Fique por dentro das novidades

menu

BNCC

O que é a BNCC?

A BNCC é um documento de caráter normativo que tem como objetivo a promoção da equidade educacional, determinando com clareza o que todos os alunos brasileiros têm o direito de aprender, servindo de referência para os currículos de todas as redes escolares, públicas e particulares, bem como para a elaboração de materiais didáticos e para a formação de professores. É o que se pode ler neste trecho do documento:

Resolução CNE/CP nº. 2/2017
Art. 1o A presente Resolução e seu Anexo instituem a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) como documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais como direito das crianças, jovens e adultos no âmbito da Educação Básica escolar, e orientam sua implementação pelos sistemas de ensino das diferentes instâncias federativas, bem como pelas instituições ou redes escolares.

Aprendizagens essenciais são definidas como conhecimentos, habilidades, atitudes, valores e a capacidade de os mobilizar, articular e integrar, expressando-se em competências; também são definidas como direito de pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. Nesse sentido, as competências são definidas como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores, para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho.

Os fundamentos pedagógicos da BNCC

Foco no desenvolvimento de competências

Por meio da indicação clara do que os alunos devem “saber” (considerando a constituição de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores) e, sobretudo, do que devem “saber fazer” (considerando a mobilização de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho), a explicitação das competências oferece referências para o fortalecimento de ações que assegurem as aprendizagens essenciais definidas na BNCC. Indicando os conhecimentos, habilidades, atitudes e valores que os alunos devem desenvolver (saber) e a mobilização desses conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida e do mundo do trabalho, bem como do exercício da cidadania (saber fazer), as competências explicitadas na Base servem de referência para garantia das aprendizagens essenciais que todos os estudantes brasileiros devem desenvolver.

O compromisso com a educação integral

A sociedade contemporânea exige uma Educação de caráter integral envolvendo no processo educativo: o que aprender, para que aprender, como ensinar, como promover redes de aprendizagem colaborativa e como avaliar o aprendizado. Assim, a BNCC reafirma que a Educação Básica deve visar a uma formação humana global, incluindo as dimensões cognitivas e socioemocionais, promovendo aprendizagens sintonizadas com as necessidades, possibilidades e desafios das diferentes infâncias e juventudes e seu potencial de criar novas formas de lidar com as demandas da sociedade contemporânea.

[...] a BNCC propõe a superação da fragmentação radicalmente disciplinar do conhecimento, o estímulo à sua aplicação na vida real, a importância do contexto para dar sentido ao que se aprende e o protagonismo do estudante em sua aprendizagem e na construção de seu projeto de vida. (BRASIL, 2017, p. 15)

As competências gerais

As 10 Competências Gerais da BNCC aparecem no texto introdutório e transpassam as competências e habilidades específicas de todas as áreas e componentes. Juntas, elas condensam a essência do que se deseja para a formação dos alunos. Por isso, elas devem orientar a reelaboração dos currículos, sendo trabalhadas durante todas as etapas da Educação Básica.

De certa forma, as dez competências gerais podem ser agrupadas à luz dos quatro pilares da Educação ao longo da vida propostos por Delors (1996): aprender a ser, aprender a conhecer, aprender a fazer e aprender a conviver.

As competências relacionadas ao aprender a ser estão associadas às competências gerais da Base, que indicam a necessidade do estudante se conhecer e reconhecer suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas, agindo pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, a fim de tomar decisões, com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.

O pilar aprender a conhecer pode ser desenvolvido por meio das competências que expressam a valorização e utilização de conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade e continuar aprendendo; pelo exercício da curiosidade intelectual e pela abordagem própria das Ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade; e pelo desenvolvimento de senso estético para reconhecer, valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais.

As competências associadas ao pilar do aprender a fazer podem ser desenvolvidas por tudo o que propõe o uso de diferentes linguagens para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos, além da compreensão e utilização e criação de tecnologias digitais de informação e comunicação para produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.

Aprender a conviver é o pilar associado às competências que tratam da valorização da diversidade de saberes e vivências culturais; da argumentação com base em fatos, dados e informações confiáveis para defender ideias, pontos de vista e decisões comuns com posicionamento ético em relação ao cuidado consigo mesmo, com os outros e com o planeta; além do exercício da empatia, do diálogo e da busca pela resolução de conflitos de forma harmônica, com respeito ao outro, acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, sem preconceitos de qualquer natureza.

Como pode ser observado, a Base indica uma forma de desenvolvimento de competências coerente com as exigências da sociedade em que vivemos.

A BNCC e a sociedade digital

A cultura digital tem promovido mudanças sociais significativas nas sociedades contemporâneas. O desenvolvimento das competências previsto na Base como uma forma de preparação para essas mudanças é fundamental, mas não é suficiente para a preparação do jovem e sua inserção em uma sociedade digital.

Assim, os currículos da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, no que tange à tecnologia e à computação, devem ser considerados em três eixos: cultura digital, pensamento computacional e tecnologia digital (BRASIL, 2019).

No eixo cultura digital (letramento digital, cidadania digital, tecnologia e sociedade) situam-se os conhecimentos relacionados às novas formas de comunicação e relacionamento que fazem parte do dia a dia de um cidadão do século XXI. Deve considerar questões relacionadas ao uso indevido das novas plataformas digitais em diversos ambientes e a uma utilização das plataformas digitais em trabalhos coletivos visando ao engajamento do jovem na construção de soluções para os diversos problemas da sociedade contemporânea.

No eixo pensamento computacional (abstração, algoritmos, decomposição, reconhecimento de padrões) destaca-se a necessidade de incluir nos currículos as habilidades necessárias para o desenvolvimento de um raciocínio lógico e estruturado, que é a base para a solução de problemas complexos.

Por fim, no eixo tecnologia digital (comunicação e redes, hardware e software, representação de dados) situa-se a utilização das ferramentas tecnológicas, digitais ou não, para o desenvolvimento de uma aprendizagem mais efetiva para os desafios colocados pelas novas tecnologias.

BNCC e o Ensino Fundamental - Anos Finais

As principais mudanças para os anos finais com a BNCC.

Costuma-se dizer que a etapa mais desafiadora da Educação Básica em nosso país é o Ensino Médio, em função dos baixos índices de aprendizagem e de abandono escolar. Mas, se olharmos com um pouco mais de atenção, veremos que esse desafio, na verdade, começa nos anos finais do Ensino Fundamental. A Tabela 1 mostra, com base nas últimas três avaliações da Prova Brasil, que o Brasil vem tendo uma leve melhora em Língua Portuguesa, mas que ainda estamos muito aquém da meta para 2024, que seria chegar a 70% dos alunos com aprendizado adequado; e em Matemática a situação é de fato muito grave. Nesse caso, estamos literalmente estagnados e num patamar muito baixo. Ou seja, em 2017, de cada 100 alunos que concluíram o 9º ano do Ensino Fundamental, apenas 34 aprenderam o que seria esperado em Língua Portuguesa; em Matemática esse número cai para 15!

Tabela 1. Percentual de alunos com aprendizado adequado em Língua Portuguesa e em Matemática no 9º ano do Ensino Fundamental, com base nos dados da Prova Brasil, nos anos de 2013, 2015 e 2017.


Outra questão ainda desafiadora, além do aprendizado, é a reprovação e o abandono escolar. Com base no Censo Escolar de 2015, 1.779.134 alunos foram reprovados e abandonaram os anos finais do Ensino Fundamental. Se levarmos em conta que o aluno dos anos finais do Ensino Fundamental, com base nos cálculos de custo-aluno do Inep, custa R$ 6.271,00, isso significa que o país perdeu 11,2 bilhões de reais devido à reprovação e ao abandono escolar nessa etapa da Educação Básica!

Para mudar esse quadro de baixa proficiência e de baixo rendimento escolar foi elaborada a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que traz as aprendizagens essenciais que todo o aluno precisa saber ao longo de cada ano da Educação Básica. Isso já está norteando os novos currículos escolares em todo o Brasil. Isso vai, naturalmente, impactar na formação do professor e nas avaliações nacionais.

Analisando a BNCC do Ensino Fundamental – Anos Finais

Ao longo do Ensino Fundamental – Anos Finais, o adolescente passa por transformações importantes, tanto no ambiente escolar — na transição do 5º ano dos anos iniciais do EF para o 6º ano dos anos finais do EF, quando deixa de ter um professor generalista e passa a contar com o professor especialista —, como no plano pessoal, no que se refere ao seu desenvolvimento físico, emocional e social, sem falar quanto a sua capacidade cognitiva e a sua rotina dentro e fora da escola. Por isso, é fundamental que, nessa etapa, a abordagem pedagógica se volte cada vez mais ao estímulo da autonomia e do protagonismo dos estudantes, preparando-os para o ingresso no Ensino Médio. Não é à toa que a BNCC traz dez competências gerais na perspectiva de promover o desenvolvimento pleno dos estudantes, em conformidade com o artigo 205 da Constituição Federal.

Nos anos finais do Ensino Fundamental, a BNCC está organizada por áreas de conhecimento e seus respectivos componentes curriculares, para os quais, por sua vez, estão previstas competências específicas articuladas às dez competências gerais. Uma novidade foi a inclusão da língua inglesa como componente curricular obrigatório. As principais mudanças nos anos finais do Ensino Fundamental podem ser agrupadas em três grandes eixos: tecnologia e cultura digital, protagonismo juvenil e projeto de vida.

Tecnologia e cultura digital

Para essa etapa da Educação Básica podemos considerar a tecnologia e a cultura digital como uma estratégia de criar conexões com os adolescentes das novas gerações. A cultura digital está explicitamente colocada na BNCC na competência geral 5 — “Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva”. No documento da BNCC é ainda explicitado que é importante que a instituição escolar preserve seu compromisso de estimular a reflexão e a análise aprofundada e contribuir para o desenvolvimento, no estudante, de uma atitude crítica em relação ao conteúdo e à multiplicidade de ofertas midiáticas e digitais. Contudo, também é imprescindível que a escola compreenda e incorpore as novas linguagens e seus modos de funcionamento, desvendando possibilidades de comunicação.

Protagonismo juvenil

Espera-se que a escola proporcione um ambiente no qual o adolescente desenvolva cada vez mais a sua autonomia, tanto no que se refere à administração dos seus próprios estudos quanto à sua atuação em sociedade na perspectiva de construir o seu projeto de vida. O protagonismo está fortemente evidenciado na competência 10 — “Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários”. No caso dessa competência destacam-se: a incorporação de direitos e responsabilidades, a tomada de decisões, a ponderação sobre consequências, a análise e incorporação de valores próprios, postura ética, a participação social e liderança, solução de problemas ambíguos e complexos.

Projeto de Vida (PV)

Esse tema será determinante para as escolhas a serem feitas no Ensino Médio. Por isso é fundamental já iniciá-la nos anos finais do Ensino Fundamental. O PV é um processo de planejamento no qual indivíduos buscam o autoconhecimento e estabelecem estratégias para alcançar seus objetivos. No ambiente escolar, o projeto de vida é um componente curricular transversal que estimula adolescentes e jovens a buscar significado em múltiplas dimensões (profissional, social, física, emocional), motiva-os a aprender ao longo da vida, bem como os auxilia a tomar decisões, resolver problemas e lidar com situações inesperadas. Entre as práticas pedagógicas que procuram desenvolver o projeto de vida dos alunos estão sessões de tutoria individual, oficinas de design focadas na empatia, oferta de um currículo flexível e voltado para o mundo real.

Uma educação integral

Independentemente da duração da jornada escolar, o conceito de educação integral com o qual a BNCC está comprometida se refere à construção intencional de processos educativos que promovam aprendizagens sintonizadas com as necessidades, as possibilidades e os interesses dos alunos e, também, com os desafios da sociedade contemporânea, de modo a formar pessoas autônomas, capazes de se servir dessas aprendizagens em suas vidas. A concepção de educação integral tem como propósito maior a formação de estudantes para a autonomia, de forma que eles possam tomar decisões fundamentadas a partir do que são e do que desejam para as suas vidas, considerando seu desenvolvimento pleno. A formação para a autonomia compreende o desenvolvimento intencional de um conjunto de competências cognitivas e socioemocionais, tais como: autoconhecimento, colaboração, comunicação, criatividade, pensamento crítico, entre outras.

Além disso, um conjunto de metodologias integradoras são incorporadas no processo ensino-aprendizagem, tais como educação por projetos, aprendizagem colaborativa, multiletramentos e sala de aula invertida. O grande desafio agora é a formação de professores, tema que está na agenda do Conselho Nacional de Educação num trabalho colaborativo com o Ministério da Educação.






BNCC e ensino de Língua Portuguesa - Parte I

O mundo mudou. Qualquer informação pode ser obtida com apenas um clique. Precisa saber como trocar um filtro de água? Busque um tutorial. Quer escolher um livro para ler na viagem? Acesse um booktuber. Está em dúvida sobre que roupa usar em uma festa de casamento? Experimente digitar #festadecasamento no Instagram. Quer discordar de um trailer que o levou ao cinema para assistir a um filme ruim? Produza um trailer honesto. Todos são capazes de curtir, multiplicar e redesenhar um texto já publicado a todo momento. Isso tudo porque há uma explosão de novas linguagens. A Internet não só tornou a comunicação mais rápida, como também facilitou o surgimento de diferentes formatos de textos e novos gêneros.

A BNCC considera esse panorama e, em suas propostas, prevê aulas de Língua Portuguesa mais vivas, mais comprometidas com o mundo ao redor. Isso significa trazer para a sala o que os alunos já produzem, mas, muitas vezes, sem reflexão, sem consistência. Basta compreender, por exemplo, que, quando os estudantes compartilham imagens de um atentado, podem estar incentivando um discurso de ódio, assunto apontado na primeira habilidade de 6º a 9º ano, no campo jornalístico-midiático:

(EF69LP01) Diferenciar liberdade de expressão de discursos de ódio, posicionando-se contrariamente a esse tipo de discurso e vislumbrando possibilidades de denúncia quando for o caso. (BRASIL, 2017, p. 141)

A BNCC traz mudanças e novidades. Por isso, traz preocupações. Para buscar esclarecer o que se propõe na Base, é preciso discorrer sobre três pontos: primeiro, retomar os conceitos já apresentados desde os Parâmetros Curriculares Nacionais e que sustentarão o trabalho apresentado pelo documento; em seguida, conhecer as categoriais que a organizam para, por fim, compreender as novas habilidades e competências ali previstas e que foram pensadas para estabelecer sintonia com a vida contemporânea.

Logo na apresentação do componente curricular é retomada a perspectiva enunciativo-discursiva que desde os PCN já se afirmava como lente teórica para os estudos do texto, dos contextos em que são produzidos e para o desenvolvimento de habilidades significativas nas práticas de leitura, escuta e produção. Mas aqui também é preciso dar um salto. Afinal, mesmo com o trabalho a partir de gêneros textuais já consolidado, em geral as escolhas predominantes recaem nos da esfera literária, como contos, fábulas, poemas, trechos de romances, narrativas de ficção científica, lendas, etc., ou se estende a gêneros da esfera jornalística, como notícia, reportagem, artigos de opinião. E mais: em geral o trabalho limita-se à camada da estrutura, sem que se considerem o contexto, as condições de produção, as particularidades discursivas de cada esfera. O que aconteceu em salas de aula foi uma troca dos conteúdos de língua para os conteúdos do gênero e, portanto, caracterizá-lo tornou-se quase obrigatório. A cobrança das ‘características’ da fábula, por exemplo, em muitos casos acaba sendo feita sem que o contexto de produção ou de leitura, as intencionalidades e os pontos de vista – que também existem nesse gênero – sejam trabalhados. O trabalho com o gênero foi limitado às suas especificidades estruturais e temáticas, sem que fosse abordado o estilo, entendido, na teoria dos gêneros, como as escolhas de linguagem feitas em função da intencionalidade, da posição que aquele que escreve ou fala quer marcar em relação ao que fala e ao seu interlocutor.

É comum ouvir preocupações quanto à não definição, na BNCC, de quais gêneros devem ser trabalhados em cada ano. Há sugestões, algumas que se repetem em anos diferentes, e até sugestões diversas de gêneros digitais, alguns pouco conhecidos. Com isso, a Base mostra que a seleção conta com muitas possibilidades mas o importante é o trabalho a ser desenvolvido: as habilidades de leitura e produção devem considerar o contexto, as intencionalidades e como as escolhas de linguagem colaboram para cumpri-las, e não mais apenas a estrutura do gênero, como se houvesse um tipo de receita para cada um.

A BNCC reforça, também, a necessidade de se trabalhar as práticas de linguagem, desde as que já costumam se desenvolvidas em sala de aula até as mais contemporâneas, situadas em contextos específicos. Essa decisão aponta para um trabalho que amplia o letramento, isto é, a capacidade de participar de situações diversas de leitura, de escuta e de produção de maneira situada na realidade. Assim, espera-se que os textos sejam discutidos, avaliados, replicados, enfim, compreendidos. Isso representa trazer o texto para a vida, mais especificamente para os contextos vividos, de forma crítica e reflexiva. Nesse sentido, a BNCC organiza as práticas de linguagem (leitura, produção de textos escritos e orais e análise linguística/semiótica) nos campos de atuação, ou seja, nas situações de vida social, nos contextos significativos. Serão quatro os campos considerados para os anos finais e, em cada um deles, todos os eixos devem ser trabalhados.

