da BNCC de que a dimensão religiosa é parte integrante da história da humanidade é um avanço muito importante para criar relações saudáveis. A BNCC, ao destacar que as práticas religiosas têm suas razões de existir e que nascem a partir das perguntas que o ser humano faz para situar-se dentro do contexto histórico, abre caminhos para o diálogo e o crescimento coletivo. As religiões, no geral, procuram dar sentido ao presente, explicar a origem de todas as coisas e direcionar a vida futura do ser humano. É a tentativa de responder às questões: de onde vim? o que estou fazendo aqui? para onde vou?
Mesmo tendo como ponto de partida estas questões, a base essencial das religiões é dar sentido à existência humana no presente. Por isso o estudo desse componente contribui na construção da realidade e no direcionamento da vida individual e coletiva.
Como aponta a BNCC, verifica-se na história e nos contextos atuais a existência de diversas concepções religiosas, sejam elas monoteístas, politeístas, fundamentadas em mitos, revelações proféticas, escrituras sagradas ou nas tradições orais. Religiões com expressões otimistas e outras pessimistas em relação à vida humana. Há o nascimento de religiões, desenvolvimento de umas e morte de outras. Há, ainda, contato entre as religiões, num dinamismo de substituição, modificação, transformação, continuidade, aceitação e desprezo de uma em relação à outra. Mas, é importante considerar que só captamos a experiência do outro dentro das nossas possibilidades e limites. Isto é, somos condicionados pela visão que possuímos e pelos instrumentais que utilizamos para ver e analisar o outro. É preciso também observar quem nos fala de sua experiência e tomar uma distância metodológica, conscientes de que não há neutralidade absoluta.
Com base na compreensão do ser humano, é possível observar que a religião é originalmente o apelo ou o acontecimento do divino, do sagrado, de Deus ao ser humano e a resposta do ser humano a esse apelo. Assim, a religião é uma grandeza viva, resultante do jogo entre apelo e resposta. Como bem aponta a BNCC, o acontecimento do Sagrado na sua manifestação finita não pode ser separado do ser humano ao qual ele se revela. Esta unidade bilateral pode ser considerada um diálogo, no qual os dois lados se encontram sem conhecer de antemão o resultado. Trata-se de um diálogo misterioso entre a “imanência e a transcendência”. O ser religioso entende que o Sagrado fala, da sua parte, em modos e símbolos variáveis, e o humano, por sua parte, responde de muitas maneiras. Sem esta participação de ambos não se dá o fenômeno chamado religião. É preciso também considerar que sem o processo de normatização a experiência desaparece com os seus protagonistas. Só sobreviverá se ela se estruturar, isto é, institucionalizar. Por outro lado, corre o risco de negar a experiência fundante, por criar estruturas que nada ou pouco têm a ver com a tradição originária.
Além das dimensões biológica, psicológica e social, o ser humano é um ser aberto à transcendência, como aponta a BNCC ao fundamentar o Ensino Religioso como área importante nos processos escolares. Transcendência é a capacidade e o desejo do ser humano de ir além dos limites, sair do estado atual em busca de algo novo. Assim, não é possível que os processos educativos, dentre eles a escola, como afirma a BNCC, desconsiderem esta dimensão, pois é preciso criar condições para que os alunos desenvolvam e aprimorem a sua abertura à transcendência. Reconhecer a dimensão transcendental do ser humano é considerá-lo na sua totalidade e complexidade.
Nesse processo, o Ensino Religioso, segundo a BNCC, tem uma grande contribuição a dar no sentido de auxiliar os alunos a enfrentarem as questões que estão no cerne da vida, despertando e desenvolvendo a religiosidade presente em cada um, e auxiliando-os na descoberta de critérios éticos de discernimento crítico frente à própria experiência, para assumirem uma atitude dialógica e de reverência no processo de aproximação e de relação com as diferentes expressões religiosas.
A multiplicidade de expressões religiosas
Ao considerar que as religiões são construção humana, produzida historicamente, é possível perceber que elas estão permeadas pelas características e pela visão de cada contexto e sociedade. Sendo assim, como afirma a BNCC, as religiões procuram situar o ser humano e oferecer uma orientação que permita a cada um dar sentido às múltiplas interações da vida a partir de valores, normas, regras e princípios. A atribuição de sentido à existência por meio da religião manifesta-se socialmente dentro da diversidade e originalidade de cada contexto.
Dada a complexidade das manifestações religiosas, nem sempre é fácil compreender as razões do fascínio de seus adeptos. São muitas as tentativas de explicar a transformação de fábricas, teatros, cinemas, garagens, galpões, restaurantes, casas e praças em espaços sagrados. Constata-se que um dos aspectos relevantes para a intensificação das manifestações religiosas tem a ver com o desencanto da vida que, com pouco ou nenhum encanto, resulta, muitas vezes, em exclusão social que se traduz por desemprego, falta de moradia, de saúde, de educação, de terra e de lazer. Estas contradições revelam, para muitos, que viver significa negar, fugir, resistir ou transformar a realidade. Quanto mais complexo e fora de controle se apresentar o cotidiano da vida, tanto mais parece indispensável uma força maior que auxilie na superação dos problemas.
Como as religiões surgem do déficit de vida, isto é, da impotência humana diante de muitos desafios que a vida apresenta, podem, em muitas circunstâncias, pela frágil identidade individual, levar os adeptos ao fanatismo ou ao sectarismo ao julgarem-se “donos” da verdade, entendendo estar cumprindo a vontade de uma divindade. Esse caminho é perigoso e aí vale o alerta de Dalai-Lama quando, uma vez perguntado sobre qual era a melhor religião, ele respondeu: “A melhor religião é aquela que nos faz melhores, mais amorosos, mais abertos aos outros”. Por isso, o desafio que se apresenta aos movimentos religiosos, e especialmente à escola, como aponta a BNCC, é o de desencadear um processo de diálogo em todos os momentos e direções, procurando resgatar a integridade planetária.
Segundo a BNCC, o estudo do Conhecimento Religioso deve partir da realidade do aluno e da escola, onde constatamos profundas transformações que atingem diferentes aspectos da organização da vida. As mudanças tanto nacionais como mundiais se dão num processo muito acelerado, o que deixa o ser humano perplexo. Os movimentos religiosos não estão alheios a este dinamismo e buscam responder, à sua maneira, às questões centrais que atingem a vida dos seus adeptos. O desafio é que, em grande parte, as questões, quando não identificadas com profundidade, podem falsear o que efetivamente é essencial para todos. Daí a importância do Ensino Religioso, como aponta a BNCC.
As religiões podem desempenhar diferentes funções no mesmo contexto, seja para fortalecer a autonomia ou a dependência dos seus adeptos. Se os seres humanos em toda a história produziram religiões e continuam produzindo com muita intensidade na atualidade, é porque elas têm uma razão de ser e acabam sendo extremamente úteis para a organização e direcionamento da vida. Daí que os processos educativos escolares precisam ajudar os alunos a compreenderem a dinâmica da vida individual e social.
Não deixe de conferir o restante do artigo em nossa próxima publicação.
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