Antonio Boeing
BNCC e ensino religioso - Parte II
A cientificidade do Ensino Religioso
Confira a primeira parte do artigo BNCC e ensino Religioso.
Ao analisarmos o imaginário da cultura brasileira percebemos que nem sempre o campo religioso foi contemplado com seriedade nas pesquisas, como aponta a BNCC. Uma das razões é a presença marcante da ideia de que algumas questões não devem ser discutidas; dentre elas, estão especialmente a política, o futebol e a religião. É indispensável considerar que a atitude de não refletir sobre estas áreas acaba por colocar entraves que impedem um debate sistemático e científico sobre essas questões tão importantes na vida das pessoas e que exercem grande influência sobre ela. Uma vez que “não se pode” discutir política, delega-se aos “entendidos”. Daí resulta a corrupção, a utilização das coisas públicas como se fossem privadas, além da omissão e do descaso com a nação. Até no futebol há uma questão política, pois é comandado por “cartolas” e alguns “sabedores” dessa área, o que produz com frequência a divinização de alguns poucos e o abandono de milhões de atletas que tem sua sobrevivência e a dos seus familiares comprometida.
Quando o assunto é religião, aí sim é que as coisas se complicam, pois no imaginário brasileiro esta área de forma alguma se discute. Assim, por um lado delega-se a reflexão para os “entendidos”, sejam eles líderes das religiões consideradas “legítimas” ou líderes que atuam, até certo ponto, na “clandestinidade”; por outro, produzem-se “especialistas” quando os indivíduos, a partir de sua experiência setorizada, julgam-se autoridades que não abrem mão de suas certezas. Essas posturas contribuem para inviabilizar estudos sistemáticos sobre as manifestações religiosas, além de impedir a visibilidade dos objetivos, das funções, da razão de ser e incidência dessa dimensão sobre a vida dos que creem. Resulta, também, numa certa ingenuidade, que leva a ver a religião como criação das divindades e, por isso, entendida como intocável e absoluta. Posturas como essas continuam desencadeando e legitimando milhões de mortes em nome de crenças e convicções religiosas sectárias e fundamentalistas.
No campo acadêmico também se constatam alguns entraves, especialmente a partir da concepção racionalista, positivista, impregnada da ideia de que, com o avanço das ciências modernas, a religião teria se tornado supérflua. Este modo de pensar ocupou grande parte dos meios acadêmicos que, ainda hoje, seguem pensando que não é possível fazer ciência sobre o fenômeno religioso e suas manifestações. Por outro lado, como reconhece a BNCC, constata-se também um movimento em diferentes espaços e níveis acadêmicos espalhados pelo país que, pela seriedade das pesquisas e análise interdisciplinar da complexidade do campo religioso, o colocam em debate. São campos de pesquisas que possuem excelentes trabalhos científicos, que em muito contribuem para a compreensão dessa área do conhecimento.
A constatação de que em todos os tempos e lugares o homo sapiens é também um homo religiosus provoca os espaços acadêmicos no sentido de que devem lidar com o fenômeno religioso com maior cuidado e cientificidade, dada a sua importância na organização da vida individual e social. Atitudes nessa perspectiva ajudam a superar os pré-conceitos e a ignorância que resultam em fanatismos intolerantes. Por isso, para a formação integral do ser humano, como quer a BNCC, o conhecimento da dimensão religiosa não pode ser desconsiderado na vida escolar. Diante disso, o Ensino Religioso, como área do conhecimento, deve trabalhar de modo a auxiliar os alunos a interpretarem a realidade e os impulsionar a atuarem na sociedade com postura ética, garantido a justiça nas diferentes dimensões da vida.
Competências e habilidades e o diálogo permanente
O Ensino Religioso será organizado, como propõe a BNCC, por Competências e Habilidades a serem desenvolvidas; e por Objetos de Conhecimento que apontem para a necessidade de uma interação entre o aluno e professor e demonstrem conhecimento histórico-cultural significativo. A BNCC afirma que o Ensino Religioso, assim como os demais componentes do currículo escolar, é “um espaço de aprendizagens, experiências pedagógicas, intercâmbios e diálogos permanentes, que visam o acolhimento das identidades culturais, religiosas ou não, na perspectiva da interculturalidade, direitos humanos e cultura da paz” (p. 437). Considerando esses pressupostos, e em articulação com as competências gerais da BNCC, a área de Ensino Religioso – e, por consequência, o componente curricular de Ensino Religioso – devem garantir aos alunos o desenvolvimento de seis competências específicas:
Para efetivar essa proposta, é importante que o educador se aproprie das competências que devem ser desenvolvidas na Educação Básica. Por isso, como aponta a BNCC, os objetos de conhecimento, a partir das três unidades: — identidades e alteridades; manifestações religiosas; crenças religiosas e filosofias de vida —, devem favorecer a compreensão da estrutura e dos conceitos das religiões, visando sempre a estabelecer as formas de expressão que explicitam, por meio dos costumes, das tradições e da linguagem, aquilo que influencia as relações sociais.