Ao situar os gêneros nos campos de atuação, a Base marca a ideia de que os textos não nascem ao acaso, mas são produzidos por um sujeito situado social e historicamente, como agente das relações sociais que ele é, que se apropria de modelos experimentados para ser capaz de produzir e compreender seus textos na situação em que está inserido.

Desse modo, a Base dá ênfase ao plano dialógico, em que os alunos conhecem o ‘como dizer’ de um texto em determinado contexto, tornando-se autorizado a ‘dizê-lo’, já que conhece e segue os acordos da situação vivida. Assim, para que o aluno possa participar da vida social, é preciso que conheça, por exemplo, os gêneros do campo da vida pública: “estatuto, regimento, projeto cultural, carta aberta, carta de solicitação, carta de reclamação, abaixo-assinado, petição on-line, requerimento, turno de fala em assembleia, tomada de turno em reuniões, edital, proposta, ata, parecer, enquete, relatório etc.” (BRASIL, 2017, p. 147), e não só os de literatura. Essa posição esclarece um mito muito comum na Educação: os alunos não fazem a transposição das habilidades de leitura de um gênero para a de outro gênero; por exemplo, o trabalho de leitura do gênero conto não garante as habilidades de leitura de um editorial, pois as habilidades necessárias para leitura desses gêneros serão diferentes.

É importante reiterar que, a partir dos campos apresentados e descritos na Base, é possível perceber que se quer um trabalho voltado a práticas diversas. Afinal, trabalho com regimentos ou estatutos não era comum em escolas nem existiam, por exemplo, sequências de atividades com GIFs ou trailers honestos. Considerando essa realidade, é preciso trabalhar, além dos novos gêneros, novas formas de produção, de compartilhamento, de configuração, de interação. Isso porque se antes o aluno escrevia para o professor, hoje, como sujeito social, ele pode publicar posts em qualquer rede social, editar áudios, criar uma playlist, gravar um podcast, reeditar um filme, etc. Em todas essas práticas, ele estará em meio a textos, mergulhados em situações específicas de linguagem e precisa, como sujeito inserido na vida social, considerar as dimensões ética, estética e política de seu papel de produtor de sentidos.

A ideia de que é possível produzir qualquer texto, postar e multiplicá-lo passará por outro ponto fundamental à base: o processo de curadoria. Será assegurado ao aluno um trabalho reflexivo mostrando que ele não pode postar/compartilhar tudo, mas que precisa considerar critérios de seleção do que é adequado, bom, verdadeiro, desenvolvendo, assim, outra habilidade cara à base:

(EF09LP01) Analisar o fenômeno da disseminação de notícias falsas nas redes sociais e desenvolver estratégias para reconhecê-las, a partir da verificação/avaliação do veículo, fonte, data e local de publicação, autoria, URL, da análise da formatação, da comparação de diferentes fontes, da consulta a sites de curadoria que atestam a fidedignidade do relato dos fatos e denunciam boatos etc. (BRASIL, 2017, p. 177)

Essa habilidade retrata a demanda que se coloca para as escolas: trabalhar de forma crítica as novas práticas de linguagem. É importante ressaltar, no entanto, que em momento algum se defende no documento a ideia de abandono das práticas consagradas. O que se impõe é o desenvolvimento de novas habilidades e o trabalho com outros gêneros: a Base traz, por exemplo, a ideia de que compreender um conto é tão importante quanto compreender uma palestra, um meme ou um GIF. O documento argumenta que as escolas precisam desenvolver habilidades pensadas para o mundo contemporâneo e promover a leitura de gêneros que façam parte da vida da criança e do jovem de hoje. A intenção do trabalho de Língua Portuguesa é desenvolver um aluno crítico, capaz de usar novas linguagens por meio de ações de remix, de transformação, de mesclagem, criando outras linguagens, desenvolvendo a criação. É desenvolver um aluno que aprende a aprender.

Para esse desenvolvimento, mais uma vez, a BNCC traz uma questão importante: é preciso visitar o culto e o marginal, a cultura literária e a cultura das massas, as culturas infantis e as juvenis. Em outras palavras, a escola não pode mais se fechar em si mesma, em uma bolha de textos que não dialogam com o mundo. Ainda nesse sentido, mesmo que as práticas sejam as mesmas já desenvolvidas na escola desde sempre — leitura, produção, análise linguística —, é preciso ressaltar que os estudos devam ocorrer em práticas de reflexão, que permitam aos estudantes o desenvolvimento de habilidades contextualizadas. É mister, portanto, que o papel transmissivo do professor seja revisto. Afinal, muitos conhecimentos serão compartilhados. Espera-se que, a partir do conhecimento específico do professor dialogado com os conhecimentos trazidos pelos alunos, sejam desenvolvidas habilidades e competências para os dois grupos.

Não perca a segunda parte do artigo BNCC e ensino de Língua Portuguesa.

BNCC e ensino de Língua Portuguesa - Parte II

Não deixe de conferir a primeira parte do artigo BNCC e o ensino de Língua Portuguesa.

É preciso considerar como a Base define habilidades e competências. Compreendidas como direitos e objetivos de aprendizagem, as habilidades e competências vão apontar as aprendizagens essenciais que devem ser garantidas a todos os alunos. Logo no início, são apresentadas as dez competências gerais, que devem ser desenvolvidas ao longo de toda a Educação Básica:


Em seguida, cada área e seus componentes apresentam suas competências; por exemplo: as específicas de Linguagens e as específicas de Língua Portuguesa. No componente, são apresentadas as habilidades ligadas aos objetos de conhecimento de cada prática. Mais uma vez de forma inovadora, é preciso destacar que as habilidades são definidas a partir do trabalho com os textos que circulam nos diversos campos da atividade humana. Sendo assim, em cada campo, serão apontadas as habilidades de leitura, oralidade, escrita e análise linguística e semiótica.

Para organizar as habilidades ao longo dos anos, foi considerado o princípio da progressão curricular, ou seja, a demanda cognitiva das atividades fica mais complexa a cada ano. Isso implica considerar que um gênero, mesmo que apresentado no 9º ano pela Base, pode ser desenvolvido em anos anteriores referenciado em outras demandas, conforme as habilidades apontadas pelo documento. O que precisa ser garantido, portanto, é o desenvolvimento das habilidades previstas.


Outro destaque da BNCC é o trabalho com a gramática, uma vez que os objetos de conhecimento estão inseridos em um campo de atuação. Desde os PCN, está claro que não é mais possível que sejam analisadas as orações ou os períodos desvinculados dos textos. Todavia, não havia clareza de quais conteúdos deveriam ser desenvolvidos em quais textos. Além de a BNCC trazer um detalhamento em relação a isso, há dois pontos nevrálgicos que precisam ser considerados: o primeiro diz respeito à inserção da prática de linguagem, dos objetos de conhecimento e das habilidades em um campo de atividade. Observe:


Isso reforça a ideia de que não é mais possível ensinar a gramática por ensinar; mais importante do que classificar um período ou uma palavra é escolher o período ou a palavra que atenda à intencionalidade de quem escreve ou fala o texto, produzido em dada situação de comunicação e em um determinado campo de atuação. Além do mais, é preciso considerar as escolhas da BNCC: não será desenvolvida apenas uma análise linguística mas também semiótica, já que o documento aponta para a necessidade de análise das múltiplas linguagens, como requer o estudo dos gêneros digitais, que pede exame do formato, das cores, do tamanho de letra, som, movimento etc.

É importante destacar que, ao final dos quadros de todos os campos desenvolvidos em todos os anos, são apresentados os objetos de conhecimento de análise linguística e semiótica que podem ser estudados em todo e qualquer campo, ou seja, em qualquer gênero. Isso significa que o importante é o aluno compreender a relação entre as escolhas gramaticais e a construção de sentido. Essa compreensão será fundamental para que o aluno seja competente também para fazer as escolhas dele.


Vale ressaltar, ainda, outro ponto positivo da BNCC: as habilidades serão apresentadas de forma articulada. O que isso significa? Significa que, para desenvolver a prática de escrita, por exemplo, são mobilizadas habilidades do estudo da língua, da leitura, da semiose. Observe:

(EF69LP08) Revisar/editar texto produzido – notícia, reportagem, resenha, artigo de opinião, dentre outros –, tendo em vista sua adequação ao contexto de produção, a mídia em questão, características do gênero, aspectos relativos à textualidade, a relação entre as diferentes semioses, a formatação e uso adequado das ferramentas de edição (de texto, foto, áudio e vídeo, dependendo do caso) e adequação à norma culta. (BRASIL, 2017, p. 143)

A habilidade de produção de texto está articulada a várias outras, já que mobiliza outras atividades cognitivas do aluno: uso de recursos de textualidade, formatação, uso da norma culta. A aula precisará levar à reflexão: será preciso desenvolver atividades que deixem claro para o aluno que a produção faz parte de um campo de atuação, de um contexto específico. A gramática, nesse caso, será mobilizada para que seja avaliado o uso contextualizado. Na organização das habilidades, ainda é importante apontar o uso dos modificadores. Por exemplo:

(EF69LP15) Apresentar argumentos e contra-argumentos coerentes, respeitando os turnos de fala, na participação em discussões sobre temas controversos e/ou polêmicos. (BRASIL, 2017, p. 145)

O verbo “apresentar” indica o processo cognitivo que o aluno deve realizar; ele é seguido pelo complemento, que aqui anuncia o objeto de conhecimento: os “argumentos e contra-argumentos”. Mas além disso o período conta com modificadores, que, no caso, apontam uma particularidade que se refere ao contexto no qual se espera que o aluno mobilize essa aprendizagem: “respeitando os turnos de fala” e “na participação em discussões sobre temas controversos e/ou polêmicos”.

A BNCC inova. Traz para a sala de aula os multiletramentos, ou seja, a ideia de que a escola deve abrir as portas para os textos multimodais e para a multiculturalidade. Isso significa que os novos textos, as novas leituras, as novas práticas que estão surgindo da sociedade contemporânea não podem ser ignoradas. É preciso garantir que a Educação se abra para as múltiplas vozes que formam a sociedade, o que fará com que o diálogo se afine e os conflitos possam ser discutidos de forma produtiva. Somente um posicionamento como esse será capaz de levar os alunos a aprendizagens significativas, a participações sociais reflexivas e críticas. E, mais do que isso, somente um trabalho que se abra para os gêneros populares, eruditos, digitais, gêneros com autoria, sem autoria, enfim, a todos os gêneros que circulam diariamente em todos os espaços tornaria a escola viva.









BNCC e ensino de Arte - Parte I

Estamos na vida e, em meio a nossa trajetória, buscamos encontros e realizações significativas, que permitam ver e sentir a nossa presença no mundo. Enquanto professores, buscamos, por meio de nossa força criadora, transformar-nos e transformar o outro. Somos seres singulares e múltiplos; no ato de transformar o mundo, expressamos a nossa presença, nosso saber técnico e poético, um modo particular em ser professor/professora e ensinar. Ao ter notícias de um documento oficial que apresenta premissas para contribuir com nossa prática educativa, como seguimos sem perder a presença em nosso próprio caminhar? Será utopia conciliar nossas histórias, valores e sonhos pedagógicos com propostas curriculares como as da Base Nacional Comum Curricular? Questões que podem nos desafiar, bem como nos causar certo incômodo.

No ensino de Arte, a construção curricular é algo relativamente recente, ainda em construção e debate. Muito do que se trabalha nesse componente está ligado ao repertório do professor, principalmente a sua história, vivência cultural e percurso de formação. Os cursos de Licenciatura para formação de professores em Arte em geral oferecem formação especializada em uma linguagem artística. Pautados na superação da formação polivalente, esses cursos resultaram em avanços na valorização e estruturação da disciplina de Arte na escola. No entanto, o educador, ao ingressar na profissão, pode sentir-se provocado a trabalhar com várias linguagens. Este é mais um desafio que se coloca ao professor, uma vez que os encaminhamentos curriculares divulgados em documentos oficiais defendem o direito legítimo dado ao estudante de conhecer e experienciar, no contexto escolar, as várias linguagens artísticas.

Outro desafio dado ao professor é entender estes documentos e aproximá-los da sua prática docente. Trazendo para os últimos acontecimentos, o professor atualmente se vê imerso neste desafio: compreender o documento apresentado na Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Ao tratar do ensino de Arte, a BNCC apresenta cinco unidades temáticas em que estão citadas as quatro linguagens artísticas: teatro, dança, artes visuais e música, ampliando também para as Artes Integradas. Os encaminhamentos sugeridos no documento propõem que as linguagens artísticas sejam trabalhadas em suas particularidades ou na relação umas com as outras, estabelecendo caminhos interdisciplinares entre as várias expressões artísticas. Apresenta, assim, uma diretriz organizada para nortear a composição curricular em diferentes realidades brasileiras e pautar a prática docente dos professores. Estabelece objetos de conhecimento que podemos comparar a campos conceituais no estudo da Arte, expressos como: contextos e práticas, elementos da linguagem, materialidades, processos de criação, sistemas da linguagem (citados em todas as linguagens); notação e registro musical (citado em especial em música); matrizes estéticas e culturais, patrimônio cultural, arte e tecnologia (citados em especial em artes integradas).

O convite que fazemos a você é olhar para o documento da BNCC no campo da disciplina de Arte como se olhasse um caleidoscópio: ideias criam ideias, se multiplicam, refletem nossas experiências e apontam desafios infinitos na aprendizagem e ensino da Arte. Assim, por meio da nossa conversa, propomos estudar aspectos que podem abrir novas paisagens, novas possibilidades e potencialidades no trabalho ao criar projetos e ações, investigando linguagens, campos conceituais e caminhos para desenvolver habilidades com os estudantes. Usamos aqui a metáfora de um caleidoscópio para falar sobre as infinitas possibilidades de aprender e ensinar arte e cultura, seja ao consultar um documento oficial, livro didático ou outro material de apoio a prática docente.

A construção de currículo em Arte na contemporaneidade não se limita a espaços rígidos e ações pontuais, mas abre infinitos caminhos e escolhas. Para se fazer presente na sua própria prática docente, sendo agente e ator do seu trabalho, o professor pode estudar cada linguagem da Arte em seus objetos de conhecimento percebendo quais conceitos e metodologias podem desenvolver as habilidades básicas, citadas na BNCC em Arte.

Em Artes visuais, por exemplo, propõe-se o estudo dos “contextos e práticas” que visam a desenvolver as habilidades ao “analisar situações nas quais as linguagens das artes visuais se integram às linguagens audiovisuais (cinema, animações, vídeos etc.), gráficas (capas de livros, ilustrações de textos diversos etc.), cenográficas, coreográficas, musicais etc.” (BRASIL, 2017, p. 207). O que o professor conhece sobre esses aspectos? Que projetos podem desencadear boas experiências artísticas com os estudantes? O que é interessante ressaltar dentro do contexto cultural e da faixa de idade dos estudantes? Como planejar os percursos, gerenciar os momentos de aprendizagem, estabelecer combinados, critérios de avaliação do processo de aprendizagem e do produto do trabalho, entre outras providências pedagógicas?

É possível que o professor já tenha se deparado com esses desafios, mas agora eles se mostram organizados dentro um campo de estudo, associado a um objeto de conhecimento e a uma linguagem da arte. Nesse sentido, a organização de um currículo se torna positiva, pois deixa mais transparente o que ensinar, para quem, porque e como. Vejamos outro exemplo: na linguagem da Música, propõe-se o estudo da “notação e registro musical”, entendido no documento como um objeto de conhecimento, para desenvolver as habilidades de:

(EF69AR22) Explorar e identificar diferentes formas de registro musical (notação musical tradicional, partituras criativas e procedimentos da música contemporânea), bem como procedimentos e técnicas de registro em áudio e audiovisual. (BRASIL, 2017, p. 209)

Ao propor esse estudo, o professor pode oferecer aos estudantes momentos de escuta sensível e atenta de músicas de diversos gêneros e estilos. Num primeiro momento, a partir dessa nutrição estética (apreciação) e exercício de percepção, poderá propor que os alunos concebam partituras diferenciadas, criativas, usando, por exemplo, formas livres ou geométricas, linhas, pontos, cores, etc. Dessa maneira, a percepção e análise de movimentos sonoros, a direção de melodias, os momentos de maior ou menor densidade, etc. poderão se refletir nos registros feitos. Além disso, poderão ser contemplados também na representação gráfica dos sons a escuta e discernimento dos parâmetros sonoros: a nível da duração (sons longos e curtos), da intensidade (sons fortes e fracos), da altura (sons graves e agudos), bem como o nível dos timbres resultantes de diferentes fontes sonoras. Essas experiências devem ser valorizadas como introdução ao estudo da música e são auxiliares importantes para o desenvolvimento da criatividade em sentido amplo (escuta, composição, notação e interpretação). Em Teatro, no estudo do objeto de conhecimento “elementos da linguagem”, o professor poderá desenvolver planejamento e ação pedagógica para que os estudantes possam:

(EF69AR26) Explorar diferentes elementos envolvidos na composição dos acontecimentos cênicos (figurinos, adereços, cenário, iluminação e sonoplastia)” e reconhecer seus vocabulários. (BRASIL, 2017, p. 209)

Nesse estudo, os estudantes podem se debruçar sobre a pesquisa da história do figurino teatral (dentro de um contexto histórico, cultural ou regional), ou a criação de ideias para figurinos ou cenários (esboços, projetos, maquetes, textos descritivos e outros). Uma possibilidade é escolher trechos de obras literárias que podem ser adaptadas para a linguagem teatral, explorando a leitura e criação de textos dramáticos (dramaturgia teatral), estabelecendo aqui, inclusive, uma relação interdisciplinar com Língua Portuguesa, uma vez que, na BNCC, algumas habilidades de Arte se relacionam com outras desse componente como, por exemplo:

(EF67LP29) Identificar, em texto dramático, personagem, ato, cena, fala e indicações cênicas e a organização do texto: enredo, conflitos, ideias principais, pontos de vista, universos de referência. (BRASIL, 2017, p. 169)

Nesse sentido, há potências de ações pedagógicas no estudo da BNCC que permitem que professores de diferentes disciplinas criem juntos projetos integrando saberes e desenvolvendo habilidades. Na linguagem da Dança, assim como em outras, encontramos a preocupação em estudar o processo de criação. Na dança há várias maneiras de investigação e propostas para desenvolver habilidades na ação criadora. Entre essas podemos citar a importância em o estudante saber analisar sua história e identidade corpórea e, assim, saber:

(EF69AR15) Discutir as experiências pessoais e coletivas em dança vivenciadas na escola e em outros contextos, problematizando estereótipos e preconceitos. (BRASIL, 2017, p. 207)

O objeto de conhecimento Elementos de linguagem, na parte do documento relativa a Dança, estabelece momentos de investigação para conhecer o corpo, a materialidade expressiva na linguagem corporal, propondo:

(EF69AR11) Experimentar e analisar os fatores de movimento (tempo, peso, fluência e espaço) como elementos que, combinados, geram as ações corporais e o movimento dançado. (BRASIL, 2017, p.207)

Com base nisso, o professor poderá desenvolver projetos de estudos e criação artística em que o estudante aprenda a conhecer a fisiologia do próprio corpo, refletindo sobre suas experiências, e a perceber a dinâmica e a expressividade de movimentos dançados, conhecendo e se expressando nessa linguagem na escola e na sua vida sociocultural.


Não perca a continuação de BNCC e ensino de Arte no próximo artigo.

BNCC e ensino de Arte - Parte II

Não deixe de conferir a primeira parte do artigo BNCC e ensino de Arte.

O termo Artes integradas aparece na BNCC como um campo expandido no estudo das linguagens da arte, uma vez que, principalmente no contexto da contemporaneidade, há inúmeras manifestações artísticas e culturais em que se vê mais de uma linguagem expressa em uma mesma produção artística. São também conhecidas como linguagens híbridas, já que misturam processos, materialidades, códigos e outros aspectos que compõem uma obra artística. No objeto de conhecimento Arte e tecnologia, por exemplo, propõe-se desenvolver habilidades dos estudantes de:

(EF69AR35) Identificar e manipular diferentes tecnologias e recursos digitais para acessar, apreciar, produzir, registrar e compartilhar práticas e repertórios artísticos, de modo reflexivo, ético e responsável. (BRASIL, 2017, p. 211)

Nesse sentido, o professor poderá criar situações de aprendizagem em que os estudantes usem saberes já incorporados na sua vida sociocultural cotidiana nas propostas de criação e análise no universo da arte. Poderá, por exemplo, propor a criação de fóruns virtuais para debates sobre produções artísticas recentes que usam tecnologias, discutir o papel da web na veiculação de imagens e sons, propor o uso responsável e pedagógico de celulares para fotografar, filmar e compartilhar produções artísticas realizadas no ambiente escolar, bem como fazer uso de tecnologias para criar desenhos de animação, fazer edição de foto e vídeo, criar composição musical, projetar imagens em intervenções urbanas e toda uma infinidade de possibilidades que o mundo tecnológico contemporâneo oferece.

Muitas ideias podem deflagrar a construção curricular do ensino de Arte na escola a partir da BNCC, mas, como já afirmamos em forma de metáfora, é preciso olhar para esse documento com visão caleidoscópica. Também é importante ter em mente que a BNCC não traz um roteiro definindo de metodologias e caminhos pedagógicos; ela aponta campos conceituais, ou seja, saberes a serem investigados, experiências artísticas a serem vivenciadas e habilidades básicas a serem desenvolvidas. Nesse universo cabe aos professores perceber o que é essencial ensinar em cada ano e nas diferentes “linguagens artísticas”, citadas na BNCC como “Unidades Temáticas”.

A BNCC ainda convida o professor a pensar e trazer para sua prática ações que garantam a presença das dimensões do conhecimento entendidas como diretrizes, que podem ajudar os professores a compreender melhor como trabalhar para desenvolver o potencial do aluno nos âmbitos de criação, crítica, estesia, expressão, fruição e reflexão. Vale lembrar que cada uma dessas dimensões do conhecimento está proposta de modo transversal, de modo não sequencial ou hierárquico; assim, podem estar presentes em todas as Unidades Temáticas (linguagens artísticas), nos diferentes campos conceituais (objetos de conhecimento) e colaboram para desenvolver as diferentes habilidades propostas na BNCC.

Vale destacar que essas premissas curriculares supõem o professor como um propositor de percursos poéticos, estéticos, artísticos e educativos. Desse modo, ele precisará refletir para escolher, planejar, realizar, gerenciar projetos e tempos, fazer combinados com os estudantes, envolvendo-os no processo de ensino e aprendizagem de modo a formar sujeitos autônomos e responsáveis, entre outras ações e decisões. Terá também de buscar materiais de apoio. Nesse sentido, a escolha de um livro didático pode ser um facilitador do percurso, mas este deve ser escolhido com critérios e cuidado, a fim de que dialogue com as intencionalidades pedagógicas do professor.

Sabemos que precisamos sempre ter em mente que, ao trilhar seu percurso pedagógico, o professor traz o seu modo de transitar pela vida. Na relação com os estudantes, coloca em contato seu repertório, suas histórias e experiências com o que trazem os estudantes. Assim, é preciso manter-se aberto a perceber o que já sabe e o que precisa descobrir e aprender, envolver-se no fluxo da vida docente, entre deslocamentos, tensões e descobertas de conhecimentos em Arte, estudar sobre os novos e antigos conceitos, contextos, concepções de arte e de ensino de arte. É nesse movimento que pode construir sua autonomia, escolher seu jeito pessoal e poético de se colocar no mundo, tecendo sua história individual e contribuir enquanto sujeito ativo para a história do ensino da Arte.

BNCC e ensino de Língua Inglesa - Parte I

A visão que a BNCC nos apresenta para a Língua Inglesa como componente curricular do Ensino Fundamental – Anos Finais nos leva à necessidade de refletir sobre as nossas práticas pedagógicas. Na Base, o inglês deixou de ter o status um idioma estrangeiro e passou a ser considerado como uma língua franca, ou seja, uma língua cuja relevância está na sua função social e política, dada sua importância não apenas para quem a fala como língua de origem (ou primeira língua), mas também para quem a fala como segunda língua, ou como língua adicional.

Considerar o inglês como língua franca muda nossas expectativas de aprendizagem e, consequentemente, nossos objetivos de ensino:

• A função social e política da língua é objetivo majoritário: precisamos dar menor ênfase no ensino de conteúdos de língua (estruturas e vocabulário isolado) para priorizar o ensino de conteúdos que facilitem a comunicação.

• A ideia de cultura não se limita à discussão de eventos culturais isolados: é necessário priorizarmos discussões sobre os papéis sociais da língua e sobre o entendimento inter e transcultural. Compreender como a língua funciona em uma sociedade e como é importante para a construção identitária daqueles sujeitos é fundamental.

• O papel sociopolítico da língua precisa ser discutido: nossos estudantes precisam compreender as relações de poder estabelecidas em torno das línguas e o quanto os horizontes deles se ampliam quanto mais e melhor forem capazes de se expressar e de entender o mundo por meio de línguas adicionais.

A BNCC aponta três motivações para o ensino do inglês no currículo:

a) Um caráter formativo para o idioma: o inglês precisa facilitar a comunicação com qualquer falante desse idioma no mundo. Então, nosso foco não está no inglês territorializado (inglês, americano, australiano, etc.) e sim em um inglês que permita compreender e se fazer compreendido por todos. Aqui, é importante ressaltar que é preciso:

• priorizar o desenvolvimento de competências que permitam a comunicação, e não o ensino isolado de palavras e estruturas gramaticais: como apresentar-se em uma situação possível no exterior, como vivenciar uma situação de alfândega, como inscrever-se para uma oportunidade de estudos ou trabalho no exterior, etc.;

• escolher conteúdos que apoiem o desenvolvimento de estratégias de comunicação que ajudem o estudante a superar os limites do seu conhecimento no idioma: como perguntar o que não sabe, como saber se um determinado comportamento é adequado em uma dada cultura, etc.

b) Uma formação para o letramento e os multiletramentos: é preciso que os estudantes tenham consciência do mundo de oportunidades que se abre para os bilíngues, e que se vejam como capazes de alcançar a condição de bilíngues. Para isso, é necessário:

• demonstrar recursos que nos permitem compreender uma mensagem, mesmo não tendo domínio total do vocabulário e das estruturas: ensinar a observar imagens, títulos, características que evidenciam o gênero textual, o suporte textual, etc.;

• desenvolver habilidades de pesquisa por meio dos letramentos digitais, que podem facilitar o entendimento rápido de uma mensagem por meio de pesquisas simples em tradutores virtuais, por exemplo;

• sensibilizar os estudantes para a necessidade de observação constante do entorno, que sempre nos dá pistas que facilitam a compreensão da língua em seu contexto cultural: como as pessoas se cumprimentam, como se dirigem a locais públicos, como metrô, restaurantes, museus, etc. É importante observar para além da língua: é na linguagem como um todo que as mensagens mais importantes estão, e não em elementos isolados, ou apenas naquilo que os livros apresentam.

c) Um modelo de ensino e aprendizagem que contemple as necessidades da comunicação moderna em qualquer idioma: é necessário priorizar a comunicação em detrimento da forma; as competências em detrimento do conhecimento explícito da língua. Para isso, é necessário:

• desenvolver competências socioemocionais: não é fácil sentir-se confortável quando não se sabe “exatamente” o que dizer. Podemos exercitar situações assim em nossas aulas: o que podemos fazer quando não sabemos o nome de um objeto que queremos comprar? Onde podemos encontrar informações sobre esse objeto, como configurações de um eletrônico, diferentes modelos disponíveis para um eletrodoméstico, ou vestimenta adequada para um evento social? É preciso que os estudantes discutam possíveis dificuldades que poderiam desestabilizá-los emocionalmente e que compreendam que, no mundo atual, é normal não saber, mas é absolutamente necessário saber como descobrir o que não se sabe;

• discutir fontes de apoio ao conhecimento na língua: é preciso que nossos estudantes conheçam boas fontes de suporte, tanto físicas quanto digitais: bons dicionários físicos, boas fontes de pesquisas digitais, para quem pedir informação em situações diferentes, a que lugares recorrer em caso de dificuldades e problemas, como a perda de um passaporte, por exemplo.


Continuaremos a discutir o assunto no próximo artigo, não perca.

BNCC e ensino de Língua Inglesa - Parte II

Não deixe de conferir a primeira parte do artigo BNCC e ensino de Língua Inglesa.

A partir das três motivações vistas no artigo anterior, a BNCC propõe cinco eixos para o ensino de inglês: oralidade, leitura, escrita, conhecimentos linguísticos e dimensão intercultural. Em relação a esses eixos, é importante que nós, professores, tenhamos em mente que:

a) o trabalho com a oralidade precisa ser constante. Para isso,

• conduza suas aulas em inglês, sempre que possível enfatizando os comandos básicos da aula sempre em inglês e trabalhando constantemente as “high frequency words” (palavras de alta frequência no idioma);

• estabeleça com os estudantes um pacto do tipo “What I know in English, I say in English”. Isso fará com que palavras simples, como “please”, “thank you”, “may I drink some water” passem a ser utilizadas em inglês durante a aula;

• mantenha sempre em mãos o acesso a algum apoio digital, como um dicionário online. Use os recursos que a escola tiver para isso, incluindo o seu celular para pesquisa instantânea;

• trabalhe muito com músicas, vídeos e outros recursos multimídia. Eles ajudam os estudantes a memorizar expressões que ampliarão a fluência e a pronúncia de boa qualidade.

b) o trabalho com a leitura precisa encantar os estudantes:

• Faça uma pesquisa sobre os interesses deles e traga textos curtos sobre os temas de que eles gostam.

• Faça, com os estudantes, uma leitura breve da unidade do livro didático que permita levantar os temas que serão abordados. Então, faça com eles um quadro KWL: O que eu sei sobre isso (what I KNOW about this subject), o que eu quero saber sobre ele (what I WANT to know about this subject) e, posteriormente, preencha o L com o que aprendemos juntos sobre o tema (What we have LEARNED about the subject). Após o levantamento de conhecimento prévio e o de expectativas de aprendizagem (K e W), discuta com eles procedimentos de pesquisa: agrupamentos, funções nos grupos, temas para cada grupo, e, finalmente, como as pesquisas serão compartilhadas.

• Estude com eles a unidade do livro com o objetivo de enriquecer as colunas da pesquisa: peça que encontrem nos textos informações que já sabiam, que aprenderam, ou aquelas sobre as quais querem saber mais.

• Esclareça que a compreensão do todo não depende da compreensão individual de cada palavra ou sentença. Enfatize o desenvolvimento de inferências também sobre o sentido de palavras desconhecidas.

c) o trabalho com a escrita é um processo que pode transcorrer paralelo ao das outras áreas das Linguagens. • Estude gêneros textuais em inglês e ajude os estudantes a identificar as características a partir do que sabem sobre o gênero em português.

• Forneça modelos textuais prontos ou construa com eles um texto coletivo antes que se dediquem à construção de textos individuais.

• Escolha temas relevantes, cuja escrita seja significativa para eles. Nessa idade, falar sobre ídolos, cinema, esportes, planos para o futuro, são alguns dos temas que podem ser explorados em textos curtos.

• Incentive pesquisas em recursos também digitais para apoiar a escrita dos textos e forneça “frases prontas”, que possam apoiar a escrita individual.

• Os conhecimentos linguísticos podem ser mais facilmente assimilados quando fazem sentido para os estudantes. Portanto, o ensino linear do idioma é menos importante do que o ensino daquilo que se faz necessário no momento. Se o estudante quer dizer “eu nunca tive a oportunidade de viajar de avião”, antecipe o Present Perfect. Fará muito mais sentido para ele do que ensinar a estrutura apenas quando aparece no livro didático. Amplie a discussão para outras coisas que nunca tivemos a oportunidade de fazer e transforme o que poderia ser um problema em uma oportunidade de aprendizagem muito mais significativa para os estudantes.

d) a dimensão intercultural amplia a motivação para aprender um idioma:

• Transforme em pesquisa aquilo que você não pode ensinar sozinho: quais foram as reações sobre a notícia X em diversos países do mundo? Por que vocês acham que as pessoas daquele lugar agiram daquela forma?

• Enfatize o tempo todo que não há correto e incorreto em cultura: há diferenças, e o convívio com a diversidade nos leva a aprender a conviver com as diferenças.

• Discuta com os estudantes que dificuldades eles acham que teriam se vivenciassem uma experiência de permanência por um período em lugares cuja cultura é muito diferente da nossa. Tire-os dos limites de pensar sobre Estados Unidos, Inglaterra e lugares mais comuns. Incentive a discussão a partir de pesquisas sobre territórios mais desconhecidos para eles, como Dinamarca, Islândia, países na África, etc.

E, para tudo o que você fizer em sala de aula, lembre-se de que a ferramenta mais poderosa que possuímos para aprender línguas adicionais é a nossa língua materna. Para compreender melhor a importância dessa relação, leia alguns dos textos da professora Ofelia García e sua equipe, publicados em: <https://ofeliagarcia.org/publications/> (acesso em: 18 jun. 2019). Estude especialmente os textos que tratam do tema da translinguagem, que é exatamente essa ligação intrínseca das línguas de um bilíngue emergente (que, no passado chamávamos de aprendiz de língua), ligação essa que nos torna únicos e materializa em nós um discurso que se constrói a partir das nossas melhores escolhas nas línguas que dominamos.

BNCC e ensino de Educação Física - Parte I

Muitas mudanças acompanham esta nova fase da Educação, que chega com o estabelecimento da Base Nacional Comum Curricular. Para a Educação Física, as mudanças foram bastante importantes, pois foram definidos conteúdos e objetivos de modo mais específico para os segmentos e para os anos. Foi proposta uma sistematização dos conteúdos, foram indicadas as competências específicas da disciplina e sugeridas dimensões do conhecimento que antes eram pouco valorizadas.