Os objetos de conhecimento apresentados pela BNCC são importantes no campo religioso, como as descrições de rituais das diversas religiões, sua história e práticas, bem como os temas ligados às Ciências Humanas. Tudo isso faz parte do Ensino Religioso, desde que não se esqueça da iniciação prática e teórica à religiosidade enquanto orientadora dos jovens na atual avalanche cultural e religiosa, em um contexto de mudanças muito aceleradas. Se o Ensino Religioso ficar só na informação não contribuirá profundamente na formação da personalidade; já um ensino aprendizagem focado na perspectiva existencial da religiosidade, abordado de maneira que o aluno possa se apropriar do conhecimento religioso, pode encantá-lo e envolvê-lo na construção da paz, sem proselitismo ou doutrinação.
A aprendizagem da religiosidade por meio de experiências, observações, informações, pesquisas e reflexões irá ajudar a o aluno a se posicionar dentro de sua realidade, independente da religião ou filosofia de vida que adote, e a dar respostas aos seus questionamentos existenciais. Por isso, é importante que a escola também produza conhecimentos dos grupos religiosos que constituem o espaço hermenêutico dos alunos, realidade que, pela presença marcante de aspectos religiosos na realidade brasileira, torna-se um convite constante à religiosidade. Por isso, o Ensino Religioso, na perspectiva da religiosidade é “anterior” à confessionalidade ou vai além dela, pois tem a ver com a busca do ser humano em dar sentido às suas ações, e com o propósito de elaborar um projeto pessoal de vida em sintonia com outros projetos para que a dignidade humana seja garantida.
A aprendizagem da religiosidade auxilia na capacidade de interpretar as próprias vivências com o espírito crítico possível na idade escolar. Como reconhece a BNCC, é a abertura ao transcendente na imanência, tanto feita pelos que têm religião como por aqueles que não adotam crenças. Essa abertura ao transcendente abre caminho para o diálogo com as diferentes áreas do saber. Por esta razão os objetos de conhecimento, segundo a BNCC, devem ser trabalhados com uma linguagem própria, porém sempre aberta ao diálogo, à interdisciplinaridade e à interculturalidade.
Para efetivar um trabalho nessa direção é necessária formação qualificada dos profissionais de Ensino Religioso. Considerando a finalidade do Ensino Religioso, com foco no Conhecimento Religioso, a formação que pode melhor preparar o educador é a promovida pela Ciência da Religião, uma vez que busca entender a religiosidade no ser humano e, a partir daí, estuda as expressões, as manifestações, as organizações, os ritos, os símbolos, espaços sagrados, dentre outras dimensões. Assim, o Ensino Religioso, pautado na Ciência da Religião, conforme a BNCC, auxilia na formação de cidadãos comprometidos com a defesa dos Direitos Humanos.
Desencadear a possibilidade de diálogo entre religiosidade e educação é uma tarefa urgente e uma oportunidade que exige mudanças significativas de todos os que consideram suas verdades como absolutas e únicas. O diálogo a partir de diferentes enfoques científicos poderá auxiliar o ser humano a lidar com projetos mais amplos, especialmente na defesa da vida de todos os seres e do planeta. Há questões essenciais que atingem a todos e só a partir da identificação do que efetivamente é comum será possível estabelecer algum diálogo significativo.
A perspectiva do diálogo traz à tona a necessidade de superar a lógica da identificação como um modelo e perceber a diferença, a dialética, a complementaridade e a reciprocidade como caminhos para a lógica do diálogo em todos os momentos e em todas as direções. O ser humano, dada a sua construção cultural etnocêntrica, como também egocêntrica, tem dificuldade em aceitar a diferença. Por isso, o diálogo na diferença é extremamente exigente, pois é preciso abrir mão de posições para poder enriquecer-se do potencial do outro e enriquecê-lo também. Para efetivar esse ensino e a aprendizagem, os processos da vida na escola têm grande responsabilidade e contribuição a dar. Vale aprimorar esta oportunidade, pois assim todos serão beneficiados com maior qualidade de vida com sentido.