Essas mudanças sinalizam importante e bem-vinda mudança de paradigma sobre a Educação Física na escola, porém essa mudança só ocorrerá se nós, professores, nos empenharmos em promovê-la. Este é o momento! Um momento em que o desafio e a oportunidade caminham em paralelo.

Este texto apresenta as principais mudanças no ensino da Educação Física que a Base Nacional Comum Curricular propõe. Poderíamos discorrer sobre os aspectos técnicos apontados no documento, como a estruturação dos conteúdos e objetivos em unidades temáticas, objetos de conhecimento e habilidades, sobre as competências gerais e específicas propostas para a disciplina, sobre a divisão por áreas de conhecimento, que insere a Educação Física na área de linguagens, ou sobre a distribuição dos conteúdos em biênios e triênios. Porém, como todas essas informações constam no documento de modo claro, acreditamos que dialogar um pouco sobre as mudanças na Educação e mais especificamente da Educação Física que a BNCC propõe possibilitariam reflexões sobre a atuação dos professores que julgamos importantes nesse momento.

Desde os anos 1980, acadêmicos têm se envolvido em discussões que possibilitaram reflexões importantes sobre o papel da Educação Física na escola. Dessas discussões surgiram diferentes abordagens desse componente, cada uma com um enfoque próprio. Tais discussões, por um lado, provocaram mudanças em modelos anteriormente praticados que não atendiam mais às necessidades da educação escolar, mas, por outro, não promoveram consenso sobre pontos importantes, como, por exemplo, qual seria o objeto de estudo da Educação Física na escola ou quais conhecimentos devem ser sistematizados.

Um dos papéis importantes que a BNCC cumpre é a possibilidade de integração das abordagens. Para isso é necessária uma compreensão atenta sobre o que o documento apresenta em termos gerais e, mais especificamente, sobre a Educação Física.

Iniciaremos com uma reflexão sobre as recentes mudanças na Educação, que vêm acontecendo há tempos no mundo e em casos pontuais no Brasil. A BNCC propõe que essas mudanças sejam feitas em larga escala, atingindo todas as escolas brasileiras.

Primeiramente, pensemos sobre a evolução da função social da escola. Inicialmente a escola se definia como instituição responsável pela transmissão dos conhecimentos necessários para que os estudantes, ao final do percurso escolar, pudessem atuar na sociedade. Nessa lógica, cada componente curricular procurava ensinar o máximo de conteúdos possível, visto que essa seria a única oportunidade de se transmitir conhecimentos considerados fundamentais para que os alunos atuassem na sociedade em sua vida adulta. O resultado, como todos sabem, foi a proposição de currículos extensos e superficiais. Aprendia-se muito, mas com pouca profundidade.

Hoje a informação está facilmente acessível e circula intensamente. Conceitos mudam da noite para o dia, surgem novas profissões que exigem conhecimentos novos num ritmo que a escola não consegue acompanhar. Nessa perspectiva, não faz mais sentido a escola se apoiar apenas na transmissão de uma grande quantidade de conteúdos. A escola deve ensinar os alunos a buscar, selecionar, produzir e utilizar conhecimentos reconhecendo que isso lhes dá a oportunidade de modificar a sua realidade e a realidade dos outros de forma ética e socialmente responsável.

Esse é o princípio do modelo por competências proposto pela BNCC. Nela são sugeridas as aprendizagens essenciais, traduzidas nas habilidades, que atuariam em conjunto para o desenvolvimento das competências. Esse ponto é central: as competências propõem uma mudança estrutural no foco da aprendizagem. A Base também propõe uma mudança nas dimensões intelectuais, físicas, afetivas, sociais e culturais, promovendo a equidade, o respeito às diferenças, sustentando que todos têm capacidade de aprender.

Os conteúdos são importantes ferramentas de desenvolvimento de competências, mas deve-se ter claro que aprender conteúdos não significa desenvolver competências. Vamos dar um exemplo: algumas habilidades da Educação Física propõem que os alunos experimentem as práticas corporais respeitando as diferenças de desempenho. Um aluno pode considerar que diferenças pessoais de desempenho durante a realização de uma atividade podem “atrapalhar” a atividade. Desenvolver a empatia por outro aluno que tenha um desempenho inferior ao dele, incluí-lo e apoiá-lo na prática integram as preocupações da Base que considera esses valores fundamentais para a construção de uma sociedade mais equânime. É preciso, então, propor momentos de compartilhamento de sensações, diálogos, reflexões e práticas que levem os alunos a desenvolver a empatia.

Mas, na prática, como isso funciona? Uma das propostas importantes na BNCC é a definição das aprendizagens essenciais, que nela aparecem como habilidades. Uma habilidade é dividida em três componentes:

• Processo cognitivo: verbos (um ou mais) explicitam os processos cognitivos envolvidos na habilidade.

(EF67EF03) Experimentar e fruir esportes de marca, precisão, invasão e técnico-combinatórios, valorizando o trabalho coletivo e o protagonismo. (BRASIL, 2017, p. 233)

• Objeto de conhecimento: são complementos (um ou mais) dos verbos, que explicitam os objetos de conhecimento mobilizados na habilidade.

(EF67EF03) Experimentar e fruir esportes de marca, precisão, invasão e técnico-combinatórios, valorizando o trabalho coletivo e o protagonismo. (BRASIL, 2017, p. 233)

• Modificadores: explicitam o contexto e/ou uma maior especificação da aprendizagem esperada.

(EF67EF03) Experimentar e fruir esportes de marca, precisão, invasão e técnico-combinatórios, valorizando o trabalho coletivo e o protagonismo. (BRASIL, 2017, p. 233)

As habilidades propostas devem servir de base para a elaboração do currículo das escolas. Os professores podem e devem desenvolver habilidades a partir das que estão propostas na BNCC em três lógicas: aprofundamento, complementação e contextualização. Vamos dar um exemplo do trabalho com as habilidades a ser desenvolvido pelo professor. Primeiro, deve-se ter claro o que a habilidade propõe. Para isso, utilizaremos como modelo uma habilidade do 6º ano:

(EF67EF01) Experimentar e fruir, na escola e fora dela, jogos eletrônicos diversos, valorizando e respeitando os sentidos e significados atribuídos a eles por diferentes grupos sociais e etários. (BRASIL, 2017, p. 233)

Agora vamos analisar essa habilidade verificando o seu significado, ou seja, as aprendizagens que ela propõe.

Experimentar jogos eletrônicos significa se apropriar de aprendizagens que só podem ser acessadas pela experiência corporal, ou seja, devem ser efetivamente vivenciadas. O fruir alude ao aluno poder desfrutar da realização de uma determinada prática corporal ou apreciá-la quando realizada por outros. Jogos eletrônicos são os que se utilizam de tecnologia e podem ser jogados em celulares, tablets, computadores pessoais ou em equipamentos criados para esse uso, chamados de consoles. Valorizar e respeitar sentidos e significados atribuídos a eles por diferentes grupos sociais e etários significa compreender que os jogos eletrônicos são potencialmente aderentes em termos comportamentais e que as pessoas se utilizam dessas práticas para fim educacional, profissional ou de divertimento.

Após a compreensão do significado da habilidade, deve-se propor a criação de novas habilidades numa lógica de contextualização, aprofundamento e complementação. O aprofundamento e contextualização podem considerar cinco dimensões, presentes nas descrições de diversas habilidades da BNCC.

Estruturas do corpo
Propõe aprendizagens que permitam ao aluno reconhecer que o corpo humano é estruturado para realizar movimentos, bem como as alterações que ocorrem nas estruturas durante as práticas corporais e outros movimentos que realizamos em nosso dia a dia. Aborda aspectos musculoesqueléticos, fisiológicos, biomecânicos e neuromusculares do movimento humano.

Habilidades motoras
Propõem aprendizagens sobre as habilidades motoras, que são movimentos que aprendemos, incorporamos ao nosso acervo motor e que podem ser aprimorados com a prática.

Capacidades físicas
Capacidades físicas são características que nossos movimentos apresentam e que podem ser aprimoradas tanto para saúde como para desempenho esportivo, como, por exemplo, força muscular, flexibilidade, equilíbrio, ritmo, tempo de reação, coordenação motora, entre outras.

Relação com o ambiente físico
Aprendizagens sobre os movimentos que se realizam em diversos ambientes físicos, o que inclui relacionar os movimentos realizados nos espaços como areia, grama, terra, espaços amplos, espaços restritos, espaços naturais, espaços urbanos, dias quentes, dias frios, numa relação de adaptação, interação e transformação.

Relação com o ambiente social e a cultura
Essa dimensão propõe aprendizagens acerca das práticas corporais em aspectos culturais, sociológicos e antropológicos. A proposição de novas habilidades possibilitará dar sentido ao currículo de acordo com a realidade local. Uma vez desenvolvidas essas habilidades, os professores devem relacioná-las às competências gerais: mais uma vez, não basta aprender algo, é preciso desenvolver as competências.


No próximo artigo, discutiremos sobre como a Educação Física foi estruturada na BNCC.

BNCC e ensino de Educação Física - Parte II

Não deixe de conferir a primeira parte do artigo BNCC e ensino de Educação Física.

Estrutura da Educação Física na BNCC

A BNCC foi organizada em unidades temáticas, objetos de conhecimento e habilidades. Para o Ensino Fundamental foi proposto o seguinte formato:

Observe que as unidades temáticas estão dispostas em biênios e triênios. Os objetos de conhecimento e habilidades também estão divididos desse modo. Observe que as unidades temáticas se repetem em todos anos. Ao elaborar o seu currículo, o professor precisa se lembrar de contemplar todas em cada ano, acrescentando, no 8º e 9º anos, Práticas corporais de aventura. Apesar de a BNCC propor alguns critérios de progressão para o trabalho com cada unidade temática, uma análise mais detalhada mostra que, de acordo com a realidade da escola, nem sempre é possível adotar esses critérios. Por exemplo: na BNCC, as unidades temáticas de brincadeiras e jogos, danças e lutas estão organizadas em objetos de conhecimento conforme a ocorrência social dessas práticas corporais, das esferas sociais mais familiares (localidade e região) às menos familiares (esferas nacional e mundial). Observe na tabela abaixo o percurso da unidade temática “brincadeiras e jogos” ao longo do Ensino Fundamental:

Se uma escola está inserida numa comunidade quilombola ou indígena, o mais familiar aos alunos são as brincadeiras e jogos de matriz indígena e africana; portanto, para essa realidade, esse deveria ser o objeto de conhecimento do 1º e 2º ano e não do 3º ao 5º. Nessa lógica proposta pela BNCC, os alunos iriam aprender sobre brincadeiras e jogos de matriz indígena e africana durante os cinco anos iniciais do Ensino Fundamental. Outro ponto questionável é a presença dos jogos eletrônicos como objeto de conhecimento no 6º e 7º ano. Considerando os critérios de progressão da BNCC, de acordo com a realidade local, os jogos eletrônicos são mais familiares aos alunos do que, por exemplo, jogos de matriz africana ou indígena.

Um dos desafios impostos por essa configuração é o de organizar as habilidades no currículo de modo que contemplem os biênios e que ao mesmo tempo façam sentido para a realidade local.

Mudanças importantes

Uma análise superficial da BNCC leva a uma visão equivocada de que os alunos, nas aulas de Educação Física, irão aprender a jogar, brincar, dançar, lutar, praticar um esporte ou a ginástica. Consideramos importantíssimo que os alunos experimentem essas práticas corporais, que constituem aprendizagens na lógica do saber fazer. Entretanto, apenas realizar práticas corporais não contempla o desenvolvimento das habilidades propostas pela BNCC. Os alunos devem aprender sobre o jogar, aprender sobre o lutar, aprender sobre o dançar, dando sentido às experimentações que realizam. Essa perspectiva alinha a Educação Física aos objetivos da escola como um local de aquisição de conhecimentos específicos, que não podem ser aprendidos em outros locais.

Nessa lógica, a BNCC propõe, para a Educação Física, que se privilegiem as oito dimensões do conhecimento, distribuídas conforme esquema abaixo:

OBJETIVOS

CONCEITUAIS
SABER SOBRE

Reflexão sobre a ação
Análise
Compreensão

PROCEDIMENTAIS
SABER FAZER

Experimentação
Uso e apropriação
Fruição

ATITUDINAIS
SABER SER E CONVIVER

Construção de valores
Protagonismo comunitário

DIMENSÕES DO CONHECIMENTO DA EDUCAÇÃO FÍSICA

As dimensões do conhecimento propõem aprendizagens na perspectiva do saber sobre, que corresponde a aprendizagens conceituais sobre as práticas corporais; o saber fazer, que se refere a aprendizagens de procedimento; e o saber ser e conviver, que se refere a aprendizagens de atitudes e valores.

A Educação Física esteve, durante muito tempo, associada a dimensão do saber fazer. É comum ouvirmos as pessoas relatarem que fizeram Educação Física e estudaram Matemática, Português e outras disciplinas. Isso ocorre porque as pessoas não reconhecem o saber fazer como um conhecimento e muito menos um conhecimento a ser valorizado na escola. Podemos atribuir isso a dois motivos: (1) as pessoas têm dificuldade de compreender que o movimento ou o “fazer” é um conhecimento e (2) nós, professores de Educação Física, temos dificuldade em explicar que o “fazer” é um conhecimento. Em geral, a resposta envereda para aspectos atitudinais, como socialização, respeito, saber ganhar e perder, etc. Aspectos atitudinais são muito importantes, mas não são específicos da Educação Física. Essa questão há muito vem sendo discutida na Educação e na Educação Física e o modelo de aprendizado por competências nos auxilia nessa discussão. Vamos utilizar um exemplo clássico: andar de bicicleta. Se pedirmos para alguém que sabe andar de bicicleta que explique como o faz, a resposta talvez não seja muito diferente de “eu subo, dou impulso e saio pedalando”.

Isso significa que, para saber andar de bicicleta, não é necessário saber sobre as leis da física, o material que constitui a bicicleta ou os músculos que iremos utilizar para pedalar. Se a pessoa “sabe” andar de bicicleta é porque aprendeu e se aprendeu, esse é um conhecimento, ou seja, o próprio andar de bicicleta é um conhecimento. Esse conhecimento é muito importante para a Educação Física, que é o saber fazer. É um tipo de conhecimento que só se adquire fazendo. Atribui-se uma tarefa aos alunos que irão, a partir das suas possibilidades, tentar resolvê-la. À medida que a experimentam várias vezes e de diversas maneiras, adquirem aprendizagens sobre o saber fazer. Porém, essas aprendizagens só ficarão claras para os alunos se for feita uma reflexão sobre o que fizeram, o que muitas vezes não ocorre durante as aulas. Portanto, o aluno não reconhece que o fazer é um conhecimento e relata que não aprendeu ou estudou algo, apenas fez.

Na BNCC, esse conhecimento é valorizado não só na Educação Física, mas em todos os componentes curriculares. Não basta somente conhecer algo. É preciso saber utilizar esse conhecimento.

Conforme dissemos, a oportunidade e o desafio se apresentam para a Educação Física. A oportunidade se manifesta na valorização da disciplina e do professor de Educação Física na escola, na medida em que propõe conteúdos e aprendizagens essenciais obrigatórias e dimensões de conhecimento, antes pouco valorizadas pela área. O desafio para os professores se manifesta (1) na necessidade de estudo para que ele se aproprie dos termos utilizados na BNCC e proponha momentos de reflexão, registro e avaliação que contemplem as dimensões do conhecimento da área; (2) na necessidade de uma reflexão sobre o papel que a disciplina assume na escola a partir da definição dos conteúdos e das competências que se quer desenvolver nos alunos; e (3) na dedicação, por parte dos professores, para inserir esses novos conhecimentos em suas aulas e, desse modo, contribuir para o desenvolvimento integral dos alunos.

BNCC e ensino de Matemática - Parte I

A homologação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental em 2017 pôs fim a uma espera de aproximadamente 30 anos para que o Brasil definisse o que espera que seus alunos aprendam em cada uma dessas etapas. Isso porque, desde que a Constituição Federal de 1988 foi finalizada, em seu artigo 210, já havia a previsão de uma Base para a Educação Básica – aí incluídas as etapas de que trata este Caderno.

A chegada da BNCC se constituiu em uma conquista importante para a elaboração de currículo, a formação de professores, a organização de avaliações diversas e de livros didáticos visando à equidade da aprendizagem dos alunos em todas as áreas do conhecimento e componentes curriculares (disciplinas). Não se trata de uniformizar o que os alunos aprenderão, mas sim de criar um documento normativo que possa auxiliar a que os alunos tenham seus direitos de aprendizagem garantidos em qualquer escola na qual realizarem seus estudos.

Experiências internacionais, em países que já alcançaram a qualidade e a equidade na Educação Básica, indicam que a clareza daquilo que se espera que os alunos aprendam ao longo da escola, em cada ano e em cada um dos componentes curriculares (disciplinas) que se estuda na escola, auxiliaram e muito nessa conquista. Como as expectativas de aprendizagem estão contidas na BNCC, a aposta é que, sabendo para onde se vai, de fato se chegue lá. Essa expectativa é especialmente alta na Matemática dos anos finais do Ensino Fundamental. Nessa disciplina, 70% dos alunos que finalizam o 9º ano apresentam aprendizagem insuficiente segundo dados do SAEB 2017 .