Confira a primeira parte do artigo BNCC e ensino Religioso.
Ao analisarmos o imaginário da cultura brasileira percebemos que nem sempre o campo religioso foi contemplado com seriedade nas pesquisas, como aponta a BNCC. Uma das razões é a presença marcante da ideia de que algumas questões não devem ser discutidas; dentre elas, estão especialmente a política, o futebol e a religião. É indispensável considerar que a atitude de não refletir sobre estas áreas acaba por colocar entraves que impedem um debate sistemático e científico sobre essas questões tão importantes na vida das pessoas e que exercem grande influência sobre ela. Uma vez que “não se pode” discutir política, delega-se aos “entendidos”. Daí resulta a corrupção, a utilização das coisas públicas como se fossem privadas, além da omissão e do descaso com a nação. Até no futebol há uma questão política, pois é comandado por “cartolas” e alguns “sabedores” dessa área, o que produz com frequência a divinização de alguns poucos e o abandono de milhões de atletas que tem sua sobrevivência e a dos seus familiares comprometida.
Quando o assunto é religião, aí sim é que as coisas se complicam, pois no imaginário brasileiro esta área de forma alguma se discute. Assim, por um lado delega-se a reflexão para os “entendidos”, sejam eles líderes das religiões consideradas “legítimas” ou líderes que atuam, até certo ponto, na “clandestinidade”; por outro, produzem-se “especialistas” quando os indivíduos, a partir de sua experiência setorizada, julgam-se autoridades que não abrem mão de suas certezas. Essas posturas contribuem para inviabilizar estudos sistemáticos sobre as manifestações religiosas, além de impedir a visibilidade dos objetivos, das funções, da razão de ser e incidência dessa dimensão sobre a vida dos que creem. Resulta, também, numa certa ingenuidade, que leva a ver a religião como criação das divindades e, por isso, entendida como intocável e absoluta. Posturas como essas continuam desencadeando e legitimando milhões de mortes em nome de crenças e convicções religiosas sectárias e fundamentalistas.
No campo acadêmico também se constatam alguns entraves, especialmente a partir da concepção racionalista, positivista, impregnada da ideia de que, com o avanço das ciências modernas, a religião teria se tornado supérflua. Este modo de pensar ocupou grande parte dos meios acadêmicos que, ainda hoje, seguem pensando que não é possível fazer ciência sobre o fenômeno religioso e suas manifestações. Por outro lado, como reconhece a BNCC, constata-se também um movimento em diferentes espaços e níveis acadêmicos espalhados pelo país que, pela seriedade das pesquisas e análise interdisciplinar da complexidade do campo religioso, o colocam em debate. São campos de pesquisas que possuem excelentes trabalhos científicos, que em muito contribuem para a compreensão dessa área do conhecimento.
A constatação de que em todos os tempos e lugares o homo sapiens é também um homo religiosus provoca os espaços acadêmicos no sentido de que devem lidar com o fenômeno religioso com maior cuidado e cientificidade, dada a sua importância na organização da vida individual e social. Atitudes nessa perspectiva ajudam a superar os pré-conceitos e a ignorância que resultam em fanatismos intolerantes. Por isso, para a formação integral do ser humano, como quer a BNCC, o conhecimento da dimensão religiosa não pode ser desconsiderado na vida escolar. Diante disso, o Ensino Religioso, como área do conhecimento, deve trabalhar de modo a auxiliar os alunos a interpretarem a realidade e os impulsionar a atuarem na sociedade com postura ética, garantido a justiça nas diferentes dimensões da vida.
Competências e habilidades e o diálogo permanente
O Ensino Religioso será organizado, como propõe a BNCC, por Competências e Habilidades a serem desenvolvidas; e por Objetos de Conhecimento que apontem para a necessidade de uma interação entre o aluno e professor e demonstrem conhecimento histórico-cultural significativo. A BNCC afirma que o Ensino Religioso, assim como os demais componentes do currículo escolar, é “um espaço de aprendizagens, experiências pedagógicas, intercâmbios e diálogos permanentes, que visam o acolhimento das identidades culturais, religiosas ou não, na perspectiva da interculturalidade, direitos humanos e cultura da paz” (p. 437). Considerando esses pressupostos, e em articulação com as competências gerais da BNCC, a área de Ensino Religioso – e, por consequência, o componente curricular de Ensino Religioso – devem garantir aos alunos o desenvolvimento de seis competências específicas:
Para efetivar essa proposta, é importante que o educador se aproprie das competências que devem ser desenvolvidas na Educação Básica. Por isso, como aponta a BNCC, os objetos de conhecimento, a partir das três unidades: — identidades e alteridades; manifestações religiosas; crenças religiosas e filosofias de vida —, devem favorecer a compreensão da estrutura e dos conceitos das religiões, visando sempre a estabelecer as formas de expressão que explicitam, por meio dos costumes, das tradições e da linguagem, aquilo que influencia as relações sociais.