A Matemática e as inovações para o Ensino Fundamental – Anos Finais

Dentre tudo que podemos destacar de inovação no que diz respeito à Matemática, destacamos três aspectos importantes: a meta de fazer com que a escola atue pelo letramento matemático como uma competência a ser desenvolvida pelos alunos ao longo da escolaridade básica, a alteração das áreas temáticas bem como seus focos específicos nos anos finais do Ensino Fundamental, e as implicações que ambas podem trazer para a sala de aula. Vejamos.

Na BNCC, a Matemática tem uma peculiaridade: ela é simultaneamente área de conhecimento e disciplina. Assim, para Matemática há um conjunto de competências esperadas que os alunos desenvolvam ao longo de sua trajetória escolar, bem como, a descrição das habilidades previstas. 4 Isso tudo está organizado separadamente em três grandes blocos: um texto introdutório da área/disciplina, uma descrição das áreas temáticas (anteriormente nomeadas de eixos ou campos) e, finalmente, as tabelas de conceitos e habilidades por ano.

No texto introdutório, o aspecto mais relevante está no compromisso assumido com o desenvolvimento integral do estudante. De fato, há um posicionamento de que a Matemática escolar esteja a serviço do letramento matemático,

definido como as competências e habilidades de raciocinar, representar, comunicar e argumentar matematicamente, de modo a favorecer o estabelecimento de conjecturas, a formulação e a resolução de problemas em uma variedade de contextos, utilizando conceitos, procedimentos, fatos e ferramentas matemáticas. É também o letramento matemático que assegura aos alunos reconhecer que os conhecimentos matemáticos são fundamentais para a compreensão e a atuação no mundo e perceber o caráter de jogo intelectual da matemática, como aspecto que favorece o desenvolvimento do raciocínio lógico e crítico, estimula a investigação e pode ser prazeroso (fruição). (BRASIL, 2017, p. 266)

A resolução de problemas, a formação do leitor e do escritor em Matemática, o desenvolvimento da capacidade de argumentar e justificar raciocínios são alguns aspectos diretamente relacionados ao letramento matemático que fazem com que a Matemática tenha valor a vida toda. Merece atenção especial ainda a ênfase na investigação, no desenvolvimento de projetos e na modelagem matemática, atividades associadas à resolução de problemas, todas voltadas ao letramento matemático e ao desenvolvimento integral do aluno.

A valorização do letramento matemático e dos processos matemáticos mencionados anteriormente, trazem a primeira implicação para o ensino que você vai desenvolver em suas aulas, ainda que a Base não trate de metodologia. De fato, se há um desejo de que os alunos resolvam problemas, argumentem, aprendam a ler, escrever e falar Matemática, então a aula deve estar pautada por atividades desafiadoras, problematizadoras, que favoreçam o trabalho em grupo, a articulação de pontos de vista e, também, ações de ler, escrever, representar pensamentos e conclusões. Esse é o ponto que merece toda a sua atenção, uma vez que desenvolver competências ou habilidades não se faz pelo conteúdo, mas pela metodologia.

É preciso uma mudança de cultura significativa nas suas aulas. Não se trata mais de primeiro ensinar ou se apresentar o conteúdo para depois aplicá-lo, mas de planejar aulas de investigação e de resolução de situações mais complexas que exigem do aluno mobilização e ação. Enquanto os estudantes apenas veem você resolvendo problemas eles não se tornam “resolvedores de problemas”; se eles não têm oportunidades para investigar uma regularidade, formular suas hipóteses e confrontá-las, sejam elas certas ou não, não desenvolvem habilidades de análise e tomada de decisão, que fazem parte do desenvolvimento integral previsto nas dez competências gerais e nas competências da área de Matemática. Isso ultrapassa muito a ideia de que saber Matemática é apenas dominar o conteúdo.

A forma das aulas, com práticas mais ativas e colaborativas, com muito espaço para o erro e a comunicação de ideias e estratégias de ação, é que permite o desenvolvimento de competências e a aquisição de habilidades. E, para isso, é preciso planejar, ter repertório de recursos e estratégias de ensino para além da aula expositiva; é preciso também conhecer como o aluno aprende e como ele pode ser movido em direção ao conhecimento.

Em suma, a BNCC exige o desenvolvimento profissional dos professores e não apenas o desenvolvimento dos estudantes. Será cada vez mais relevante que você assuma a formação do leitor e do escritor também nas aulas de Matemática e que, ao planejá-las, já preveja que os alunos necessitam se engajar em atividade que sejam possíveis, mas exijam esforço e defesa de pontos de vista para que a argumentação, o raciocínio e as representações sejam priorizadas.

Um segundo ponto de inovação trazido pela Base em Matemática está nas áreas temáticas, cujo desenvolvimento, como previsto no texto que apresenta cada uma delas, deve ser integrado. Se nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) tínhamos quatro grandes blocos/eixos/campos, agora temos cinco áreas temáticas: quatro mantidas dos PCN com alguma modificação de nome e outra introduzida pela Base. Assim estão nomeadas as áreas temáticas: Números (incluindo todos os campos numéricos e as operações); Grandezas e medidas; Geometria (antes Espaço e Forma); Probabilidade e Estatística (antes Tratamento da Informação); Álgebra, que aparece desde os anos iniciais.

As aprendizagens esperadas em cada uma dessas áreas, na etapa do Ensino Fundamental, estão organizadas ano a ano garantindo a progressão de complexidade e aprendizagem entre as etapas.

A progressão em Matemática na BNCC precisa ser compreendida em dois sentidos: no mais imediato, temos a progressão da aprendizagem dos conceitos, isto é, espera-se que aquilo que o aluno aprenda em um eixo temático em um ano seja mais simples do que aquilo que ele aprenderá no ano seguinte; um segundo sentido de progressão, mais sutil do que o primeiro, se dá na inter-relação entre as aprendizagens dos conceitos nas diferentes áreas temáticas e o tempo para que isso ocorra. Por isso, um mesmo conceito pode ser explorado ao longo de anos consecutivos (como é o caso das frações e decimais que se iniciam no 4º ano e se prolongam até o 7º ano), ou ainda de modo interligado, como acontece com o estudo dos números reais em relação que é explorado conjuntamente com medidas.

Outro ponto ainda relativo às habilidades que merece destaque é que elas correspondem aos direitos de aprendizagem dos alunos. Podemos ensinar mais, mas não podemos ensinar menos. No entanto, qualquer inserção precisa ser pensada no sentido da progressão que explicitamos aqui. Cabe considerar que a BNCC traz aprendizagens essenciais a todos, e não detalhamentos desnecessários para o ensino e a aprendizagem de Matemática.

Finalmente, há que se dizer que a BNCC não será implementada ano a ano começando pela Educação Infantil. Ela passa a ser implementada a partir de 2019 para toda a Educação Básica até o 9º ano e, a partir de 2020, no Ensino Médio. Como as habilidades traduzem exigentes expectativas, é possível que haja um desencaixe entre aquilo que seus alunos sabem e o que a BNCC prevê que eles aprendam em um ano. Isso poderá exigir algum alinhamento temporário até que toda a transição esteja realizada.

No próximo artigo, vamos falar abordar as mudanças nas áreas temáticas, fique de olho.

BNCC e ensino de Matemática - Parte II

Não deixe de conferir a primeira parte do artigo BNCC e ensino de Matemática.

De olho nas mudanças nas áreas temáticas

Das cinco áreas temáticas previstas para a Matemática, três apresentam aspectos que merecem sua atenção, professor: Álgebra, Geometria e Probabilidade e Estatística.

A ênfase em Álgebra está no pensamento algébrico e nas ideias da Álgebra, mais do que em técnicas e operações algébricas. Assim, na BNCC há espaço para a exploração mais aprofundada de padrões e regularidades, das propriedades da igualdade e da desigualdade, da noção de função, das relações numéricas traduzidas em propriedades das operações e na resolução de problemas algébricos diversos. Perderam ênfase casos de fatoração, equações pouco úteis nessa etapa da escola (como as biquadradas por exemplo). A equação de segundo grau teve seu tempo de exploração ampliado, iniciando-se no 8º ano e indo até o 1ª ano do Ensino Médio. Aparecem com ênfase as diversas possibilidades de representação de relações algébricas, incluindo a representação gráfica de equações, e da resolução de sistemas de equações de primeiro grau. Uso de fluxogramas e de softwares diversos também estão previstos nesse eixo temático.

Em Geometria, as grandes modificações aparecem em primeiro lugar na inclusão de desenho geométrico como uma das formas de representação das noções, dos conceitos e das relações geométricas. Assim, régua, compasso, transferidor, esquadros e softwares de geometria dinâmica são utilizados do 6º ao 9º ano. O estudo de plano cartesiano, de trajetórias e movimentos no plano também é muito valorizado. Da mesma forma, ganhou ênfase a geometria das transformações. Reflexão, translação e rotação são estudadas não apenas como movimentos no plano, mas especialmente para auxiliar no estudo de propriedades de quadriláteros e triângulos.

Em Probabilidade e Estatística foram valorizados os conceitos, os procedimentos e as habilidades que devem ser abordados ano a ano; a Probabilidade aparece com maior ênfase, sendo que boa parte daquilo que se previa antes para o Ensino Médio passou a ser aprendizagem esperada até o 9º ano. A Estatística ganhou um reforço importante por meio da abordagem de pesquisa; com isso, ficou mais claro o que se espera como foco da área em cada ano. Para além de gráficos e tabelas, é esperado que o aluno desenvolva e utilize as medidas de tendência central e as primeiras noções de medidas de dispersão para analisar e interpretar dados estatísticos. Com isso prevê-se o uso de softwares e calculadoras ao longo dos anos finais do Ensino Fundamental.

Um último ponto relevante a ser considerado nos anos finais do Fundamental está relacionado ao Ensino Médio. Considera-se que as aprendizagens mais essenciais a serem feitas na Educação Básica aconteçam até o final do Ensino Fundamental e que, na etapa do Ensino Médio, haja a consolidação, a ampliação e o aprofundamento das aprendizagens essenciais desenvolvidas até o 9º ano. Nos três anos do Médio, a proposta é colocar em jogo, de modo mais inter- relacionado, os conhecimentos já explorados na etapa anterior, a fim de possibilitar que os estudantes construam uma visão mais integrada da Matemática, ainda na perspectiva de sua aplicação à realidade.

A BNCC considera que o jovem do Ensino Médio tem seu potencial cognitivo expandido pelas aprendizagens adquiridas anteriormente e pelo desenvolvimento natural dessa fase da vida e que, portanto, é capaz de aprender mais, ampliando o letramento matemático. Isso significa que novos conhecimentos matemáticos deverão incentivar processos mais elaborados de reflexão e de abstração, dando sustentação a formas de pensar que permitam aos jovens formular e resolver problemas nos mais variados contextos com maior autonomia e recursos matemáticos.

Em outras palavras, se nos anos finais Ensino Fundamental os estudantes tiverem desenvolvido o letramento matemático como esperado, no Ensino Médio terão capacidade para desenvolver habilidades mais complexas relacionadas a processos de investigação, construção de modelos e de resolução de problemas. A integração entre as duas etapas se dará, portanto, pelo desenvolvimento integral, e não apenas pelo conhecimento de conceitos pontuais de Matemática.

Feitas essas considerações a respeito das principais inovações que você encontrará na BNCC de Matemática na etapa dos anos finais do Fundamental, é preciso então destacar a importância do livro didático nesse momento de transição. Primeiro porque ao selecionar o livro, mais do que olhar se ele está de acordo com a Base fazendo um checklist de conteúdos e habilidades ano a ano, você precisa ficar atento à metodologia utilizada. Estará nesse aspecto a grande diferença entre os livros. Todos podem trabalhar o mesmo conteúdo, mas qual é a forma pela qual a Matemática está sendo ensinada? É um conjunto de regras? As atividades são desafiadoras? Ajudam a desenvolver o letramento matemático por meio da resolução de problemas e da modelagem? Há espaço para os alunos lerem e escreverem em Matemática? As atividades estimulam o desenvolvimento das competências gerais previstas na Base e das específicas da área de Matemática? O protagonismo, o raciocínio e a criatividade são estimulados nas propostas que o livro traz?

A BNCC criou uma régua para que os livros estejam alinhados no que ensinar, sua tarefa é perceber que o como ensinar ficou a cargo de cada autor. No entanto, o texto introdutório de Matemática dá pistas da melhor forma de ensinar para que os alunos aprendam. É nesse diferencial que você precisa ter atenção. Afinal, para que o ensino de Matemática tenha sucesso, é essencial que três fatores intervenham ao mesmo tempo: o que ensinar, para quem ensinar e como ensinar. Um autor não conhece seus alunos, sua realidade. Mas ele deve considerar como um aluno de cada fase escolar aprende, quando se decidir pelo como, já que o que a Base define.

E você, educador, tem a tarefa de selecionar a melhor proposta para sua realidade. Lembre-se de que, depois do professor, as atividades propostas são o maior fator de sucesso para que os estudantes aprendam Matemática de qualidade, o que pode promover seu desenvolvimento integral.





BNCC e ensino de Ciências da Natureza - Parte I

As inovações tecnológicas podem e devem ser disseminadas e apropriadas por todos os cidadãos. O ensino de Ciências e sobre as Ciências pode ajudar nesse processo. Ter conhecimento de Ciências pode ser entendido como ter conhecimento do mundo natural, compreender os fenômenos e aplicar os conceitos tratados nos diferentes componentes curriculares; e o conhecimento sobre as Ciências corresponde ao que é construído por meio das pesquisas e da investigação humana.

Nesse sentido, percebe-se cada vez mais a importância do letramento em Ciências, “letramento” entendido como a capacidade dos estudantes de aplicar conhecimentos em áreas essenciais e de analisar, argumentar e comunicar de maneira eficaz, à medida que apresentam, resolvem e interpretam problemas em diversas situações, como indicado nos princípios que orientam as avaliações do Pisa (OCDE, 2008).

O letramento científico é favorecido quando são desenvolvidos procedimentos para a compreensão e organização da informação (conteúdo procedimental) e, quando o conhecimento permite, propõe-se a integração de informações diversas para explicação d e uma dada situação.

Os estudos e discussões devem ser pautados por situações e fenômenos comuns na vida cotidiana, tornando-se, assim, um instrumento de reflexão e construção do pensamento científico e contribuindo para o letramento em Ciências, na concepção apresentada pelo Pisa e que também está presente no documento da BNCC.

A proposta de progressão conceitual para o ensino de Ciências, explícito na BNCC, prevê que as habilidades sejam desenvolvidas ano a ano, em grau crescente de complexidade. Elas são descritas a partir da operação mental a ser desenvolvida em determinado contexto, apresentado aos estudantes por meio dos saberes e da exposição a processos, práticas e procedimentos da investigação científica. As habilidades previstas para serem desenvolvidas no Ensino Fundamental estão voltadas à formação de sujeitos capazes de intervir na sociedade de forma crítica, significativa e ética.

Para que isso seja possível, deve-se observar e cuidar do mecanismo cognitivo no qual está fundamentada a evolução do pensamento científico – o Método Científico. A partir da observação de fenômenos e da definição do problema de pesquisa busca-se a coleta de dados e informações para análise e levantamento de hipóteses que deverão ser verificadas e testadas para possibilitar a tomada de decisões e de eventual intervenção. Tudo isso sem deixar de valorizar as formas de comunicação do processo vivenciado.

Esse procedimento pode ser aplicado a diversas situações da vida cotidiana e contribuir para a formação de um cidadão que analisa as situações que se apresentam em sua vida, elabora hipóteses e, por meio de raciocínio lógico, fundamenta suas decisões e ações.

Também importa atentar ao método. A Base propõe um ensino provocativo e instigador, que leve o estudante a levantar hipóteses e relacionar diferentes informações. Esse modo de viver as aulas certamente contribui para a formação de cidadãos críticos e reflexivos, que possibilitarão a construção de uma sociedade mais equânime, sustentável e ética. Vale ressaltar que isso só ocorrerá se a aprendizagem for significativa sendo, portanto, imprescindível que as vivências e os interesses dos estudantes sobre o mundo natural e tecnológico sejam valorizados e integrem o processo de ensino-aprendizagem.

Portanto, o ensino deve considerar a formação de jovens instrumentalizados para compreender as causas e razões das coisas, para exercer seus direitos, para cuidar de sua saúde, para participar de discussões em que estão envolvidos seus destinos, para atuar e transformar o mundo à sua volta, objetivos expressos nas competências gerais da BNCC.

O conhecimento das ciências pode reconstruir a relação do ser humano com a natureza, contribuindo para a formação de opiniões fundamentadas em argumentos consistentes sobre temas muitas vezes polêmicos, como desmatamento, agrotóxicos, manipulação genética, utilização de energia nuclear, etc.

Na escolha dos objetos de conhecimento que irão compor o currículo, é fundamental privilegiar o desenvolvimento de competências e habilidades que permitam ao estudante a articulação entre conceitos diversos, visando à compreensão de um determinado problema ou fenômeno natural de forma mais ampla. É bom lembrar que o desenvolvimento de competências e habilidades só ocorre em torno de assuntos e problemas concretos que, para serem enfrentados, exigem que o aluno relacione leis, conceitos e princípios. Essas escolhas devem ser feitas a partir de critérios que levem em conta os processos e fenômenos científicos de maior relevância no mundo contemporâneo.