Os objetos de conhecimento apresentados pela BNCC são importantes no campo religioso, como as descrições de rituais das diversas religiões, sua história e práticas, bem como os temas ligados às Ciências Humanas. Tudo isso faz parte do Ensino Religioso, desde que não se esqueça da iniciação prática e teórica à religiosidade enquanto orientadora dos jovens na atual avalanche cultural e religiosa, em um contexto de mudanças muito aceleradas. Se o Ensino Religioso ficar só na informação não contribuirá profundamente na formação da personalidade; já um ensino aprendizagem focado na perspectiva existencial da religiosidade, abordado de maneira que o aluno possa se apropriar do conhecimento religioso, pode encantá-lo e envolvê-lo na construção da paz, sem proselitismo ou doutrinação.
A aprendizagem da religiosidade por meio de experiências, observações, informações, pesquisas e reflexões irá ajudar a o aluno a se posicionar dentro de sua realidade, independente da religião ou filosofia de vida que adote, e a dar respostas aos seus questionamentos existenciais. Por isso, é importante que a escola também produza conhecimentos dos grupos religiosos que constituem o espaço hermenêutico dos alunos, realidade que, pela presença marcante de aspectos religiosos na realidade brasileira, torna-se um convite constante à religiosidade. Por isso, o Ensino Religioso, na perspectiva da religiosidade é “anterior” à confessionalidade ou vai além dela, pois tem a ver com a busca do ser humano em dar sentido às suas ações, e com o propósito de elaborar um projeto pessoal de vida em sintonia com outros projetos para que a dignidade humana seja garantida.
A aprendizagem da religiosidade auxilia na capacidade de interpretar as próprias vivências com o espírito crítico possível na idade escolar. Como reconhece a BNCC, é a abertura ao transcendente na imanência, tanto feita pelos que têm religião como por aqueles que não adotam crenças. Essa abertura ao transcendente abre caminho para o diálogo com as diferentes áreas do saber. Por esta razão os objetos de conhecimento, segundo a BNCC, devem ser trabalhados com uma linguagem própria, porém sempre aberta ao diálogo, à interdisciplinaridade e à interculturalidade.
Para efetivar um trabalho nessa direção é necessária formação qualificada dos profissionais de Ensino Religioso. Considerando a finalidade do Ensino Religioso, com foco no Conhecimento Religioso, a formação que pode melhor preparar o educador é a promovida pela Ciência da Religião, uma vez que busca entender a religiosidade no ser humano e, a partir daí, estuda as expressões, as manifestações, as organizações, os ritos, os símbolos, espaços sagrados, dentre outras dimensões. Assim, o Ensino Religioso, pautado na Ciência da Religião, conforme a BNCC, auxilia na formação de cidadãos comprometidos com a defesa dos Direitos Humanos.
Desencadear a possibilidade de diálogo entre religiosidade e educação é uma tarefa urgente e uma oportunidade que exige mudanças significativas de todos os que consideram suas verdades como absolutas e únicas. O diálogo a partir de diferentes enfoques científicos poderá auxiliar o ser humano a lidar com projetos mais amplos, especialmente na defesa da vida de todos os seres e do planeta. Há questões essenciais que atingem a todos e só a partir da identificação do que efetivamente é comum será possível estabelecer algum diálogo significativo.
A perspectiva do diálogo traz à tona a necessidade de superar a lógica da identificação como um modelo e perceber a diferença, a dialética, a complementaridade e a reciprocidade como caminhos para a lógica do diálogo em todos os momentos e em todas as direções. O ser humano, dada a sua construção cultural etnocêntrica, como também egocêntrica, tem dificuldade em aceitar a diferença. Por isso, o diálogo na diferença é extremamente exigente, pois é preciso abrir mão de posições para poder enriquecer-se do potencial do outro e enriquecê-lo também. Para efetivar esse ensino e a aprendizagem, os processos da vida na escola têm grande responsabilidade e contribuição a dar. Vale aprimorar esta oportunidade, pois assim todos serão beneficiados com maior qualidade de vida com sentido.
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