Ao escolher os objetivos formativos é imprescindível que os conhecimentos se apresentem como desafios cuja solução envolva a mobilização de recursos cognitivos. Assim, as atividades devem mobilizar várias habilidades; entre elas, o estabelecimento de conexões entre conceitos e conhecimentos tecnológicos, além do desenvolvimento do espírito de cooperação, de solidariedade e de responsabilidade. Essa escolha deve conciliar diferentes aspectos ligados à cultura escolar, tais como o contexto específico, as características e projetos pedagógicos da escola, bem como projetos e propostas do corpo docente e dos estudantes.

A programação tradicional no ensino de Ciências enfatizava os estudos dos conceitos ligados à Biologia, restando, para o estudo dos fenômenos e processos físicos e químicos, quase que exclusivamente o 9º ano, com raras situações de integração entre os componentes curriculares da área.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) traziam a indicação de agrupamento dos conteúdos nos blocos temáticos: Ambiente, Ser Humano e Saúde e Recursos Tecnológicos. Para os anos finais (Fundamental II), havia ainda o acréscimo de um quarto bloco temático: Terra e Universo. Na prática, as escolas se organizavam, na maior parte dos casos, trabalhando Terra e Universo no 6º ano, Seres Vivos no 7º ano, Corpo Humano no 8º ano e Matéria e Energia no 9º ano. Essa opção evidencia uma fragmentação conceitual que impossibilita o desenvolvimento do pensamento científico sob uma perspectiva mais integradora dos fenômenos e processos presentes no mundo natural e tecnológico em que vivemos.

Diferentemente daquela visão tradicional e fragmentada, o componente de Ciências na BNCC é organizado de forma a se buscar um ensino integrado, articulado em torno de três unidades temáticas que se repetem ano a ano: Matéria e energia, Vida e evolução, Terra e Universo.

Essa opção resultou em uma distribuição mais equilibrada dos conteúdos tradicionais do componente curricular, que passam a ser trabalhados em todos os anos do Ensino Fundamental. Muda assim a concepção de ensino, que o documento propõe em espiral, com os eixos se repetindo em todos os anos, em uma progressão das habilidades propostas e do tratamento de cada eixo. Os conceitos são gradativamente construídos, tornam-se mais complexos, as inter- relações conceituais são mais e mais favorecidas, o que resulta em maior integração entre as unidades temáticas. Isso fica claro quando determinados temas aparecem nos três eixos, como, por exemplo, no 7º ano. Nesse ano, em Matéria e energia, podemos destacar a seguinte habilidade:

(EF07CI05) Discutir o uso de diferentes tipos de combustível e máquinas térmicas ao longo do tempo, para avaliar avanços, questões econômicas e problemas socioambientais causados pela produção e uso desses materiais e máquinas. (BRASIL, 2017, p. 347)

Por outro lado, em Vida e evolução, temos:

(EF07CI08) Avaliar como os impactos provocados por catástrofes naturais ou mudanças nos componentes físicos, biológicos ou sociais de um ecossistema afetam suas populações, podendo ameaçar ou provocar a extinção de espécies, alteração de hábitos, migração, etc. (BRASIL, 2017, p. 347)

Enquanto isso, em Terra e Universo, encontramos:

(EF07CI13) Descrever o mecanismo natural do efeito estufa, seu papel fundamental para o desenvolvimento da vida na Terra, discutir as ações humanas responsáveis pelo seu aumento artificial (queima dos combustíveis fósseis, desmatamento, queimadas etc.) e selecionar e implementar propostas para a reversão ou controle desse quadro. (BRASIL, 2017, p. 347)

Pode-se perceber que essas três habilidades, integrantes de eixos temáticos diferentes, conversam entre si e devem ser objeto de construção de atividades e ou planos de aulas que busquem estabelecer relações conceituais, tendo como ponto central a reflexão e análise crítica sobre a utilização de determinados tipos de combustíveis e formas de exploração ambiental.

Um exemplo de atividade que pode ser desenvolvida é o estudo e a análise crítica do rompimento da barragem de rejeitos de Brumadinho, ocorrida em janeiro de 2019, que abriu a discussão sobre prós e contras do tipo de barragem utilizada. É possível propor também uma pesquisa sobre quais os tipos de rejeitos estão sendo depositados na barragem e, por fim, analisar os impactos (ambiental, social, econômico, psicológico, etc.) desse rompimento na região devastada e em seus moradores.

Ao desenvolver esse tipo de abordagem, saímos da pura valorização do conteúdo pelo conteúdo, passando a promover um estudo reflexivo, em que o conteúdo ganha importância em função de sua relevância para o entendimento das relações estabelecidas entre as diversas variáveis que constituem o fenômeno em questão; esse tipo de abordagem promove a análise crítica da situação e a projeção de eventuais ações para compreender e intervir no ambiente, como indicado na BNCC.

Para melhor compreensão do documento, vale a pena fazer uma análise longitudinal dos objetos de conhecimento indicados no documento oficial. Vale, porém, lembrar que a Base não é currículo, o que significa que as redes escolares têm autonomia para acrescentar objetos de conhecimento e habilidades que julgarem necessários, adequando à cultura local.


Não deixe de conferir o restante do artigo em nossa próxima publicação.

BNCC e ensino de Ciências da Natureza - Parte II

Não deixe de conferir a primeira parte do artigo BNCC e ensino de Ciências da Natureza.

Vamos verificar como os objetos de conhecimentos foram organizados. Para isso, faremos o agrupamento pelas unidades temáticas, começando por Matéria e energia.

É possível perceber, uma crescente complexidade dos objetos de conhecimento e das habilidades a serem desenvolvidas, partindo das características dos materiais no 1º ano, passando por suas propriedades, aplicações e transformações, chegando à estrutura da matéria e às radiações e suas aplicações na saúde no 9º ano.

Nessa unidade temática, os objetos de conhecimento estão associados, principalmente a conceitos costumeiramente ligados à Física e à Química. Em agrupamento semelhante na unidade temática Vida e evolução, temos:

De maneira semelhante ao quadro anterior, é possível perceber uma complexidade crescente dos objetos de conhecimento e das habilidades, assim como uma progressão lógica dos objetos de conhecimento, que parte da observação da diversidade de características do corpo humano, passa pelas relações entre os seres vivos presentes no ambiente e chega ao estudo da forma como ocorre a manutenção e evolução da biodiversidade ao longo do tempo.

Por fim, temos o quadro do agrupamento referente ao eixo temático Terra e Universo.

Essa unidade temática apresenta diversos objetos de conhecimento que permitem trabalho integrado com o componente Geografia, mas nela também percebe-se a gradação de complexidade conceitual. A unidade parte da Terra, cujas características são estudadas, passa pela observação do céu, tendo a Terra como referência, chega ao estudo do Sistema Solar, da evolução estelar e das condições necessárias para a existência de vida na Terra e a possibilidade de sua presença fora dela, abrindo espaço para discussões sobre as condições necessárias e suficientes para a existência de vida e sua manutenção no espaço.

Ao subverter a ordem tradicional com que os objetos de conhecimento são estudados durante o Ensino Fundamental, a BNCC pode provocar, para a área de Ciências da Natureza, dois sentimentos nos professores: se por um lado propõe uma visão mais integrada dos saberes científicos, que dará aos estudantes as condições de uma aprendizagem mais significativa e aplicada das ciências, sintonizada com a vida cotidiana, por outro ela impõe aos professores a necessidade de refletir sobre as diversas concepções do que é ensinar Ciências no Ensino Fundamental, uma vez que exigirá desses profissionais o estudo constante, visando o desenvolvimento de uma visão mais integrada entre os saberes a serem trabalhados junto aos estudantes.

BNCC e ensino de Geografia - Parte I

Há algum tempo se estuda e discute como trabalhar com a Geografia em sala de aula, de modo a torná-la uma disciplina mais envolvente e significativa, superando a ideia da Geografia como pura descrição de fatos e fenômenos. O objetivo central de estudar esse componente é analisar a realidade, ler o mundo e estudar as inter-relações entre as sociedades humanas e os processos naturais, em diferentes contextos e tempos históricos. Estudar Geografia coloca-nos diante do mundo, com um olhar que nos permite compreender a dinâmica dos lugares, suas paisagens, o território, a configuração territorial e os sistemas locacionais, entre outras categorias. Seu estudo, portanto, permite-nos compreendê-las a partir das relações de produção e sociais, das ocupações; e, por meio da leitura dos lugares, interpretar as espacialidades das organizações dos espaços geográficos. Isso significa potencializar um olhar diferente para as coisas, um olhar geográfico.

A Geografia escolar estimula a pensar sobre as categorias (conceituais e espaciais) e procedimentos que nos permitem analisar a realidade, raciocinando sobre os fatos e fenômenos, identificando o que pode ser generalizado. As escalas de análise e as cartográficas, a linguagem cartografia e outros tipos de representações nos ajudam a entender os processos de mudança dos lugares, observando-os e raciocinando sobre eles, estimulando o pensamento complexo para compreender, ordenar, ter lógica na análise dos fatos, fenômenos e a distribuição dos objetos técnicos. As representações cartográficas têm importância não apenas para localizarmos os dados e as informações geográficas, mas por oferecerem condições de investigar os indícios que nos explicam os porquês das localizações, o sentido dos sistemas de ações e objetos serem desempenhados naquele ponto e suas interdependências, a mutualidade de relações entre tais sistemas, em diferentes níveis de detalhe. Esse papel de analisar os conteúdos espaciais pode ser feito com base nos conceitos espaciais (arranjo, rede, analogia, padrão, extensão, por exemplo), de modo a favorecer a criação de conexões entre os diferentes lugares da superfície da Terra.


A Geografia escolar no currículo

Para tratar da Geografia escolar no currículo se faz necessário apresentar o sentido da própria ciência geográfica. Procura-se dar uma especificidade ao conteúdo e mostrar como, por que, para que e para quem deve-se ensinar Geografia. Um ponto a ser destacado é a necessidade de se compreender a espacialidade dos fenômenos a partir dos objetos técnicos e suas funções nas localizações. Isso significa dizer que se trata de desenvolver subsídios que permitam às análises geográficas desvendar, com base em seus atributos locacionais, por que galpões industriais poluentes e barulhentos, conectados por ruas largas e servidos por pontos de ônibus e estações de metrô, estão, quase sempre, mais próximos dos loteamentos populares que dos condomínios de elite? Trata-se de explicar — com e pelas representações e questionamentos que partam dos conhecimentos prévios dos estudantes, relacionando as funções, as formas e as estruturas — as configurações territoriais e os territórios usados, produzidos espaço-temporalmente pelos movimentos e tensões dos modos de produção das sociedades humanas.

É justamente nesse sentido, com essa base epistemológica da teoria da Geografia, que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) propõe colocar no centro do estudo desse componente o desenvolvimento do raciocínio geográfico. Esse raciocínio está amalgamado ao estatuto epistemológico da Geografia. Isso significa que a preocupação central está na maneira de ver e pensar a Geografia em distintos tempos e contextos. O Estatuto epistemológico da Geografia foi sistematizado pelos autores clássicos das ciências geográficas e está presente na Geografia escolar sustentando um modo específico de pensar a realidade: o raciocínio geográfico. Usar como lente uma teoria do espaço que permita ao geógrafo um raciocínio, “uma maneira de organizar o pensamento que coloca em prioridade o desenho, o traçado, quando consideramos a localização das coisas, pessoas e fenômenos”, como afirma Gomes, (2017: p. 146), uma teoria voltada a entender as coisas, à criação de um sistema locacional que permita explicar por que as coisas estão onde estão, por que são diferentes quando aparecem em outras localizações, exige um raciocínio complexo e sofisticado.

Um raciocínio complexo do ponto de vista da Geografia requer compreender as categorias e associá-las aos princípios (distribuição, extensão, distância, posição, arranjos, conexão, entre outros) e à linguagem cartográfica em todas as formas de representar (mapas, gráficos, tabelas, fotografias, pinturas, fotos aéreas). Nesse sentido, a proposta curricular da BNCC para Geografia nos anos finais do Ensino Fundamental estimula o raciocínio complexo, pois entende a organização e produção espacial a partir das situações do cotidiano e propõe um ensino que adote a investigação e a resolução de problemas como rotas para o aprendizado.

Em Geografia, a BNCC propõe um ensino com foco na aprendizagem, ou seja, no aluno. As habilidades associam os conteúdos em ordem crescente de complexidade (do simples para o mais complexo) mas consideram a faixa etária do aluno, sua capacidade cognitiva de lidar com o conhecimento científico, de entendê-lo e dele se apropriar. Essa lógica de construção está fundamentada na capacidade do aluno em generalizar, habilidade que se desenvolve ao mesmo tempo em outros componentes. Por exemplo, em Língua Portuguesa, o aluno pode aprender a ler e a distinguir diferentes gêneros textuais; em Geografia, o estudante pode ler um mapa ou qualquer outro produto cartográfico, relacionando os símbolos e seus significados aos contextos dos processos envolvidos em um conteúdo temático estudado. Para isso, é preciso, porém, entender e dar sentido aos dados espaciais representados por variáveis visuais. Assim, o aluno interage com o universo do conteúdo geográfico, analisa e assimila, apropriando-se dos conceitos fundamentais para entender um fenômeno ou formular hipóteses sobre um problema. Por isso, leva-se em conta na BNCC a dimensão cognitiva das crianças e também as socioemocionais, sugerindo a importância de se realizar um planejamento entre o 5º e o 6º anos que considere as articulações necessárias de conteúdo para diminuir as rupturas entre os anos, respeitando a passagem dos anos para outro momento de sua vida escolar.

Nesse sentido, a contribuição da BNCC de Geografia é sobretudo de fundo epistemológico, pois foca o desenvolvimento do raciocínio geográfico, aqui já definido, a partir das categorias e princípios da Geografia, considerando a linguagem cartográfica e o pensamento espacial. Para tanto, é necessário assegurar a apropriação e a associação, sobretudo, dos princípios de analogia, conexão, diferenciação, distribuição, extensão, localização, ordem/arranjo e causalidade por meio de atividades que estimulem a resolução de problemas e a argumentação dos alunos.

Entender a localização e as conexões entre os lugares, por exemplo, desenvolve o raciocínio geográfico, na medida em que o aluno entende por que os lugares são dessa e não de outra forma ou por que estão localizados, distribuídos de uma dada maneira. A análise das informações geográficas é uma estratégia para os alunos aplicarem os conceitos, princípios e as habilidades espaciais em situações do dia a dia, como, por exemplo, entender os impactos socioeconômicos e ambientais nos diferentes territórios ou os arranjos das áreas urbanas e rurais em distintos contextos e tempos.


Não deixe de conferir o restante do artigo em nossa próxima publicação.

BNCC e ensino de Geografia - Parte II

Confira a primeira parte do artigo BNCC e ensino de Geografia.

A Geografia escolar estruturada na BNCC considera a indissociabilidade da cartografia com os conceitos e princípios, os eixos temáticos e os objetos de conhecimento. Quer garantir, assim, as articulações conceituais entre a Cartografia e os temas e o desenvolvimento do pensamento espacial.

Os eixos temáticos podem ser relacionados com os princípios. A unidade temática o Sujeito e seu lugar no mundo, por exemplo, tem foco nas noções de pertencimento e identidade; a temática amplia-se para as dinâmicas étnico-raciais, o conhecimento da comunidade onde o aluno vive e o respeito aos diferentes contextos socioculturais (BNCC, p. 362), o que favorece a valorização da individualidade, das relações sociais e da formação cidadã.

Ao longo do trabalho com essa unidade temática, espera-se que os estudantes possam entender o processo de formação das sociedades humanas desde o surgimento dos seres humanos na Terra, a maneira como as sociedades se apropriaram e organizaram os lugares, as manifestações culturais, as disputas territoriais, os deslocamentos humanos e a dinâmica populacional, incluindo análises geopolíticas. Nesse tema as articulações com aspectos da antropologia, sociologia e história permitem projetos interdisciplinares robustos e significativos para os alunos.

Já a unidade Conexões e escalas pretende discutir as dinâmicas econômicas, políticas, culturais, ambientais e sociais em diferentes escalas de análise. Nesta unidade, o princípio de conexão fica evidente e possibilita, por exemplo, análises da paisagem, com seus arranjos e configurações; a periodização histórica das ocupações; a localização dos fenômenos, fatos e objetos técnicos e a distribuição dos mesmos; o estudo da relação entre corporações e Estados, entre os organismos internacionais e os Estados; da formação do território brasileiro, entendendo as distintas práticas econômicas que caracterizaram as regiões e estados do Brasil; da relação entre os elementos físicos e naturais a partir da concepção geossistêmica e os grupos socioculturais que ocuparam os territórios.

Na unidade Mundo do trabalho espera-se que a ênfase seja nos processos econômicos, técnicos, nas matérias-primas e na produção. Esse tema permite avançar nas análises das inúmeras atividades e funções socioeconômicas dos setores econômicos, na agroindústria, nos processos agrários, nas mudanças substanciais nas relações de trabalho. Os conteúdos são atuais e é importante ter sempre em vista os processos históricos e as condições de vida da população. Neste tema pode-se associar os princípios de arranjos, analogias, distribuição, extensão e localização, considerando inclusive a pergunta: por que as coisas estão onde estão? (Lacoste, 1998) — o que atribui sentido de localização (sistema locacional) para além da localização cartográfica. O conceito de território também pode ser desenvolvido associado às habilidades de outros temas, fazendo referência à territorialização das indústrias, análises da produção e da desterritorialização industrial, em diferentes tempos históricos, escalas de análise e sociedades, utilizando a cartografia temática com uma linguagem importante associada aos conteúdos.

A unidade Formas de representação e pensamento espacial tem como objetivo ser um tema transversal. Ao desenvolvê-lo, espera-se que o aluno tenha condição de analisar os fenômenos por meio de diferentes formas de representação (gráficos, obras de artes, fotografias, fotografias aéreas, imagens de satélites, mapas, maquetes, bloco diagramas, perfis topográficos e de vegetação, entre outros) potencializando a sua leitura de mundo. Para isso, é importante que os alunos tenham tido as noções básicas (alfabetização cartográfica no Ensino Fundamental – Anos Iniciais). É necessário ter clareza que os conceitos cartográficos — coordenadas geográficas, escalas, direções cardeais, projeções cartográficas —, bem como a leitura comparada de mapas temáticos, elaboração de croquis, esboços de paisagens, leitura de imagens sejam apropriados pelos alunos ampliando o repertório para que possam compreender as realidades.

O pensamento espacial consiste na mobilização do raciocínio lógico e da percepção sobre a espacialização dos objetos e fenômenos; consiste em pensar sobre os deslocamentos, as distâncias, os sistemas referenciados, a localização das coisas e entender por que estão onde estão. Ao abordar esses aspectos do espaço, notamos a importância desse tipo de pensamento para o processo de aprendizagem da Geografia e o quanto ele pode ser desenvolvido na escola, por meio de seus princípios e conceitos.

A unidade Natureza, ambientes e qualidade de vida busca dar nexo entre o que se denomina geografia dos elementos físicos naturais e a geografia humana, com base na teoria do Geossistema. Ao abordar os processos naturais e os que são causados pelas interferências humanas, é fundamental estabelecer relações com o cotidiano. Por exemplo, ao estudar a cidade, é preciso entender o papel dos rios na formação e no planejamento da cidade e seus impactos nos ambientes urbanos, ou seja, é necessário analisar as extensões dos fenômenos e as suas conexões. Ao analisar o solo e os seus usos para tratar das ocupações nas áreas urbanas e rurais pode ser outro exemplo de estudo nesta temática. Isso significa que estudar os minerais, as rochas, os planaltos, as planícies e as montanhas, a vegetação, o clima e as áreas de mineração, por exemplo, seria importante estabelecer uma articulação com temas geopolíticos, como fronteiras, disputa de território por conta do petróleo, ferro, nióbio, entre outros minerais.

A BNCC de Geografia estruturou as unidades temáticas para que os alunos tenham uma visão integrada do conhecimento que está estudando, que estabeleçam relação com os lugares de vivências, mas que relacione de maneira escalar todos os fenômenos.

A concepção que permeia a BNCC está referenciada nas teorias construtivistas e sociointeracionistas, cabendo ao professor a mediação das ações didáticas e o aprofundamento do conhecimento. Como afirma Gil Perez e Carvalho (2011: 23), “conhecer os problemas que originaram a construção dos conhecimentos científicos [...]. Conhecer, em especial, quais foram às dificuldades e os obstáculos epistemológicos (o que constitui uma ajuda imprescindível para compreender as dificuldades dos alunos)” é papel do professor quando se trata do processo de ensino e aprendizagem.

Para isso acontecer, fundamentado em Bachelard (1996), julgamos importante o conhecimento prévio do aluno, mas devemos superar o código restrito (senso comum) dos conteúdos e garantir o código elaborado (conhecimento científico), além de buscar ampliar as revelações imediatas do real. O real nunca é o que se poderia achar, mas é sempre o que se deveria ter pensado; e o saber não é fechado e estático, mas aberto e dinâmico, passível de mudança. Essa compreensão é necessária para se trabalhar as informações geográficas e relacionar com as conteúdos e habilidades da proposta curricular. Além disso, é necessário introduzir metodologias de ensino que estimulem a resolução de problemas, o pensamento crítico e a formação cidadã.

A partir dessas ações de aprendizagem, os alunos seriam preparados para pensar criticamente os conteúdos inclusive nos contextos fora da escola. Isso significa que a escola e a sala de aula só farão sentido para o aluno se houver mudança na concepção teórica e metodológica que marca tradicionalmente o sistema de ensino. Essa é uma concepção importante para pensarmos a formação de professores e a qualidade da mediação em sala de aula. É nesse processo que a diferença entre construir conhecimento científico e descrever a experiência do aluno deve ser tratada em sala de aula por meio de comparações e análises dos objetos em estudo.

Nesse contexto, Michael Young colabora na condução dessa análise ao afirmar que

as escolas são lugares onde o mundo é tratado como um objeto de pensamento e não como um lugar de experiência. [...] Às vezes, esses conceitos têm referentes fora da escola, no ambiente da vida do aluno, numa cidade como Londres, por exemplo. Entretanto, os relacionamentos dos alunos com Londres como “conceito” devem ser diferentes de seu relacionamento com a sua “experiência” de Londres como o lugar onde vivem. (2011, p. 615)

Essa afirmação nos permite compreender a dimensão de um conceito científico e do papel que a escola tem na formação do aluno. E, ainda, nos coloca o sentido do significado “das formas mais elevadas de pensamento” tratado por Vigotski (2009), ou seja, as mudanças dos processos de pensamentos que ocorrem no contato com a zona de desenvolvimento imediato 6 . Assim, se a experiência do aluno é importante, não há por que ficar apenas nela. A superação de um ensino descritivo está na compreensão do papel que o currículo tem na formação dos alunos, que é o de trazer para a escola o conhecimento científico e ajudar a promover o desenvolvimento intelectual do aluno. E a BNCC potencializa esse processo a partir das habilidades que garantem uma aprendizagem mais significativa.

BNCC e ensino de História

Com a implantação da BNCC, as escolas, os currículos, as redes e os professores passam a ter uma diretriz que assegura os direitos de aprendizagem e o desenvolvimento de todos os estudantes e define as aprendizagens essenciais em cada ano da Educação Básica. Trata-se de um princípio legal assegurado pela Constituição e pela BNCC.

Os professores de História terão a oportunidade de reivindicar espaços para desenvolver suas atividades, considerando-se a amplitude dos temas e as perspectivas apresentadas na BNCC.

Na disciplina de História, a BNCC propõe, para os anos finais do Ensino Fundamental, a contextualização, a compreensão do tempo histórico, o reconhecimento de permanências e rupturas em processos que integram múltiplas experiências e escalas como pilares do trabalho. Esses pilares fazem parte, já, do cotidiano de trabalho dos professores desse componente. O objetivo deste texto é detalhar e sugerir algumas questões que os estimulem na construção de sua proposta e seu planejamento didático.

O ensino de História entre o 6º e 9º anos procura desenvolver a observação dos estudantes a partir de diferentes situações e objetos capazes de trazer à tona dinâmicas sociais e seus processos históricos.

Pela proposta, o documento espera que os estudantes se reconheçam nas discussões apresentadas, mesmo que aparentemente aquele tema não diga respeito a seu cotidiano imediato. Por exemplo, ao lidarmos com questões relativas às culturas indígenas ou ao modo de trabalho das sociedades da época da revolução industrial, há sempre uma possibilidade de estabelecer pontes com o tempo atual.

O importante é que os estudantes desenvolvam a capacidade de reconhecer a si e ao outro como identidades diferentes; que eles possam compreender eventos no tempo e no espaço, fazendo a devida contextualização e identificar possibilidades de transformação espaciais, sociais, culturais a partir da intervenção dos seres humanos na natureza e na sociedade em que viveram e vivem.

A História é dinâmica e dialoga com nossas realidades cotidianas. Nesse sentido, a proposta da BNCC quer chamar a atenção para algumas habilidades a serem desenvolvidas na área que exigem do professor certos procedimentos e focos de atenção:

• desenvolver instrumentos de investigação, usando os conhecimentos das Ciências Humanas para interpretar e expressar sentimentos, crenças e dúvidas com relação a si mesmo, aos outros e às diferentes culturas;

• despertar a curiosidade intelectual, estimulando questões, contrapondo histórias e auxiliando no desenvolvimento da autonomia de pensamento;

• comparar e interpretar fenômenos, experiências e versões sobre eventos históricos;

• considerar a utilização de diferentes tipos de documentos (escritos, iconográficos, materiais e imateriais) capazes de facilitar a compreensão da relação tempo/espaço;

• reconhecer que os homens e mulheres agem de acordo com a época em que vivem, preservando ou transformando os hábitos e condutas adotados em diferentes épocas;

• observar o conhecimento histórico como fruto do presente, problematizando e destacando as especificidades do passado;

• destacar a produção da narrativa histórica como objeto produzido e transformado por pessoas em diferentes momentos e épocas históricas;

• estimular o pensamento crítico, a autonomia e a formação para a cidadania a partir de procedimentos que permitam identificar problemas, selecionar e interpretar explicações sobre o passado e suas conexões com o tempo presente;

• apresentar a história como um campo de saber em diálogo com a realidade dos alunos criando as condições adequadas para resgatar e diferenciar a historicidade da linguagem utilizada em cada época;

• compreender o ponto de partida de um determinado processo histórico, expor um problema e verificar e comparar as condições em que determinado evento ocorreu com base na realidade do aluno;

• comprometer-se com a construção de uma sociedade democrática, baseada no respeito ao outro, na liberdade de pensamento, na pluralidade de opiniões e na defesa da cidadania;

• posicionar-se eticamente com respeito a outras culturas e povos, aproximando histórias e valorizando a aproximação entre diferentes grupos, povos e sociedades.

Como se estrutura a BNCC para o currículo de História?

Em linhas gerais podemos dizer que os grandes temas por ano são estes:

Ensino Fundamental – Anos Finais
• Mundo antigo e medieval e seus contrapontos
• As Áfricas, Américas e Sociedades Europeias
• Mundo contemporâneo
• Brasil republicano e o século XX

Há uma clara articulação entre a chamada História Geral e a História do Brasil. Diferentemente do que tradicionalmente vinha acontecendo, a BNCC enfatiza a História mais próxima dos estudantes, ou seja, a História do Brasil.

Dessa forma, a proposta enxuga conteúdos de História Antiga e Medieval no 6º ano. Isso significa que os professores e os materiais didáticos são chamados a enfatizar pontos chaves desses períodos e, ao mesmo tempo, a fazer contrapontos com a história dos grupos indígenas nas Américas. Ou seja, mesmo antes de entrarmos na História do Brasil propriamente dita, é possível identificar conceitos centrais que herdamos das tradições clássicas na política, na cultura e nas religiões considerando, por exemplo, as práticas dos povos originários das Américas.

A partir do 7º ano o diálogo fica mais evidente: o período das navegações e as relações entre África, Américas e Europa se entrelaçam em diversos instantes. A partir deste instante, no chamado mundo Atlântico, temos uma história que é global. Isso quer dizer que fenômenos acontecidos na África ou na Europa tiveram impactos nas Américas e vice-versa. A BNCC quer que os estudantes sejam apresentados a uma história diversificada, que não tenha exclusivamente a perspectiva europeia, mas também o olhar a partir das articulações e remodelações nas sociedades coloniais, com destaque para a participação de indígenas e afrodescendentes. Quanto mais diversa for a perspectiva histórica, mais interessante a disciplina será para os estudantes e para os professores.

No 8º ano, o foco está nas revoluções e na formação dos países independentes. Ou seja, considera uma era de rupturas, de inovações técnicas e tecnológicas no mundo, de interdependência de eventos. No caso do Brasil, a história de sua independência e as tensões durante a organização do Estado, considerando a diversidade de vozes e interesses num país que, formalmente independente, preservava resquícios coloniais, como a escravidão. O grande tema é o século XIX.

No 9º ano, propõe-se a abordagem da história republicana do Brasil e do mundo no século XX. A BNCC tenta, ao deixar os temas mais atuais para o último ano, corrigir uma queixa frequente de estudantes e professores de que, por tantos processos a serem analisados, a história mais recente não tenha tempo de ser apresentada ou trabalhada. Nesse sentido, considerando-se a diversidade regional, étnica e cultural do país, a BNCC abre espaço para que o estudante, já na adolescência e formando sua visão de mundo, possa interpretar fenômenos como os totalitarismos, as lutas de descolonização na África e Ásia e as experiências ditatoriais no Brasil e na América Latina, por exemplo.

Observem, professores, que não são apenas os temas que se tornam mais complexos ou mais amplos. Há também a possibilidade de utilizar mais recursos didáticos e enriquecer a experiência do trabalho com fontes diversificadas.

Quanto mais recente a história, maior a disponibilidade de documentos e informações que podem incrementar o trabalho.

A BNCC de História é fruto de um amplo processo de discussão. Mas o amadurecimento das propostas depende do efetivo comprometimento e aperfeiçoamento das questões para que o conhecimento histórico possa ser uma operação que os estudantes incorporem como parte de sua formação, ampliando suas capacidades de observar e pensar sobre outros tempos, outras sociedades, outras pessoas e, dessa forma, ampliando os referenciais para “ler o mundo”, aprendendo a dialogar com as diferenças e cultivando respeito à pluralidade cultural, social e política que constituem o nosso próprio mundo e o nosso tempo.

BNCC e ensino religioso - Parte I

O ser humano é o resultado do seu processo educativo. Sua identidade expressa, em boa medida, o que foi possível assimilar de suas relações de aprendizagem e ensino no mundo.

Na dinâmica das relações com outras pessoas, com a natureza e consigo mesmo, é preciso considerar a dimensão espiritual. Nesse sentido, a dimensão religiosa é essencial na formação do ser humano e no desenvolvimento das culturas e se manifesta de forma plural. Por isso, é um avanço o fato de a BNCC contemplar a dimensão religiosa nos processos educativos, pois, além de ser inerente à vida humana e social, deve ser estudada como uma área de conhecimento, que é o Ensino Religioso, indo além do que já havia apontado a Constituição de 1988, no artigo 210, e na LDB de 1996, no artigo 33. A BNCC entende que o Ensino Religioso deve promover um processo de conhecimento pautado em princípios dialógicos, éticos e colaborativos na construção da cidadania e da qualidade de vida planetária. Essa conquista na legislação brasileira, que assegura o Ensino Religioso como parte integrante da formação básica do cidadão, foi obtida a partir do envolvimento de diferentes setores da sociedade. A BNCC oficializa essa área como importante para formação do cidadão, além de apontar caminhos possíveis para a sua concretização. Reconhece, assim, que a educação integral do cidadão não pode desconsiderar a dimensão de abertura do ser humano à transcendência, nem a importância fundamental do fenômeno religioso presente em todos os tempos e lugares da humanidade.

Viabilizar a proposta da BNCC em relação ao conhecimento do campo religioso só será possível dentro de um projeto pedagógico que possibilite lidar com o fenômeno religioso dentro da multiplicidade. Educar nessa perspectiva exige qualificação e aponta a necessidade de um profissional de Educação sensível à pluralidade e consciente da complexidade sociocultural da questão religiosa, e que garanta a liberdade do educando, sem proselitismo e/ou doutrinação.

Considerando a importância do Ensino Religioso na BNCC, que aponta como “objeto o Conhecimento Religioso, produzido no âmbito das diferentes áreas do conhecimento científico das Ciências Humanas e Sociais, notadamente da(s) Ciência(s) da(s) Religião(ões)” e os avanços, desafios e oportunidades que ela propõe, este texto busca auxiliar na reflexão e aqui destaca: o Ensino Religioso como área do conhecimento; o lugar da dimensão religiosa na humanidade; a multiplicidade de expressões religiosas; a cientificidade do Ensino Religioso; e, as competências e habilidades centradas no diálogo permanente.

O Ensino Religioso como área do conhecimento

A dimensão religiosa na história da humanidade sempre ocupou lugar de destaque na organização da vida das pessoas e das sociedades, determinando em grande parte uma dada cosmovisão e as ações individuais e coletivas. Com o avanço das ciências modernas, muitos pensadores sistematizaram suas concepções afirmando que a religião estaria no fim, que as ciências resolveriam todas as questões do ser humano. Mas isto não se verificou, pelo contrário: hoje, multiplicam-se as expressões religiosas, pois cada avanço científico traz novos desafios e questões para o ser humano se situar no mundo e dar sentido à vida.

Dada a importância desse fenômeno que se manifesta na busca de sentido para vida num algo a mais além do cotidiano, o Ensino Religioso se coloca como espaço para o estudo do Transcendente, Sagrado, Divino, respeitando a pluralidade de cada contexto sociocultural. A BNCC, quando assume a relevância do estudo do conhecimento religioso sistematizado historicamente, reconhece que ele não pode ser negado às novas gerações, mas ser socializado tendo como meta significar e dar sentido às diferentes dimensões da vida.

É nessa perspectiva que se coloca a questão do Ensino Religioso, como também o reconhecimento de que a religião é um fenômeno universal e multiforme. Não há lugar nem cultura que não tenha suas expressões religiosas. A BNCC, ao reconhecer essa realidade, relativiza as experiências que se propunham absolutas e universais; reconhece a alteridade e a potencialidade de cada cultura, evitando a dominação, a imposição; reconhece que a dimensão religiosa é tão importante, quanto a dimensão biológica, psicológica, social. Esta atitude opõe resistência à ideia de fragmentação do ser humano, entendendo-o como corpo e espírito, na sua integridade.

Infelizmente, ainda presenciamos muitas situações de violência de âmbito mundial devido à intolerância religiosa, com expressões fundamentalistas e sectárias que comprometem a dignidade humana. Diante dessa realidade, o Ensino Religioso, como aponta a BNCC, visa oferecer referenciais que contribuam efetivamente na construção do ser integral, despertando crianças, adolescentes e jovens, para que na vivência cotidiana aprendam a atuar na sociedade e exercer a cidadania com uma consciência e uma prática de vida voltada para a construção de uma cultura de paz.

O lugar da dimensão religiosa na humanidade

O reconhecimento da BNCC de que a dimensão religiosa é parte integrante da história da humanidade é um avanço muito importante para criar relações saudáveis. A BNCC, ao destacar que as práticas religiosas têm suas razões de existir e que nascem a partir das perguntas que o ser humano faz para situar-se dentro do contexto histórico, abre caminhos para o diálogo e o crescimento coletivo. As religiões, no geral, procuram dar sentido ao presente, explicar a origem de todas as coisas e direcionar a vida futura do ser humano. É a tentativa de responder às questões: de onde vim? o que estou fazendo aqui? para onde vou?

Mesmo tendo como ponto de partida estas questões, a base essencial das religiões é dar sentido à existência humana no presente. Por isso o estudo desse componente contribui na construção da realidade e no direcionamento da vida individual e coletiva.

Como aponta a BNCC, verifica-se na história e nos contextos atuais a existência de diversas concepções religiosas, sejam elas monoteístas, politeístas, fundamentadas em mitos, revelações proféticas, escrituras sagradas ou nas tradições orais. Religiões com expressões otimistas e outras pessimistas em relação à vida humana. Há o nascimento de religiões, desenvolvimento de umas e morte de outras. Há, ainda, contato entre as religiões, num dinamismo de substituição, modificação, transformação, continuidade, aceitação e desprezo de uma em relação à outra. Mas, é importante considerar que só captamos a experiência do outro dentro das nossas possibilidades e limites. Isto é, somos condicionados pela visão que possuímos e pelos instrumentais que utilizamos para ver e analisar o outro. É preciso também observar quem nos fala de sua experiência e tomar uma distância metodológica, conscientes de que não há neutralidade absoluta.

Com base na compreensão do ser humano, é possível observar que a religião é originalmente o apelo ou o acontecimento do divino, do sagrado, de Deus ao ser humano e a resposta do ser humano a esse apelo. Assim, a religião é uma grandeza viva, resultante do jogo entre apelo e resposta. Como bem aponta a BNCC, o acontecimento do Sagrado na sua manifestação finita não pode ser separado do ser humano ao qual ele se revela. Esta unidade bilateral pode ser considerada um diálogo, no qual os dois lados se encontram sem conhecer de antemão o resultado. Trata-se de um diálogo misterioso entre a “imanência e a transcendência”. O ser religioso entende que o Sagrado fala, da sua parte, em modos e símbolos variáveis, e o humano, por sua parte, responde de muitas maneiras. Sem esta participação de ambos não se dá o fenômeno chamado religião. É preciso também considerar que sem o processo de normatização a experiência desaparece com os seus protagonistas. Só sobreviverá se ela se estruturar, isto é, institucionalizar. Por outro lado, corre o risco de negar a experiência fundante, por criar estruturas que nada ou pouco têm a ver com a tradição originária.

Além das dimensões biológica, psicológica e social, o ser humano é um ser aberto à transcendência, como aponta a BNCC ao fundamentar o Ensino Religioso como área importante nos processos escolares. Transcendência é a capacidade e o desejo do ser humano de ir além dos limites, sair do estado atual em busca de algo novo. Assim, não é possível que os processos educativos, dentre eles a escola, como afirma a BNCC, desconsiderem esta dimensão, pois é preciso criar condições para que os alunos desenvolvam e aprimorem a sua abertura à transcendência. Reconhecer a dimensão transcendental do ser humano é considerá-lo na sua totalidade e complexidade.

Nesse processo, o Ensino Religioso, segundo a BNCC, tem uma grande contribuição a dar no sentido de auxiliar os alunos a enfrentarem as questões que estão no cerne da vida, despertando e desenvolvendo a religiosidade presente em cada um, e auxiliando-os na descoberta de critérios éticos de discernimento crítico frente à própria experiência, para assumirem uma atitude dialógica e de reverência no processo de aproximação e de relação com as diferentes expressões religiosas.

A multiplicidade de expressões religiosas

Ao considerar que as religiões são construção humana, produzida historicamente, é possível perceber que elas estão permeadas pelas características e pela visão de cada contexto e sociedade. Sendo assim, como afirma a BNCC, as religiões procuram situar o ser humano e oferecer uma orientação que permita a cada um dar sentido às múltiplas interações da vida a partir de valores, normas, regras e princípios. A atribuição de sentido à existência por meio da religião manifesta-se socialmente dentro da diversidade e originalidade de cada contexto.

Dada a complexidade das manifestações religiosas, nem sempre é fácil compreender as razões do fascínio de seus adeptos. São muitas as tentativas de explicar a transformação de fábricas, teatros, cinemas, garagens, galpões, restaurantes, casas e praças em espaços sagrados. Constata-se que um dos aspectos relevantes para a intensificação das manifestações religiosas tem a ver com o desencanto da vida que, com pouco ou nenhum encanto, resulta, muitas vezes, em exclusão social que se traduz por desemprego, falta de moradia, de saúde, de educação, de terra e de lazer. Estas contradições revelam, para muitos, que viver significa negar, fugir, resistir ou transformar a realidade. Quanto mais complexo e fora de controle se apresentar o cotidiano da vida, tanto mais parece indispensável uma força maior que auxilie na superação dos problemas.

Como as religiões surgem do déficit de vida, isto é, da impotência humana diante de muitos desafios que a vida apresenta, podem, em muitas circunstâncias, pela frágil identidade individual, levar os adeptos ao fanatismo ou ao sectarismo ao julgarem-se “donos” da verdade, entendendo estar cumprindo a vontade de uma divindade. Esse caminho é perigoso e aí vale o alerta de Dalai-Lama quando, uma vez perguntado sobre qual era a melhor religião, ele respondeu: “A melhor religião é aquela que nos faz melhores, mais amorosos, mais abertos aos outros”. Por isso, o desafio que se apresenta aos movimentos religiosos, e especialmente à escola, como aponta a BNCC, é o de desencadear um processo de diálogo em todos os momentos e direções, procurando resgatar a integridade planetária.

Segundo a BNCC, o estudo do Conhecimento Religioso deve partir da realidade do aluno e da escola, onde constatamos profundas transformações que atingem diferentes aspectos da organização da vida. As mudanças tanto nacionais como mundiais se dão num processo muito acelerado, o que deixa o ser humano perplexo. Os movimentos religiosos não estão alheios a este dinamismo e buscam responder, à sua maneira, às questões centrais que atingem a vida dos seus adeptos. O desafio é que, em grande parte, as questões, quando não identificadas com profundidade, podem falsear o que efetivamente é essencial para todos. Daí a importância do Ensino Religioso, como aponta a BNCC.

As religiões podem desempenhar diferentes funções no mesmo contexto, seja para fortalecer a autonomia ou a dependência dos seus adeptos. Se os seres humanos em toda a história produziram religiões e continuam produzindo com muita intensidade na atualidade, é porque elas têm uma razão de ser e acabam sendo extremamente úteis para a organização e direcionamento da vida. Daí que os processos educativos escolares precisam ajudar os alunos a compreenderem a dinâmica da vida individual e social.


Não deixe de conferir o restante do artigo em nossa próxima publicação.

BNCC e ensino religioso - Parte II

A cientificidade do Ensino Religioso

Confira a primeira parte do artigo
BNCC e ensino Religioso.

Ao analisarmos o imaginário da cultura brasileira percebemos que nem sempre o campo religioso foi contemplado com seriedade nas pesquisas, como aponta a BNCC. Uma das razões é a presença marcante da ideia de que algumas questões não devem ser discutidas; dentre elas, estão especialmente a política, o futebol e a religião. É indispensável considerar que a atitude de não refletir sobre estas áreas acaba por colocar entraves que impedem um debate sistemático e científico sobre essas questões tão importantes na vida das pessoas e que exercem grande influência sobre ela. Uma vez que “não se pode” discutir política, delega-se aos “entendidos”. Daí resulta a corrupção, a utilização das coisas públicas como se fossem privadas, além da omissão e do descaso com a nação. Até no futebol há uma questão política, pois é comandado por “cartolas” e alguns “sabedores” dessa área, o que produz com frequência a divinização de alguns poucos e o abandono de milhões de atletas que tem sua sobrevivência e a dos seus familiares comprometida.

Quando o assunto é religião, aí sim é que as coisas se complicam, pois no imaginário brasileiro esta área de forma alguma se discute. Assim, por um lado delega-se a reflexão para os “entendidos”, sejam eles líderes das religiões consideradas “legítimas” ou líderes que atuam, até certo ponto, na “clandestinidade”; por outro, produzem-se “especialistas” quando os indivíduos, a partir de sua experiência setorizada, julgam-se autoridades que não abrem mão de suas certezas. Essas posturas contribuem para inviabilizar estudos sistemáticos sobre as manifestações religiosas, além de impedir a visibilidade dos objetivos, das funções, da razão de ser e incidência dessa dimensão sobre a vida dos que creem. Resulta, também, numa certa ingenuidade, que leva a ver a religião como criação das divindades e, por isso, entendida como intocável e absoluta. Posturas como essas continuam desencadeando e legitimando milhões de mortes em nome de crenças e convicções religiosas sectárias e fundamentalistas.

No campo acadêmico também se constatam alguns entraves, especialmente a partir da concepção racionalista, positivista, impregnada da ideia de que, com o avanço das ciências modernas, a religião teria se tornado supérflua. Este modo de pensar ocupou grande parte dos meios acadêmicos que, ainda hoje, seguem pensando que não é possível fazer ciência sobre o fenômeno religioso e suas manifestações. Por outro lado, como reconhece a BNCC, constata-se também um movimento em diferentes espaços e níveis acadêmicos espalhados pelo país que, pela seriedade das pesquisas e análise interdisciplinar da complexidade do campo religioso, o colocam em debate. São campos de pesquisas que possuem excelentes trabalhos científicos, que em muito contribuem para a compreensão dessa área do conhecimento.

A constatação de que em todos os tempos e lugares o homo sapiens é também um homo religiosus provoca os espaços acadêmicos no sentido de que devem lidar com o fenômeno religioso com maior cuidado e cientificidade, dada a sua importância na organização da vida individual e social. Atitudes nessa perspectiva ajudam a superar os pré-conceitos e a ignorância que resultam em fanatismos intolerantes. Por isso, para a formação integral do ser humano, como quer a BNCC, o conhecimento da dimensão religiosa não pode ser desconsiderado na vida escolar. Diante disso, o Ensino Religioso, como área do conhecimento, deve trabalhar de modo a auxiliar os alunos a interpretarem a realidade e os impulsionar a atuarem na sociedade com postura ética, garantido a justiça nas diferentes dimensões da vida.

Competências e habilidades e o diálogo permanente

O Ensino Religioso será organizado, como propõe a BNCC, por Competências e Habilidades a serem desenvolvidas; e por Objetos de Conhecimento que apontem para a necessidade de uma interação entre o aluno e professor e demonstrem conhecimento histórico-cultural significativo. A BNCC afirma que o Ensino Religioso, assim como os demais componentes do currículo escolar, é “um espaço de aprendizagens, experiências pedagógicas, intercâmbios e diálogos permanentes, que visam o acolhimento das identidades culturais, religiosas ou não, na perspectiva da interculturalidade, direitos humanos e cultura da paz” (p. 437). Considerando esses pressupostos, e em articulação com as competências gerais da BNCC, a área de Ensino Religioso – e, por consequência, o componente curricular de Ensino Religioso – devem garantir aos alunos o desenvolvimento de seis competências específicas:

Para efetivar essa proposta, é importante que o educador se aproprie das competências que devem ser desenvolvidas na Educação Básica. Por isso, como aponta a BNCC, os objetos de conhecimento, a partir das três unidades: — identidades e alteridades; manifestações religiosas; crenças religiosas e filosofias de vida —, devem favorecer a compreensão da estrutura e dos conceitos das religiões, visando sempre a estabelecer as formas de expressão que explicitam, por meio dos costumes, das tradições e da linguagem, aquilo que influencia as relações sociais.

Os objetos de conhecimento apresentados pela BNCC são importantes no campo religioso, como as descrições de rituais das diversas religiões, sua história e práticas, bem como os temas ligados às Ciências Humanas. Tudo isso faz parte do Ensino Religioso, desde que não se esqueça da iniciação prática e teórica à religiosidade enquanto orientadora dos jovens na atual avalanche cultural e religiosa, em um contexto de mudanças muito aceleradas. Se o Ensino Religioso ficar só na informação não contribuirá profundamente na formação da personalidade; já um ensino aprendizagem focado na perspectiva existencial da religiosidade, abordado de maneira que o aluno possa se apropriar do conhecimento religioso, pode encantá-lo e envolvê-lo na construção da paz, sem proselitismo ou doutrinação.

A aprendizagem da religiosidade por meio de experiências, observações, informações, pesquisas e reflexões irá ajudar a o aluno a se posicionar dentro de sua realidade, independente da religião ou filosofia de vida que adote, e a dar respostas aos seus questionamentos existenciais. Por isso, é importante que a escola também produza conhecimentos dos grupos religiosos que constituem o espaço hermenêutico dos alunos, realidade que, pela presença marcante de aspectos religiosos na realidade brasileira, torna-se um convite constante à religiosidade. Por isso, o Ensino Religioso, na perspectiva da religiosidade é “anterior” à confessionalidade ou vai além dela, pois tem a ver com a busca do ser humano em dar sentido às suas ações, e com o propósito de elaborar um projeto pessoal de vida em sintonia com outros projetos para que a dignidade humana seja garantida.

A aprendizagem da religiosidade auxilia na capacidade de interpretar as próprias vivências com o espírito crítico possível na idade escolar. Como reconhece a BNCC, é a abertura ao transcendente na imanência, tanto feita pelos que têm religião como por aqueles que não adotam crenças. Essa abertura ao transcendente abre caminho para o diálogo com as diferentes áreas do saber. Por esta razão os objetos de conhecimento, segundo a BNCC, devem ser trabalhados com uma linguagem própria, porém sempre aberta ao diálogo, à interdisciplinaridade e à interculturalidade.

Para efetivar um trabalho nessa direção é necessária formação qualificada dos profissionais de Ensino Religioso. Considerando a finalidade do Ensino Religioso, com foco no Conhecimento Religioso, a formação que pode melhor preparar o educador é a promovida pela Ciência da Religião, uma vez que busca entender a religiosidade no ser humano e, a partir daí, estuda as expressões, as manifestações, as organizações, os ritos, os símbolos, espaços sagrados, dentre outras dimensões. Assim, o Ensino Religioso, pautado na Ciência da Religião, conforme a BNCC, auxilia na formação de cidadãos comprometidos com a defesa dos Direitos Humanos.

Desencadear a possibilidade de diálogo entre religiosidade e educação é uma tarefa urgente e uma oportunidade que exige mudanças significativas de todos os que consideram suas verdades como absolutas e únicas. O diálogo a partir de diferentes enfoques científicos poderá auxiliar o ser humano a lidar com projetos mais amplos, especialmente na defesa da vida de todos os seres e do planeta. Há questões essenciais que atingem a todos e só a partir da identificação do que efetivamente é comum será possível estabelecer algum diálogo significativo.

A perspectiva do diálogo traz à tona a necessidade de superar a lógica da identificação como um modelo e perceber a diferença, a dialética, a complementaridade e a reciprocidade como caminhos para a lógica do diálogo em todos os momentos e em todas as direções. O ser humano, dada a sua construção cultural etnocêntrica, como também egocêntrica, tem dificuldade em aceitar a diferença. Por isso, o diálogo na diferença é extremamente exigente, pois é preciso abrir mão de posições para poder enriquecer-se do potencial do outro e enriquecê-lo também. Para efetivar esse ensino e a aprendizagem, os processos da vida na escola têm grande responsabilidade e contribuição a dar. Vale aprimorar esta oportunidade, pois assim todos serão beneficiados com maior qualidade de vida com sentido.




Categorias

Vídeos

PNLD

Carreira

BNCC

Educação

© Copyright 2019 FTD Educação.
Todos os direitos reservados.

FTD Educação

Quem somos

Siga-nos

 

© Copyright 2019 FTD Educação.
Todos os direitos reservados.